A estrada bem sinalizada nas curvas, encostas e cruzamentos. O ônibus
desliza no asfalto, tem a maciez de um colchão. Dá sono esta viagem que
atravessa planícies, uma paz que suaviza a alma. Campos de trigo como imensos
lençóis até a curva do horizonte. Uma
família portuguesa, com certeza de classe média, rostos de cada um até certo
ponto afável, ocupa poltronas perto da minha.
Um casal de velhos puxa conversa para saber o que aconteceu com o avião
seqüestrado depois de decolar no aeroporto de Nova Iorque, levando cento e
cinqüenta passageiros. O velho ouviu a notícia no quarto, estava arrumando a
mala para a excursão a Madri. Plantão da TV Planeta. A velha, com veias grossas nas mãos magras,
cabelos alvos e sedosos, disse que o avião explodiu sobre o oceano. A mãe do
menino põe a mão na boca horrorizada.
Santo Deus, que barbaridade! (o pai do menino).
O
ônibus faz a segunda parada nas imediações de Toledo. Trinta minutos para
apreciarmos a cidade ali do alto. Da balaustrada podemos tirar fotos e filmar.
No retorno de Madri, vamos conhecer Toledo por dentro. Puerta Bisagra, Castillo
Visigodo, Calle de Santa Isabel, Casa del Greco, a Catedral famosa e outros
locais importantes. O guia anuncia com sua voz ligeira. Alguns não escutaram
direito o que a voz nervosa dele acabou
de dizer. Pedem para ele repetir, devagar, por favor. Toledo é um museu a céu
aberto, você vai ver isso, o passado chegando da Idade Média em silêncio, a
mulher de olhos azuis diz para o homem de cabelos cor de ouro, nariz comprido
no rosto com o queixo saliente. A cidade foi construída sobre uma grande rocha,
lá embaixo o rio contornando-a e seguindo com a sua enorme cobra grossa.
Estratégia perfeita montada com a ajuda da natureza para impedir a invasão das
hordas inimigas. A entrada da cidade fica lá em cima, no topo da rocha.
Chega-se à grande porta atravessando por uma ponte sobre o fosso de garganta
escura.
Distante
dos outros, numa das extremidades da balaustrada. Calado, arredio. Espio as casinhas lá embaixo, próximas ao
rio, num dos lados em que circunda a rocha. O guia informa que só podem ser
construídas com a mesma arquitetura dos tempos medievais. De longe observo
Toledo. Visão que se mistura com a sensação de uma fortaleza impenetrável,
muralhas altas, circulando a cidade, construídas sobre o topo da rocha. Torres dentadas onde outrora ficaram
sentinelas, na ronda com espada e lança.
Noites expectantes sob a dura vigília à espreita da morte.
O ônibus cruza a Puerta d´Alcalar, em Madri. Ao
desembarcar sigo atrás dos outros
turistas, que em grupos estão entrando no Hotel Washington, na Gran Via de
Madri. O guia recomenda que só vamos ter
cinqüenta minutos para descermos
até o salão de refeição, fica no
primeiro andar do hotel. Entrega a cada um de nós o cartão magnético, ensina como deve ser
enfiado na fenda da porta do apartamento para abri-la. Ao ser enfiado na porta,
o lado da tarjeta para baixo. Cuidado para não esquecer o cartão magnético
enfiado na porta quando sair. Convite para o ladrão entrar no apartamento e
ganhar o dia fácil (risos).
Ficaria
sem fazer a refeição do jantar, se não chamasse
o chefe dos garçons para saber o que estava acontecendo. Ali sozinho na
mesa do canto, vendo os outros deglutir a sopa: são servidos com atenção
especial por dois garçons que parecem irmãos
gêmeos. “Levo o caso para a Embaixada do Brasil para as providências
legais”. Impaciente, voz um pouco alterada, absurdo o tratamento que estão
me dando. “Por favor, senhor, está
havendo um mal entendido”, calmo o chefe dos garçons, “num instante o senhor
será servido.” Um português de fala fina, o chefe dos garçons, impecavelmente vestido no uniforme do hotel,
cor de vinho. O nome do hotel com letras
douradas no bolso superior do paletó. Incumbe um dos garçons para me servir
imediatamente.
O guia reúne todos no salão
de recepção do restaurante, ao lado do salão de refeições. Vamos dar um breve
passeio pelo centro da cidade agora à noite. Fontes de Cibelis e Netuno, Porta
do Sol, Praça da Espanha, passaremos em frente ao Palácio Real. Após a refeição
matinal, amanhã, às 8,30 horas, todos na recepção do hotel. Pela manhã, passeio
no Parque do Retiro e, à tarde, Praça Maior. À noite, como opção conhecer o
flamenco, a dança e a música que apresentam chamas. Despesas no teatro por
conta de cada um de vocês, diz o
guia.
Depois de três dias visitando outros locais importantes em Madri, o
ônibus retorna a Lisboa de manhã cedo. Começa a subir a Grande Via, durante o
dia com muito movimento de carros. O ônibus deixa para trás ruas com os vultos
de pessoas andando pelos passeios. O roteiro no retorno da Excursão Eldorado
indica parada no Vale dos Caídos, visita à monumental Salamanca e à admirável
Toledo. No retorno, como aconteceu na
ida, continuo na excursão como um desconhecido, que viaja em silêncio.
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