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quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015



                                              O Irmão

                                      Por  Cyro de Mattos
                               
De meu pai e minha mãe só tive um  irmão. Nasceu  primeiro.  Mais velho do que eu quase quatro anos. Ninguém melhor do que ele no estilingue. Tinha uma pontaria certeira. Um craque no jogo de futebol. Zé Orlando atuava como lateral esquerdo,  tinha uma perna esquerda de fazer inveja. Sabia como marcar o ponta-direita, anulando-o na partida. Chutava  a bola com precisão  para o gol levando perigo à defesa adversária. 
 Era o meu ídolo. E mais:  o meu protetor. Tirava  satisfação ao menino maior do que eu que me desafiava para brigar no sério. Ele dizia para o menino maior do que eu: “Você não gosta de brigar com um menor do que você e se gabar de porreta, venha enfrentar agora um de seu topete e vamos ver quem ganha.” O menino saia dali no mesmo instante envergonhado, amedrontado. No dia seguinte, deixava de me chamar para brigar no sério quando perdia uma partida de bola de gude e não se conformava com a derrota. De agora em diante, respeitava minhas vitórias em qualquer brincadeira. Não ficava se vingando por ser o derrotado,   mangando naquela cantigazinha,  que me dava raiva:  Ciro, ciroca, nariz de taboca, vendeu a namorada por dez reis de pipoca!”
Gostava de pentear o cabelo com esmero, depois de repartido  com o pente.  O  lado direito ficava maior que o esquerdo.  Alisava o cabelo com brilhantina. Sempre  me pedia que fosse  entregar o bilhete no qual  declarava seu amor para a menina que havia sido a escolhida para ser sua  namorada. Cumpria a missão com gosto, entre compenetrado e alegre.  Quando trazia a resposta por escrito,  a eleita dando  o sinal verde, marcando o primeiro encontro no Cine Itabuna, na matinê de domingo, eu ficava sorrindo de contente. Via na expressão do rosto que o irmão estava satisfeito com a conquista.  
Dizia que não queria outro mensageiro, o mano Cyro  dava-lhe sorte. Eu  me sentia recompensado com as suas palavras de agradecimento. Nem precisava que ele agradecesse.  Prazer eu tinha mesmo era de  levar o bilhete para a eleita e  retornar depois com a resposta dela, afirmando  que o pedido do  irmão para namorar com ela havia sido aceito. 
Tinha acabado de ingressar no primeiro ano do curso ginasial. Na pequena cidade só havia um ginásio. Por isso estudar  no único ginásio da cidade era ser olhado pela  gente importante como um estudante de categoria  especial. Significava que o adolescente conseguia atingir o grau mais avançado como estudante na cidade. O estudante local só  levava desvantagem com relação ao adolescente  que fosse estudar interno em  algum colégio na Capital. As meninas preferiam namorar o adolescente que estava estudando em algum colégio de Salvador.       
Desfilava na cidade exibindo com orgulho o blusão caqui, engomado e bem-passado  pelas cuidadosas mãos maternais.  Bordadas de  azul,  as letras maiúsculas no bolso superior direito do blusão chamavam atenção, pareciam que tinham um brilho diferente. O momento triunfal no desfile  acontecia na matinê do Cine Itabuna antes de começar o filme.
Havia adolescentes  que estudavam no Colégio dos Irmãos  Maristas, outros no Padre Antonio Vieira ou  Salesiano, em Salvador. O irmão fazia parte agora do grupo seleto de estudantes  que estudava na Capital. Não demorou muito que fosse juntar-me a ele no internato do colégio Irmãos Maristas. Anos depois, o pai alugou um apartamento no bairro dos Aflitos. A mãe veio morar nesse apartamento para cuidar dos filhos, que agora cursavam a faculdade. O  irmão formou-se em medicina, diplomei-me em  advocacia.
 De retorno à cidade natal como médico, o irmão tornou-se em pouco tempo um profissional  conceituado.  Eu exercia nessa época, idos de 1963,  a advocacia com boa  clientela. De repente decidi fechar o escritório  e fui morar no Rio. Estava determinado a trabalhar em jornal, no Rio, e, paralelamente, dedicar-me à literatura. Voltei à região apenas para casar  com a moça que conheci numa festa,  em Ibicaraí. Fazia anos que estávamos noivos.
Casado com Mariza, continuei  a exercer  o jornalismo no Rio. Só retornei à cidade natal anos mais tarde para resolver problemas familiares, depois que minha  mãe faleceu. E aqui fiquei em definitivo. Foi então que soube   como  a vida estava  se encarregando de me separar do  irmão. Ah, a vida,  com suas invenções,  difíceis de serem sentidas e compreendidas. 

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