Páginas

segunda-feira, 6 de junho de 2016








        O Grande Chefe       


             Cyro de Mattos




 Cada menino tinha um apelido na turma Havia Gasolina, Peito de Pombo, Vigário, Piroca, Lorota, Balaio, Porroló, Alfinete, Catroca, Caneta, Fininho e Pixote. Cada um desses apelidos soava com o seu acento poético. Cada menino ficava como chefe da turma por uma semana ou um mês. Natural que fosse o escolhido aquele que se mostrasse mais corajoso e esperto para superar os desafios em cada aventura.
 As aventuras consistiam em roubar fruta madura nos quintais das casas espalhados na cidade, caçar passarinho com estilingue no jardim da Prefeitura ou nas roças próximas, pescar de rede no rio e jogar bola no campinho da beira-rio quando então se enfrentava times de meninos de outras ruas. Na verdade, as aventuras não passavam de brincadeiras alegres, nas quais ninguém queria deixar de participar. Nas aventuras havia uma regra a  que todos deviam obedecer até as últimas conseqüências: um por todos, todos por um. Quem não obedecesse estava fora da turma para sempre, considerado um imprestável, uma porqueira de amigo.
              Para se tornar chefe durante um mês era preciso vencer uma prova difícil.  Por exemplo, ficar andando mais tempo no muro do quintal da casa do delegado, sabendo que, se caísse no lado de lá, ia ser abocanhado pelo cachorro Nero, uma fera, quase do tamanho de uma onça. Outra prova era atravessar o rio a nado. Quem chegasse primeiro ao outro lado do rio seria eleito para chefiar a turma durante um mês.
            O chefe, entre outras coisas, ditava as aventuras de que a turma devia participar a cada dia. Roubar pedaço de carne charqueada pendurada no cavalete dos armazéns de portas largas, na rua do comércio, era uma das preferidas pela turma. O pedaço da carne charqueada devia ser cortado com canivete, e rápido. Depois era repartido entre os que participassem da aventura. O chefe até podia ficar fora das aventuras, se quisesse, mas ganhava sempre o pedaço maior do bolo. Daí o interesse de cada um em querer ficar como chefe da turma durante um mês.
           Daquela vez o desafio a ser enfrentado para que fosse escolhido o chefe da turma durante um mês não era perigoso, mas nada agradável, não cheirava bem.  Ninguém sabia dizer direito de quem partiu a idéia. Era para ser provado numa colher de chá o gosto que tem a bosta da galinha. Isso mesmo, aquela pasta mole e repelente. Quem engolisse primeiro o petisco seria o vencedor e, claro, o chefe por um mês. Teve menino que torceu o nariz, mas topou encarar o desafio para não fazer feio. Havia um prazer especial em ser o chefe da turma durante trinta dias. Valia a pena superar qualquer obstáculo.
          A mãe de Piroca mantinha um criatório de galinhas poedeiras no quintal. No outro dia,  lá estava a turma no quintal da casa dele. Havia chegado o momento para enfrentar o desafio do que se tinha combinado. Ninguém teve coragem de olhar para aquela coisa que causava repulsa quando se pensava nela. O impasse criado pelo desafio da prova a ser encarado dava a entender que daquela vez a turma ia ficar sem chefe durante um mês. Ninguém se aventurava agora em provar a apetitosa iguaria. Tudo indicava aos pequenos corações que voltariam ao lugar comum pelo qual a chefia da turma seria exercida apenas por uma semana, com o chefe sendo escolhido pela maioria numa votação democrática. Bom adiantar que a situação de chefiar a turma por uma semana estava ficando sem graça, já que o escolhido para isso não gozava das regalias do chefe que comandava por um mês, como ficou dito.
           E, quando todos já tinham desistido de enfrentar aquele desafio tão difícil, não era nada agradável provar uma coisa que ia causar vômito quando fosse descendo  pela garganta, de repente surgiu uma voz  do meio da turma. Uma voz arrelienta,  bem conhecida de todos.
            - Eu topo – disse Pixote.
            Aí, sem hesitar, ele tirou do bolso a colher de chá e encheu com um bocadinho daquela pasta que a galinha pedrês de pescoço pelado havia acabado de soltar no canto do quintal. Engoliu o troço de uma só vez, sem fazer careta, não sentindo nada. Ninguém queria acreditar no que acabava de acontecer ali mesmo diante dos rostos sérios. Logo ele, o menor da turma, só fazia atrapalhar, era admitido nas aventuras porque era o dono da bola de couro, que ele emprestava para as peladas no campo esburacado da praça, que ficava em frente da cadeia. Logo Pixote, uma coisa insignificante, um graveto que ninguém dava qualquer crédito.
             Pixote nunca havia sido chefe da turma uma vez sequer, nem por um dia, quanto mais por um mês, e era o que mais desejava na vida. Reinaria agora por um mês, tendo o direito às regalias que só ao chefe pertenciam. Ele, Pixote, o grande chefe, como de peito estufado gostava de ouvir ser chamado quando começou a dar as ordens para que as tarefas fossem cumpridas pelos seus comandados.
Foi assim que Pixote tornou-se nosso grande chefe na turma de meninos que moravam na Rua do Quartel Velho. Durante um mês. Certos andam os mais velhos quando dizem que com menino esperto, corajoso e renitente até o cão mais feroz tem respeito, fugindo o mais rápido dele.













Nenhum comentário:

Postar um comentário