A SEGUNDA MORTE DE NELLY NOVAES COELHO
Ronaldo Cagiano (*)
A notícia da morte da escritora,
crítica e ensaísta Nelly Novaes Coelho chega ao conhecimento público com grande
atraso, de acordo com noticiado no Estado de S. Paulo de em 28.12.17, tendo ela
ocorrido um mês antes, em 29.11.17. É de estarrecer e entristecer que uma
intelectual de sua dimensão e importância para a literatura brasileira
desapareça, sem que a imprensa saiba e seus amigos, leitores e admiradores
pudessem prantear a sua perda ou homenageá-la, como merecia, pela sua estatura
cultural e humana, por todos (re)conhecida.
Na esteira de seu desaparecimento, abro um parêntese, para constatar, com tristeza e revolta, também essa tendência, cada vez mais assente, se de jogar no cesto do silêncio gente que tanto fez pela literatura, como Nelly, que parte num momento crucial da cultura brasileira, amesquinhada sempre pelo mais do mesmo. Quando o mercado editorial não dá espaços para intelectuais como ela, que descarta o “velho” e sabota os “idosos” em nome de ume geração literária descolada, que não tem nada para oferecer, senão suas carinhas rendidas e vendidas às feiras literárias, verdadeiras quermesses onde mais valem como fetiche e produto do que como criadores. Quando não temos mais editores com o feeling de um Ênio Silveira ou um José Olympio, mas executivos com olhos nas planilhas, que olham para o mercado e não para o talento do autor ou a qualidade da obra. Quando não há críticos como Antônio Candido, Wilson Martins, Antônio Olinto, José Guilherme Merquior, José Veríssimo, Otto Maria Carpeaux, mas esses comunicólogos de carteirinha (no dizer do saudoso Cassiano Nunes, professor da UnB), ruminando releases na grande imprensa. E tantos outros exemplos de vítimas desse sistema editorial monopolista, cartorial, mercenário e excludente, incensador de mediocridades e negligente com os verdadeiros talentos, que ao longo das últimas décadas relegou, como Nelly, tanta gente ao destino do ostracismo, silêncio e esquecimento, como um Rosário Fusco, um José Carlos Oliveira, um Ricardo Guilherme Dicke, uma Orides Fontela, um Samuel Rawet, um Osman Lins, uma Dora Ferreira da Silva, um Campos de Carvalho, um José Agripino de Paula, um Caio Porfírio Carneiro, uma Eunice Arruda, e, ainda mais recente, o lendário José Louzeiro, felizmente relembrado em oportuna resenha de Afonso Borges em sua revista eletrônica “Mondo Livro”.
Reporto-me ainda à notícia anterior do mesmo blog do curador do Projeto Sempre um Papo, em que o falecimento (culminado com seu completo desconhecimento) de Nelly Novaes Coelho é abordado por Afonso Borges para destacar a imperdoável omissão que cometeram, tanto a família, que a blindou num cárcere de silêncio por cerca de três anos, em nome de uma proteção para tratamento de saúde, alijando o fato da imprensa, que não pôde dar a devida cobertura ao fato, talvez, até mesmo, por culpa e obra desse completo alheamento a que ela foi jogada e da impossibilidade de acesso a qualquer notícia sobre suas condições.
Indaga Afonso, em sua comovida e estarrecida constatação: “Quem roubou a paz de Nelly Novaes Coelho? Quem nos roubou da paz de Nelly Novaes Coelho? Por onde andou nestes últimos anos? Por que só ficamos sabendo da sua morte um mês depois?”
O jornalista, depois de coligir várias fontes, apenas confirmou o que já era rumor no meio literário, pelo menos dos que com ela conviviam e a conheciam – sobre sua internação e a consequente proibição de encontros ou contatos com amigos e colegas de ofício. Havia razão plausível para escondê-la do meio que sempre foi seu pulmão, chão, teto e horizonte? O articulista confirmou esse desaparecimento inusitado, a interdição de uma vida ainda em plena atividade e lucidez, que não merecia o destino do degredo numa instituição geriátrica, colhendo de suas consultas o sentimento de indignação e perplexidade de tantos quantos a conheciam e admiravam.
Apenas para argumentar, ainda que Nelly tivesse sido acometida de uma ocorrência mais grave (por exemplo: um AVC? Um Alzheimer? Uma debilidade cardíaca? Uma queda? um processo de senilidade?), que a incapacitasse física e intelectualmente a ponto de interromper sua capacidade de comunicação e discernimento, não seria o caso de privar seus amigos e admiradores de notícias, ou mesmo de uma visita. Era o mínimo a se fazer por alguém que tanto fez por tantas gerações quando no pleno (e vigoroso) exercício de suas atividades como professora, escritora, críticas e editora de cultura em jornais importantes.
Eu mesmo sou testemunha de sua inteireza física e mental nos tempos que antecedem a esse imposto deletar em vida. Não muito antes de ser tirada de circulação (éramos vizinhos de rua na Bela Vista; eu morava na Rua Dr. Seng e trabalhava a Al. Joaquim Eugenio de Lima, a poucos metros de sua residência, na Rua dos Franceses). Nos dez anos em que vivi em São Paulo encontrei-me várias vezes com Nelly, a quem devo, desde o meu primeiro livro publicado nos anos 80, quando morava em Brasília, a generosidade de sua recepção e apreciação crítica. Numa dessas vezes, estivemos em seu condomínio, na casa de uma amiga comum, também escritora, que lhe prestou uma homenagem, num encontro, em que muito se conversou sobre literatura. E ela com seus 91 anos, forte, entusiasmada, povoada de planos e vivíssima e antenada com o que se passava na literatura contemporânea. Foi uma noite memorável, em que atestamos sua disposição e saúde, compartilhou conosco suas ideias sobre literatura, suas experiências no campo intelectual, sem qualquer sinal de esmorecimento de sua disposição. Aliás, entre todos, sem dúvida, era a mais animada e sem indícios de fadiga.
Em meados de 2013, dividi com ela uma mesa na Casa das Rosas, a convite do editor e escritor Nicodemos Sena, numa sessão dedicada à discussão sobre o romance “Deus de Caim”, de Ricardo Guilherme Dicke, por ele reeditado e resgatado pela Ed. Letra Selvagem. Foi um momento epifânico em que a professora e ensaísta discorreu por mais de uma hora, secundada pela professora e escritora Raquel Naveira e pelo jornalista Lorenzo Falcão, de Cuiabá, abordando aspectos críticos e estéticos da obra do escritor e filósofo mato-grossense, até então relegado ao anonimato depois de uma carreira vitoriosa nos tempos em que viveu no Rio.
Nelly protagonizaria meses depois outro momento de inteireza física e mental, quando foi prestigiada pelo mesmo editor e amigo, que publicou e lançou naquele mesmo espaço da Av. Paulista sua recente obra, ‘Escritores Brasileiros do Século XX”, um caudaloso, exaustivo e fundamental compêndio que mapeia a produção ficcional brasileira desde os primórdios do Modernismo. Naquela oportunidade, casa lotada e com vários escritores presentes para saudá-la, entre eles, Benjamin Abdala Junior, Ignácio de Loyola Brandão, Fábio Lucas, Cyro de Mattos, Alaor Barbosa, Ricardo Ramos Filho, Ana Maria Martins e Miguel Jorge, Nelly era a própria imagem da intensidade criativa e da paixão literária, momento em que soubemos que Nelly ainda estava com o fôlego a mil, prometendo para breve uma obra sobre a presença feminina da literatura brasileira, um projeto “in progress”.
Algum tempo se passou, encontrei-me algumas vezes com ela na vizinhança e mesmo após ter tido um problema cardíaco, dizia-se em franca recuperação, sem qualquer sinal de debilidade física ou mental, quando a encontrei na saída de uma agência do Banco Itaú e perguntei pela sua saúde. Daí em diante, não a vi caminhar nem a encontrei mais, como costumeiramente acontecia, por aquelas vias da Bela Vista. Preocupado, indagava a amigos, conhecidos e colegas sobre seu paradeiro e já começavam a circular informações de que teria sido internada numa instituição clínica de repouso, que foi desautorizada a receber visitas e esse “apartheid” social e intelectual ficava cada vez mais evidente, pelo seu sumiço e pela ausência de notícias que dessem conta de seu estado.
Para minha surpresa, por volta de julho de 2016, encontrei vários livros autografados para Nelly Novaes Coelho no Sebo do Messias, atrás da Praça da Sé, uma livraria que visitava com frequência. Entre livros oferecidos por autores nacionais e estrangeiros, conhecidos ou não, encontrei um dos meus, “Canção dentro da noite”, a ela enviado na década de 90. Essa foi a senha para descobrir que Nelly Novaes Coelho tinha sido “enterrada” em vida e seu acervo vendido a alfarrabistas (certamente sem seu consentimento, como é de se prever em casos como esse, quando alguém é inviabilizado e encerrado num asilo e decretada compulsoriamente sua incapacidade), atitude deplorável, que consiste verdadeiramente num crime de lesa-literatura. Entendo que o patrimônio bibliográfico de Nelly deveria, no mínimo, ser tombado por uma grande biblioteca pública (de uma universidade, de uma academia, de um centro cultural), por ser repositório da memória pessoal e literária de um país, mas também por respeito a alguém, como ela, que deu a vida pelas Letras; que, com sua generosidade, abriu espaço, dando voz e vez a muitos autores, quando militava na grande imprensa e nos cadernos de cultura, algo hoje raro entre os nossos pares.
Por mais explicações que se queira retirar dessa história, não se pode compreender, muito menos aceitar, que um patrimônio – não apenas intelectual, mas acima de tudo moral e ético – seja desprezado e arruinado com tanta velocidade, num desrespeito á sua vida e à sua inestimável contribuição à inteligência nacional. E o pior, desmonte feito ainda em vida – crime maior e indesculpável. Será que a família de Nelly Novaes Coelho tinha noção do seu tamanho e da dimensão de sua atuação no campo literário e intelectual? Com certeza, não; senão, seus livros não teriam ido parar num sebo. E nenhuma explicação há de convencer-nos da necessidade de desfazer-se desse acervo que, sem dúvida, continha grande parte da memória bibliográfica do Brasil nas últimas décadas, incluindo-se a sua epistolografia.
Como disse Afonso Borges, “onde estará Nelly Novaes Coelho? Onde? E qual o motivo? Por que isso, assim? Saberemos, algum dia?” Perguntas que não querem calar...
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(*) Escritor, autor de “Eles não moram mais aqui” (Prêmio Jabuti 2016) vive em Portugal.
Na esteira de seu desaparecimento, abro um parêntese, para constatar, com tristeza e revolta, também essa tendência, cada vez mais assente, se de jogar no cesto do silêncio gente que tanto fez pela literatura, como Nelly, que parte num momento crucial da cultura brasileira, amesquinhada sempre pelo mais do mesmo. Quando o mercado editorial não dá espaços para intelectuais como ela, que descarta o “velho” e sabota os “idosos” em nome de ume geração literária descolada, que não tem nada para oferecer, senão suas carinhas rendidas e vendidas às feiras literárias, verdadeiras quermesses onde mais valem como fetiche e produto do que como criadores. Quando não temos mais editores com o feeling de um Ênio Silveira ou um José Olympio, mas executivos com olhos nas planilhas, que olham para o mercado e não para o talento do autor ou a qualidade da obra. Quando não há críticos como Antônio Candido, Wilson Martins, Antônio Olinto, José Guilherme Merquior, José Veríssimo, Otto Maria Carpeaux, mas esses comunicólogos de carteirinha (no dizer do saudoso Cassiano Nunes, professor da UnB), ruminando releases na grande imprensa. E tantos outros exemplos de vítimas desse sistema editorial monopolista, cartorial, mercenário e excludente, incensador de mediocridades e negligente com os verdadeiros talentos, que ao longo das últimas décadas relegou, como Nelly, tanta gente ao destino do ostracismo, silêncio e esquecimento, como um Rosário Fusco, um José Carlos Oliveira, um Ricardo Guilherme Dicke, uma Orides Fontela, um Samuel Rawet, um Osman Lins, uma Dora Ferreira da Silva, um Campos de Carvalho, um José Agripino de Paula, um Caio Porfírio Carneiro, uma Eunice Arruda, e, ainda mais recente, o lendário José Louzeiro, felizmente relembrado em oportuna resenha de Afonso Borges em sua revista eletrônica “Mondo Livro”.
Reporto-me ainda à notícia anterior do mesmo blog do curador do Projeto Sempre um Papo, em que o falecimento (culminado com seu completo desconhecimento) de Nelly Novaes Coelho é abordado por Afonso Borges para destacar a imperdoável omissão que cometeram, tanto a família, que a blindou num cárcere de silêncio por cerca de três anos, em nome de uma proteção para tratamento de saúde, alijando o fato da imprensa, que não pôde dar a devida cobertura ao fato, talvez, até mesmo, por culpa e obra desse completo alheamento a que ela foi jogada e da impossibilidade de acesso a qualquer notícia sobre suas condições.
Indaga Afonso, em sua comovida e estarrecida constatação: “Quem roubou a paz de Nelly Novaes Coelho? Quem nos roubou da paz de Nelly Novaes Coelho? Por onde andou nestes últimos anos? Por que só ficamos sabendo da sua morte um mês depois?”
O jornalista, depois de coligir várias fontes, apenas confirmou o que já era rumor no meio literário, pelo menos dos que com ela conviviam e a conheciam – sobre sua internação e a consequente proibição de encontros ou contatos com amigos e colegas de ofício. Havia razão plausível para escondê-la do meio que sempre foi seu pulmão, chão, teto e horizonte? O articulista confirmou esse desaparecimento inusitado, a interdição de uma vida ainda em plena atividade e lucidez, que não merecia o destino do degredo numa instituição geriátrica, colhendo de suas consultas o sentimento de indignação e perplexidade de tantos quantos a conheciam e admiravam.
Apenas para argumentar, ainda que Nelly tivesse sido acometida de uma ocorrência mais grave (por exemplo: um AVC? Um Alzheimer? Uma debilidade cardíaca? Uma queda? um processo de senilidade?), que a incapacitasse física e intelectualmente a ponto de interromper sua capacidade de comunicação e discernimento, não seria o caso de privar seus amigos e admiradores de notícias, ou mesmo de uma visita. Era o mínimo a se fazer por alguém que tanto fez por tantas gerações quando no pleno (e vigoroso) exercício de suas atividades como professora, escritora, críticas e editora de cultura em jornais importantes.
Eu mesmo sou testemunha de sua inteireza física e mental nos tempos que antecedem a esse imposto deletar em vida. Não muito antes de ser tirada de circulação (éramos vizinhos de rua na Bela Vista; eu morava na Rua Dr. Seng e trabalhava a Al. Joaquim Eugenio de Lima, a poucos metros de sua residência, na Rua dos Franceses). Nos dez anos em que vivi em São Paulo encontrei-me várias vezes com Nelly, a quem devo, desde o meu primeiro livro publicado nos anos 80, quando morava em Brasília, a generosidade de sua recepção e apreciação crítica. Numa dessas vezes, estivemos em seu condomínio, na casa de uma amiga comum, também escritora, que lhe prestou uma homenagem, num encontro, em que muito se conversou sobre literatura. E ela com seus 91 anos, forte, entusiasmada, povoada de planos e vivíssima e antenada com o que se passava na literatura contemporânea. Foi uma noite memorável, em que atestamos sua disposição e saúde, compartilhou conosco suas ideias sobre literatura, suas experiências no campo intelectual, sem qualquer sinal de esmorecimento de sua disposição. Aliás, entre todos, sem dúvida, era a mais animada e sem indícios de fadiga.
Em meados de 2013, dividi com ela uma mesa na Casa das Rosas, a convite do editor e escritor Nicodemos Sena, numa sessão dedicada à discussão sobre o romance “Deus de Caim”, de Ricardo Guilherme Dicke, por ele reeditado e resgatado pela Ed. Letra Selvagem. Foi um momento epifânico em que a professora e ensaísta discorreu por mais de uma hora, secundada pela professora e escritora Raquel Naveira e pelo jornalista Lorenzo Falcão, de Cuiabá, abordando aspectos críticos e estéticos da obra do escritor e filósofo mato-grossense, até então relegado ao anonimato depois de uma carreira vitoriosa nos tempos em que viveu no Rio.
Nelly protagonizaria meses depois outro momento de inteireza física e mental, quando foi prestigiada pelo mesmo editor e amigo, que publicou e lançou naquele mesmo espaço da Av. Paulista sua recente obra, ‘Escritores Brasileiros do Século XX”, um caudaloso, exaustivo e fundamental compêndio que mapeia a produção ficcional brasileira desde os primórdios do Modernismo. Naquela oportunidade, casa lotada e com vários escritores presentes para saudá-la, entre eles, Benjamin Abdala Junior, Ignácio de Loyola Brandão, Fábio Lucas, Cyro de Mattos, Alaor Barbosa, Ricardo Ramos Filho, Ana Maria Martins e Miguel Jorge, Nelly era a própria imagem da intensidade criativa e da paixão literária, momento em que soubemos que Nelly ainda estava com o fôlego a mil, prometendo para breve uma obra sobre a presença feminina da literatura brasileira, um projeto “in progress”.
Algum tempo se passou, encontrei-me algumas vezes com ela na vizinhança e mesmo após ter tido um problema cardíaco, dizia-se em franca recuperação, sem qualquer sinal de debilidade física ou mental, quando a encontrei na saída de uma agência do Banco Itaú e perguntei pela sua saúde. Daí em diante, não a vi caminhar nem a encontrei mais, como costumeiramente acontecia, por aquelas vias da Bela Vista. Preocupado, indagava a amigos, conhecidos e colegas sobre seu paradeiro e já começavam a circular informações de que teria sido internada numa instituição clínica de repouso, que foi desautorizada a receber visitas e esse “apartheid” social e intelectual ficava cada vez mais evidente, pelo seu sumiço e pela ausência de notícias que dessem conta de seu estado.
Para minha surpresa, por volta de julho de 2016, encontrei vários livros autografados para Nelly Novaes Coelho no Sebo do Messias, atrás da Praça da Sé, uma livraria que visitava com frequência. Entre livros oferecidos por autores nacionais e estrangeiros, conhecidos ou não, encontrei um dos meus, “Canção dentro da noite”, a ela enviado na década de 90. Essa foi a senha para descobrir que Nelly Novaes Coelho tinha sido “enterrada” em vida e seu acervo vendido a alfarrabistas (certamente sem seu consentimento, como é de se prever em casos como esse, quando alguém é inviabilizado e encerrado num asilo e decretada compulsoriamente sua incapacidade), atitude deplorável, que consiste verdadeiramente num crime de lesa-literatura. Entendo que o patrimônio bibliográfico de Nelly deveria, no mínimo, ser tombado por uma grande biblioteca pública (de uma universidade, de uma academia, de um centro cultural), por ser repositório da memória pessoal e literária de um país, mas também por respeito a alguém, como ela, que deu a vida pelas Letras; que, com sua generosidade, abriu espaço, dando voz e vez a muitos autores, quando militava na grande imprensa e nos cadernos de cultura, algo hoje raro entre os nossos pares.
Por mais explicações que se queira retirar dessa história, não se pode compreender, muito menos aceitar, que um patrimônio – não apenas intelectual, mas acima de tudo moral e ético – seja desprezado e arruinado com tanta velocidade, num desrespeito á sua vida e à sua inestimável contribuição à inteligência nacional. E o pior, desmonte feito ainda em vida – crime maior e indesculpável. Será que a família de Nelly Novaes Coelho tinha noção do seu tamanho e da dimensão de sua atuação no campo literário e intelectual? Com certeza, não; senão, seus livros não teriam ido parar num sebo. E nenhuma explicação há de convencer-nos da necessidade de desfazer-se desse acervo que, sem dúvida, continha grande parte da memória bibliográfica do Brasil nas últimas décadas, incluindo-se a sua epistolografia.
Como disse Afonso Borges, “onde estará Nelly Novaes Coelho? Onde? E qual o motivo? Por que isso, assim? Saberemos, algum dia?” Perguntas que não querem calar...
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(*) Escritor, autor de “Eles não moram mais aqui” (Prêmio Jabuti 2016) vive em Portugal.
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