A Triste Crônica de Nelly Novaes Coelho
Cyro de Mattos
Nelly Novaes Coelho é uma
dessas criaturas belíssimas que
encontrei na vida. Intelectual de expressão enorme, erudita, sensível,
solidária e ética. Tive o grande prazer de conhecê-la quando fui receber de
suas mãos O Grande Prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Artes,
no Memorial da América Latina, em 1992, concedido ao nosso livro de poesia
infantil . Ela foi a relatora da comissão julgadora, que contou ainda com a participação de Tatiana
Belinky e Pascoal Mota. Quanta alegria conhecer aquela mulher baixinha, de
sorriso afável, olhos no óculos de lente grande que viam e compreendiam o que
estava no mundo para ser alcançado.
Dali para frente mantive correspondência regular com umas das intelectuais mais lúcida em
nossas letras, portadora de um discurso simples, mas rico de análise, que
impressionava bastante. Que bênção! O tom de suas cartas era sempre
atencioso, deixava a minha alma pingando ternuras. Tive
uma boa surpresa quando recebi comentário como autor infantojuvenil no seu esplêndido Dicionário crítico de literatura
infantil e juvenil brasileiro. Outra belo susto que eu tive foi quando vi minha ficção de contista ser objeto
de estudo no monumental volume Escritores
brasileiros do século xx. Nessa obra, de novo ela demonstra ser uma ensaísta de fôlego vasto, que tem conhecimento notável dos meandros da
escrita, da vida e do contexto dos escritores
estudados na obra. Ao escrever esse livro, Nelly Novaes Coelho ainda
estava em plena atividade intelectual, tinha 91 anos, idade em que muitos já penduraram suas ferramentas de trabalho.
Vale a pena lembrar que com 752 páginas, 1401 verbetes, o Dicionário crítico de escritoras
brasileiras, de Nelly Novaes Coelho, registra de modo condigno “ a voz de
mulheres que vêm dando seu testemunho de vida e ideais, por meio da
Palavra”. Dado que a literatura é forma
ampla de conhecimento dos humanos no mundo, a obra que foi organizada pela
escritora renomada, Doutora em Letras da USP, reveste-se de pontos elevados na valorização
do corpo literário brasileiro.
Ao registrar inúmeras vozes
femininas de todos os estados brasileiros, em sua contribuição enciclopédica,
Nelly Novaes Coelho, como os iluministas de ontem, desincumbe-se da jornada extensa com erudição, consciência crítica e lucidez de
pesquisadora dotada de santa paciência. É muito pouco o que estou informando sobre
a bagagem, atuação e produção de uma intelectual incansável como a Nelly.
Por seus feitos literários incríveis, ela merecia as melhores homenagens em vida. Quando indiquei com os escritores Caio Porfírio Carneiro e
Nicodemos Sena o seu nome para ser
distinguido com O Trofeu Juca Pato da
União Brasileira de Escritores (SP),
foi vítima de um processo
eleitoral duvidoso, e seu nome
não foi sufragado. Mas ela era maior do que certas atitudes deploráveis
e honrarias dessa espécie.
Soberba como ensaísta e, como professora universitária, contribuiu para a formação de inúmeras gerações no campo
das Letras. Sua família ignorou a grandeza dessa mulher incomum. Ao ficar
doente, foi blindada pela família, que não permitiu a visita dos amigos, dos que lhe tinham afeto, e
de seus admiradores. Meu Deus, quanto
egoísmo, para não dizer escuridão, pobre de nós seres humanos, metidos a donos de tudo. Agora essa notícia triste, que tomo conhecimento através do escritor Ronaldo Cagiano, Depois de um mês de seu falecimento, a imprensa divulga o fato em notas acanhadas. A doce, ética e
intelectual maiúscula Nely não merecia tanta maldade.
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