O Sorriso da Menina
Por Cyro de Mattos
Tive uma infância livre marcada de surpresas agradáveis. As melhores aventuras com os queridos amigos aconteciam quando era tempo de férias escolares. Na minha turma havia menino filho de família rica, mediana e pobre. A classe social e econômica não nos separava, estávamos sempre um próximo do outro porque as brincadeiras da infância com sustos esplêndidos sempre nos unia e falava mais alto do que qualquer tipo de privilégio, distinção ou preconceito. Não me lembro de algum menino branco querer ser superior ao amigo porque este era de cor preta.
Eu era um menino de pais humildes. As diferenças que existiam entre ser rico e pobre valiam no mundo dos adultos, não me interessavam mesmo. Os sentimentos fraternos nutriam um companheirismo entre os meninos de cada rua ou bairro. Brotavam e cresciam fortes a cada dia, no jogo de bola, roubo de fruta madura nos quintais espalhados na cidade, pescaria no rio. A vida assim nadava como um peixe ágil por entre as águas límpidas do rio, que dividia a cidade em duas partes. Ou como um pássaro que dava voos altos, cada um de mais intensa emoção do que o outro.
Não gostava quando meu pai dizia que um dia ia se tornar um homem rico. Para o pai o pobre era igual a cachorro, passava toda espécie de privação. O pai tinha renda modesta, vivia do aluguel das casinhas na avenida que havia acabado de comprar, depois que vendeu o quiosque, sortido de aguardente, cigarro, doce e biscoito.
Fora esse aborrecimento que o pai me dava, quando abordava esse assunto de riqueza e pobreza, rotulando os homens de privilegiados os ricos e sofredores os pobres, a infância que tive em minha cidade encheu-me de alegrias. Digo melhor: só de riquezas provenientes de cada aventura. A primeira tristeza que aconteceu comigo na infância foi quando soube que a menina havia sumido, os pais estavam desesperados Pediam aos vizinhos, amigos e conhecidos que os ajudassem a encontrar a filha, de repente desaparecera quando brincava sozinha no passeio.
Um acontecimento inusitado, essencialmente absurdo em sua dramaticidade, quando a cidade tomou conhecimento do sumiço daquela menina. Abalou os seus habitantes durante semanas. A menina estava brincando pela manhã no passeio de sua casa, saltando as casas do jogo da amarelinha. Quem teria feito tamanha perversidade? Não se falava agora de outra coisa. O autor de tamanho infortúnio merecia o pior dos castigos quando fosse capturado. A mãe estava prostrada na cama, os olhos inchados de tanto chorar. Murmurava e pedia, a todo instantes, para que Nossa Senhora Perpétua do Socorro achasse sua filha e lhe desse de volta. O pai na padaria atendia os fregueses ora nervoso, ora triste.
Naquele tempo, por ser uma cidade pequena, as pessoas tinham suas vidas próximas umas das outras. Podiam morar distantes umas das outras, mas a vida de cada habitante era conhecida na sua intimidade por muita gente. Ninguém guardava segredo de ninguém. Na cidade de pouco mais de 20 mil habitantes, os sentimentos de alegria e pesar que alguém estivesse vivendo pertenciam também a seus habitantes, que comentavam sobre o fato e participavam dele, como se fossem também protagonistas.
Imagine então que um fato grave como o do sumiço da menina correu célere e tomou conta da cidade em poucas horas.
Muita gente na cidade sabia em detalhes sobre o sumiço da menina. Os pais sofriam com o desparecimento da filha. A cidade estava coberta de uma onda de tristeza trazida por acontecimento inconcebível, de tão infeliz e dolorido. Era a primeira vez que isso acontecia. Os ares da tristeza circulavam em lugares distantes do centro da cidade. Eu e os queridos amigos ficamos sem saber o que fazer para acharmos alguma pista que revelasse o lugar onde a menina estivesse aprisionada. Um amigo dizia que a menina tinha sido roubada há um mês, as chances de achá-las iam diminuindo, cada vez mais ficando pequenas. Outro falou que ela tinha sido vista na cidade de Conquista, que fica longe no sertão das boiadas, estava sendo puxada pela mão de um homem velho e barbudo. Muito feio, sem dentes na boca, tinha parentesco com o diabo.
Na minha infância cheia de alegrias, tive que conhecer a dura hora da tristeza pela primeira vez com o sumiço daquela menina, que eu vi certa vez na manhã inocente, pulando corda no passeio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário