Nutro afeição pelas minhas origens, em especial pela cidade onde
nasci e resido. Itabuna foi um burgo de penetração na época do desbravamento e
conquista da terra. Sempre me vi na empatia dessa relação entre homem
e civilização na qual houve uma
saga nascida com a implantação da lavra
do cacau pelos que por aqui passaram tangendo ventos primeiros. Na manhã em que bebi água de ribeirão, não é difícil
que eu me surpreenda ao lado do
sergipano, o negro, o árabe e o índio.
E, se falo agora do árabe como elemento que
integra essa civilização, é em razão dos
acontecimentos abomináveis que aconteceram em Paris quando terroristas
islâmicos invadiram a redação do jornal
Charlie no ato covarde que abalou o planeta.
De sã consciência não se pode estender o ato criminoso, insano, dos mais primitivos, ao povo árabe como um
todo, constituído na maioria com a
crença religiosa em Maomé e de uma
minoria fiel ao Cristo.
Os árabes, que reportam as tradições de seu país à mais remota
antiguidade, um dia desceram do Oriente
e aportaram em Ilhéus, no sul da Bahia. Espalharam-se por essas bandas,
fixaram-se em cidades no nascedouro da vida. Abriram picadas para vender as bugigangas, que o
burro levava ao homem ilhado na selva,
já se preocupando em fincar raízes com a família na terra
promissora. As picadas depois viraram
estradas ligando gente que de tão distante um não conhecia o outro na selva
hostil. De longe, os árabes chegaram e
iniciaram os nativos na sua maneira
de fazer uma
culinária saborosa. Animaram o
Carnaval com suas fantasias de beduíno, faraó, Cleópatra, odalisca e bailarina.
Vidrilho, lantejoula, confete e serpentina vendiam no armarinho. E mais: cetim, tafetá, seda, renda e tapete. Deram enorme
contribuição no desenvolvimento
do comércio. Instalaram lojas para
vender artigos de campo e cidade. Tinham uma vocação nata para vender e
comprar. Vendiam bem e compravam melhor.
A memória acordada no fumo do tempo lembra a
professora Lourdes Hage, que me ensinou
o ABC na Escola do Montepio dos Artistas. As
famílias Midlej, Maron, Sussa, Salume, Neme, Atalah, Haun, Habib,
Harfush e Agle. Alguns de seus
descendentes estudaram comigo no único
ginásio da cidade. Eram alunos
aplicados e inteligentes. Vejo,
assim, uniformizados, comparecendo
alegres ao ginásio os alunos Abud, Mary Kalid, Abla e Marcel. Como vejo ainda na sala de aula as
professoras Odete Midlej, Lode e Alice
Maron. Não devo esquecer o professor Arbage, ele me ensinou a gostar de
matemática. O recreio ficava uma delícia com os sorvetes do Danúbio Azul, de
Seu Sussa. A sorveteria ficava perto do ginásio.
Transmitiam o hábito do saber com facilidade
aquelas três professoras do nosso ginásio.
Odete Midlej ensinava português, Lode era a professora de desenho, Alice Maron
lecionava francês. Aprendíamos com suas lições que estávamos
sendo preparados para ser gente. O fato de aprendermos com aquelas professoras, vindas de terras estrangeiras onde a língua era outra, falando corretamente o nosso idioma agora, causava admiração entre os estudantes.
Abro parêntesis para o amor entre o estudante Nassim, também árabe, e a
professora Alice Maron. Descobriram-se apaixonados, um dia. Beijaram-se, na
mais linda forma do amor, sem ligar para o olho alheio. Casados mudaram para o
Rio onde ergueram seu ninho, dizem que fugindo das más línguas itabunenses da
época.
Os seres humanos continuam andando nos mesmos passos em qualquer lugar
desse velho mundo. Entre o bem e o mal,
vento verás ventar canção, disse o poeta. Há milênios que as religiões
vêm tentando mostrar ao ser humano que braço ao abraço a rosa fica mais fácil
de ser colhida no cotidiano da vida. Há
milênios nós os humanos estamos construindo
a história de nossa condição com intolerância, violência, egoísmo. O que
sabemos de Deus? Da dor e a solidão? É
preciso fazer a separação do que é a
regra e o desvio da ternura movido por forças irracionais.
Quando menino, conheci aqueles árabes, os
meninos de minha geração chamavam eles de gringos. Jogavam gamão na manhã de domingo,
no Itabuna Clube. Falavam uma língua que eu não entendia sequer uma palavra.
Faziam-me sorrir. Terminada a distração deles com o jogo, saíam alegres,
tagarelando na sua língua engraçada. Não devemos confundi-los, como de resto
grande maioria, com perversos
terroristas islâmicos. Merece repúdio o terrorismo, não deve prosperar o ato
covarde que vitimou os doze jornalistas na redação do jornal Charlie. Em nome da liberdade de expressão não se deve
agredir, também, a crença de outras religiões e fomentar o ódio.
Maomé,
o fundador do islamismo, e Cristo, o
bem-amado salvador da humanidade, dizem
da unidade de Deus, paz e amor.
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