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quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Admirável Ângelo Roberto

                                 Cyro de Mattos

Diante dos desenhos de Ângelo Roberto, baiano de Ibicaraí, radicado em Salvador desde 1948, a primeira impressão que se tem  é de que a vida é ato de amor. Figuradas no real, criaturas simples sugerem o visual cativante através  de uma poetização imaginativa. Mãos e pés enormes não representam detalhes encaixados de maneira inteligente no humano que se pretende figurar. É mesmo o jeito próprio de imaginar o humano em seu excesso de pobreza, a nos atingir com amor em sua simplicidade. Podemos  perceber  isso  na imagem do menino, abraçando o cavalo amigo com todo o calor do coração. Em são Francisco de Assis e seus pássaros que acendem o dia, levando fraternidade pelos quatro cantos cardeais. Ainda na lágrima    da criança triste, riscada no instante do trauma causado  pelo passarinho morto na gaiola.
Ângelo Roberto, como se vê, é um poeta do traço expressivo. A  imaginação rica que possui lateja no drama  como um feixe de nervos numa só ritmação. Sensorial, intensa, sutil nos pontos que o artista sabe imprimir com mestria nas linhas. Nos poros abertos de sua verdade sentida pela vida. Linha, ponto e movimento pulsam com amor ao mesmo tempo, numa só projeção do drama. Flagrado no episódio tendo às vezes a configuração no mais exterior uma significação interna, de dor e cisão súbita feita na existência rústica. Acontece assim a concentração de forças que vibram na expressão oculta do vaqueiro baleado.
Já se disse que poesia é concentração, iluminação do ser e verdade no seio da linguagem plasmada. Então percebemos assim que Ângelo Roberto oferece com freqüência ao desenho momentos de poesia significativa. O gesto simples do artesão por suas criaturas, fraterno e doce tantas vezes nas emoções captadas configura na superfície branca o espírito pontilhado e delineado com o traço leve quando corporifica a matéria. Diríamos que a vida nesse instante flutua ou se flagra naquela zona suspensa do azul, que há muito tempo coabita dentro de nós, naquela aderência mansa de certo clima poético em nossa paisagem íntima.
Vagares de ternura, revelação solidária da tristeza, instante cálido da mulher com  flor no seio. Tudo idealizado por meio de pontos e linhas que determinam  um ritmo suave. Configuram na expressão segura o tema real do imaginário com objetivo de transmitir valores emotivos. Representam com habilidade a arte de riscar uma geometria que se projeta no tempo do viver, do sentir e do amar, para ocupar determinado estado onírico.
Posso dizer que os trabalhos desse artista humaníssimo que é Ângelo Roberto, de rica vocação para o traço poético, mostram outra vez que a Arte é necessidade fundamental da vida como forma de conhecê-la. Concordância de verdade e beleza, vínculo de gravidade e jogo, pode até não ser substitutivo da vida, não tendo mais importância do que comumente lhe é dada. Porém, útil compartilha a solidão, cativante aproxima as criaturas, dá prazer e faz meditar dentro daquele entendimento  tácito, que a vida no ritmo feroz de conflitos e abismos das civilizações atuais é destituída de sentido efetivamente.
Feita com amor e talento, de maneira humaníssima, reveladora do ser na existência, pode não salvar o indivíduo no conturbado lado de animal social, mas é ato que torna a vida suportável, sensível e essencial.
E viver sem ela seria mesmo impossível.

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