A
POÉTICA TRAJETÓRIA
DE
DIEGO MENDES SOUSA
É com muita honra e alegria que o nosso Literatura e Vida traz um pouco da vida, especialmente da carreira literária (que já conta
com 15 anos de labuta), deste jovem e inspirado parnaibano, autor de inúmeras
obras, importantes títulos e elogiado por gigantes da Literatura como O.G. Rego
de Carvalho e Lêdo Ivo. Estamos evidenciando o poeta Diego Mendes Sousa,
que concedeu entrevista a Claucio Ciarlini e Carvalho Filho.
CLAUCIO CIARLINI - Relate-me um pouco sobre a sua origem. Quando
e onde nasceu, cresceu, suas principais referências familiares, etc.
DIEGO
MENDES SOUSA - Agora
que sou galho, uma tremenda raiz puxa-me os pés. Nasci na Parnaíba - costa solar,
fluvial e marítima do Piauí - na Santa Casa de Misericórdia, ali no bairro São
José, às 22h do dia 15 de julho de 1989, sob as peritas mãos da Dra. Gildete.
Minha mãe Silvana Pereira Mendes, decerto, não imaginara que - naquela noite de
Boi de São João - semeava o seu gemido eterno. Antes do meu batismo católico
apostólico romano, chamava-me Igor, nome de príncipe, mas que, por um impasse
paterno, me tornei Diego, ou seja, e ainda, um duplo ego em exaltação e em
vozes. Um perfeito Narciso! Vim com as dores profundas e com o desejo de santidade.
Cheguei da Criação pronto. A poesia fizera-se carne e ressuscitei nesta
infância atávica de ler o mundo.
Meu
dom de curandeiro da palavra manifestou-se cedo. Não fui uma criança normal. O
tempo foi abrindo clarões em minha mente. O mínimo olhar era motivo de reflexão
e de incisão lírica.Hoje, tenho a convicção de que o meu interior era uma
multidão de sonhos clamando por liberdade. Também fiquei a saber que era poeta.
Que Poeta vem acabado. Cresci em cidades iguais, que possuem os mesmos horizontes
oceânicos. Vivi no tríptico Parnaíba - Tutoia - São Luís do Maranhão, nessa
ilha de José Sarney, fiz-me autodidata em estudos literários e históricos
avançados.
Muito
moço, por volta dos 10 anos de idade, convivi com Josué Montello, José Chagas e
Nauro Machado, que me selaram de cultura. Descobri, na casa dos meus avós, que
eu era sobrinho-neto do Ferreira Gullar, que a poesia me impregnara desde a
linhagem sanguínea. Nunca mais fui o mesmo. Minha avó, Maria José Ferreira
Sousa (1925-), foi-me referência absoluta. Mulher de caráter ilibado e de pulso
profissional competente e de vanguarda, ela me deu a oportunidade de conhecer
todas as artes: pintura, cinema, música, teatro, óperas... Sua biblioteca
particular era humanista. Li Rainer Maria Rilke e Marcel Proust nas prateleiras
da nossa casa!
Fiz amizade com Benjamim Santos, Tarciso Prado, Alcenor Candeira
Filho, Rubem Freitas e Assis Brasil (nomes literários da Parnaíba) através
dela. Minha avó foi a minha primeira salvação! Tomei gosto pela cultura popular
e memorialística por intermédio das orientações do meu avô, Aldi do Espírito
Santo Anunciação Sousa (1933-2014), carnavalesco e pintor, mestre em
serigrafia. Deixou a sua marca na história da Parnaíba com o Bloco Bafo da
Onça. Meu avô foi a minha primeira intensidade humana! De marchinha em
marchinha, fui cantando os tormentos de uma alma extremamente triste e sombria,
sob passos de caranguejos e siris.
CLAUCIO
CIARLINI - Em que momento e em quais condições nasce o Poeta Diego Mendes
Sousa? Quais são suas referências?
DIEGO
MENDES SOUSA - Sempre quis ser escritor.
Pensava
em ser Romancista, ter estatura intelectual de um Victor Hugo ou de um Thomas
Mann, que li em tenra idade. Em 1997, ganhei um livro intitulado "Bíblia
Ilustrada Para Crianças", presente amoroso da minha avó Maria José. Aquilo
foi o fascínio inicial! Veio a se integrar com "A Casa da Paixão" de
Nélida Piñon, que recolhi (pela capa de uma fêmea desnuda e coberta de sol) no
ano seguinte, em 1998, em um sebo do centro histórico de São Luís. Bebi o
sagrado e o profano ao mesmo instante. Fui um menino maduro que entrou na idade
da razão antes do tempo. A narrativa poética e erótica de Nélida causou-me um
choque raro, de tanta beleza! Aí, disse para mim mesmo: quero ser um poeta-romancista!
Só depois descobri que isso se chamava prosa poética. Na verdade, o desejo de
ser escritor precedeu o poeta. Este poeta convicto, nasceu em 2003, quando viu,
em uma ladeira da Rua do Sol, na Ilha do Amor, uma mulata subindo. Revi o texto
de Nélida Piñon em uma atmosfera concreta: uma mulher, a metáfora do sol, os
contornos do canônico, a poesia explodiu em mim! De repente, a imagem
transformou-se em verso e escrevi o primeiro poema:"Os momentos possuem as
ladeiras obscenas."
Deixei
o romance que havia rascunhado nos meses anteriores a julho de 2003, intitulado
O Filho de Athenas (que ainda hoje dorme na gaveta, porque sou da caneta e do
papel) e ingressei no mistério sem volta e obscuro da grande Poesia. Daí até a
publicação da primeira obra literária, levei três anos, trazendo a lume o livro
Divagações, em 2006, já enevoado da magia de Rimbaud e de Lêdo Ivo, para além
da alquimia de Lorca e de Gerardo Mello Mourão.
CLAUCIO
CIARLINI Comente sobre as suas obras, quando e por quais contextos elas foram
lançadas?
DIEGO
MENDES SOUSA - A preparação para a publicação do meu primeiro livro de poemas
foi uma epopeia, uma costura entre o segredo e a vontade de revelação. De forma
independente e sem comunicar a ninguém, fui a uma pequena gráfica na Avenida
Álvaro Mendes, no bairro Nova Parnaíba, onde morava e pedi um orçamento. Tratava-se
da GuidoArt, de propriedade do Guido, que era leitor assíduo e poeta, além de
ser detentor de uma excelente biblioteca, onde identifiquei a obra completa do
simbolista piauiense Da Costa e Silva, pai do Alberto da Costa e Silva,
africanista e membro da Academia Brasileira de Letras. No meu silêncio
habitual, juntei as mesadas que ganhara da minha avó. Passei quase um ano para
conseguir levantar o montante necessário. "Divagações" foi escrito
entre os anos de 2003 e de 2005, nas cidades de São Luís e Parnaíba. Somente no
fim de 2006, consegui lançá-lo, em noite festiva, com o patrocínio familiar. Antes,
em março de 2006, levei "Divagações", em manuscrito, para a leitura
acurada do Dramaturgo Benjamim Santos. Envergonhado, por acreditar que meus
versos eram feios e desregrados, tive Benjamim Santos como primeiro leitor e
único amigo. Qual espanto! Pois Benjamim bradou que eu era o maior bardo da
Parnaíba, no momento em que cheguei em sua residência, para saber notícias da
sua leitura. Não acreditei, é claro, mas ali a semente germinou.
Vi que era possível enfrentar o vasto mundo literário, bem como
pensar em uma próspera trajetória na Literatura. Na minha estreia, não existiam
as redes sociais nem as festas literárias que hoje estão espalhadas por todo o
Brasil. Fiz tudo no corpo a corpo, via Correios, sem sair da Parnaíba, e
projetei-me nacionalmente com "Divagações". O passo seguinte
pretendia maturidade conquistada e comecei a esboçar a cosmogonia de
"Metafísica do Encanto", também produção independente, publicado em
2008 e que conquistou o Prêmio Olegário Mariano da União Brasileira de
Escritores do Rio de Janeiro, por melhor livro de poemas do ano. Em 2009,
recebi o convite de Waldir Ribeiro do Val, editor das Edições Galo Branco do
Rio de Janeiro, para integrar a importante Coleção 50 Poemas Escolhidos Pelo
Autor, que abraçava nomes fortes como Carlos Nejar, Astrid Cabral, Antonio
Olinto, Antonio Carlos Secchin, Ives Gandra da Silva Martins, Anderson Braga
Horta, Gabriel Nascente, Aricy Curvello, Lourdes Sarmento, Darcy França
Denófrio, dentre outros de reputação poética inconteste. Conheci o amor da
minha da vida, a minha alma gêmea, a minha Musa Altair e escrevi para ela
"Fogo de Alabastro" (2011), um livro lírico, muito rico em imagens
sonoras e sutilezas universais. Elaborei "Candelabro de Álamo" (2012),
que foi distinguido com o Prêmio Castro Alves da União Brasileira de Escritores
do Rio de Janeiro, em 2013. Sucederam-se "O Viajor de Altaíba"
(2013); "Alma Litorânea" (2014); "Tinteiros da Casa e do Coração
Desertos" (2015); "Gravidade das Xananas" (2015); "Coração
Costeiro" (2016); "Fanais dos Verdes Luzeiros" (2017); e o que
sairá em breve, "Rosa Numinosa" (2018).
CLAUCIO
CIARLINI - Como você enxerga o Diego
Mendes Sousa do primeiro livro e o poeta de agora, depois de passada mais de
uma década e tantos eventos?
DIEGO
MENDES SOUSA - A poesia é um misterioso passar pela plenitude das vivências
humanas e das planificações sobrenaturais. Vejo-me caminhando no escuro, porque
a criação poética é inesperada. Ora dar-se generosa, ora teima em ser ingrata. A
epifania da poesia instiga a espera.
Noto
que mudei deveras, na forma de sublinhar as imagens que me assaltam de
repente... uma espécie insight. Todo poeta se abisma em um círculo. Seus temas
escapam. Sua visão de mundo cresce. Suas experiências se contradizem ou se
desdizem. No entanto, a essência mantém-se ali, no centro dos seus motivos e
dos seus sentimentos. A poesia é um ato de coragem e de justiça consigo mesmo.
É a porta de saída para as misérias e as tristezas do ser. Ela também festeja
as alegrias, mas essas, vêm disfarçadas de amplidão no tempo. É a abertura da
claridade, quando afastada a pertinência da solidão. Escrever é estar no vazio
dos pensamentos. É uma alquimia de sonhos transmutada em palavras. Fiz o meu
percurso isolado. Não tive grupo ou movimento de diálogo com outros poetas. Não
participei do barulho das ruas, tudo isso por escolha mesmo, de forma pensada. Como
sou tímido, reservei a introspecção do meu canto e fui andarilho dos meus
próprios versos.
CLAUCIO
CIARLINI - O que podemos esperar do
próximo livro de Diego Mendes Sousa?
DIEGO
MENDES SOUSA - Estou trabalhando a publicação de "Rosa Numinosa". Uma
obra diferenciada por seu teor místico, que escala cenas bíblicas, com profecias
que carrego ínsitas dentro de mim. Tenho o dote da vidência. Consigo ler a
palma da minha mão! Minha miragem é de um cigano que calha almas ou de um xamã
que prepara o espírito no além tempo. Como poesia é mistério, a dose amarga do
meu jardim é uma rosa que se despetala imaginariamente ou desabrocha para o
destino.
A
rosa é o símbolo da delicadeza. Por ser a demonstração do que é refinado e
valorativo, a rosa serve ao amor e à beleza. Numinoso é o estranhamento
sagrado. Desvendar a poesia é um gesto divino, que merece metafísica e ambição
ritualística. Nessa liturgia de virtude, o poeta guarda a luz e a fortuna do
que há de vir e salta para o futuro dos enigmas que harmonizam a grandeza dos
seus gestos sobrenaturais.
Nesse livro, reafirmo ser a poesia um dom que escolhe o rosto
necessário.
CLAUCIO
CIARLINI - Como você analisa a literatura parnaibana, a de outrora e a de hoje?
DIEGO
MENDES SOUSA- Sim, temos uma Literatura proeminentemente parnaibana, seja
através de autores nascidos na terra, seja de escritores que na Parnaíba
aportaram. O risco da Literatura deve ser universal. Parto do princípio de que
ao pintar a própria aldeia, o ser humano intensifica a matiz identitária e
ultrapassa o entendimento de si mesmo, pois expõe os seus reais liames
culturais, ao revelar usos e costumes que abrem perspectivas a outrem. Até
aqui, Parnaíba não teve o seu grande poeta, mas tem o seu grande romancista que
atende por Assis Brasil. Parnaíba preservou ou preserva exímios beletristas
natos, que ouso nomeá-los: Ovídio Saraiva, Jonas da Silva, Berilo Neves, Renato
Castelo Branco, Jeanete de Moraes Souza, Joana Guimarães Neves, Doralice
Craveiro de Carvalho, Lena Castelo Branco, Everaldo Moreira Véras, Benjamim
Santos, Alcenor Candeira Filho, José Galas, Manoel Ricardo de Lima,
Daniel Ciarlini e Ithalo Furtado, que esboçaram ou esboçam um projeto
nítido e permanente do fazer Literatura. Parnaíba abraçou Luíza Amélia de
Queiroz Brandão, Humberto de Campos (de quem sou fã), Benedito dos Santos Lima,
R. Peti, Fontes Ibiapina, Lozinha Bezerra e tantos outros.
Quando
declaro que Parnaíba não teve o seu Grande Poeta, faço atendendo o chamado
autêntico de que grande poeta é aquele que funda a sua cidade interior,
ultrapassa um estado geográfico, ganha um país inteiro e ecoa mundos como
Miguel de Cervantes, William Shakespeare, Camões, Fernando Pessoa, Erza Pound,
Pablo Neruda, Ariano Suassuna... Gênios raros e graves. De 2015 para cá, com a
implantação do Sesc Caixeiral, observo que Parnaíba vive um boom cultural em
todas as artes.
Em
especial, na Literatura, com o sopro jovial do livro "Versania", que
fincou - de fato - novos e interessantes nomes na cena literária da cidade e
que prometem dicções e linguagens. E quem sabe, não estará nascendo aí, os
rumos inventivos de um poder extraordinário de dizer as mesmas coisas, de uma
maneira mais revolucionária e bela?
CARVALHO
FILHO - O que você prospecta acerca do
pensamento segundo o qual o poeta deve ser porta-voz do seu tempo?
DIEGO
MENDES SOUSA- Não somente porta-voz, mas também testemunha do seu tempo. O
Poeta anuncia o presente e alarda o futuro, ao mesmo tempo em que preserva o
passado. E nessa imersão de tempos, acaba por ser a memória sentimental da sua
gente sanguínea, dos seus conterrâneos e dos seus contemporâneos. A poesia é
sempre a boa nova. Ela é a ressurreição da beleza em último estágio.
Primeira dentre todas as artes, mergulha essencialmente em cada
peça artística, seja na música, na pintura, no cinema... Bach é perfeição! Van
Gogh, enigma! Pasolini, alucinação! A poesia medeia a criatividade. É
porta-estandarte da loucura e do onírico, precedendo o abismo das visões. Sinto-me
predestinado a escrever o testemunho vertical e horizontal das misérias e das
glórias humanas, como porta-voz de um grande crime interior, repleto de
tormentos e dores ainda maiores.
CARVALHO
FILHO . Por que a poesia? Gostaria que você explicasse um pouco da sua escolha
pela poesia.
DIEGO
MENDES SOUSA- Fui escolhido. Estou indo de encontro a uma tendência em vigor de
que o poeta deve trabalhar a linguagem, como se a poesia fosse apenas
carpintaria. Antes de tudo, acredito no sobrenatural. O escritor carioca Marcus Vinicius
Quiroga intitula-se poeta-operário. E de fato, a sua poesia é trabalhada,
pensada e tematizada. A gaúcha Maria Carpi é magnífica em sua literatura
filosófica e plástica, fruto de um aprofundamento conceitual sobre as coisas do
mundo.Sou da linhagem do absoluto. Não trabalho. Recebo o jorro de luz de mãos
beijadas. Sou do outro mundo, o das constelações e o do sublime. Sou um vate
iluminado. Nasci, cresci e morrerei sendo o que sou: um legítimo poeta,
inaugural e instantâneo.Pedra bruta, parte de um raio eternizável. Um demônio
da beleza, um anjo do introspecto.
CARVALHO
FILHO - Rubem Alves dizia que “A poesia é uma perturbação do olhar. O poeta vê
o que não está lá. Para ele, as coisas são transparentes, abrem-se para outros
mundos”. Estaria Rubem Alves correto? E se estiver, por quais meios um poeta,
você, por exemplo, pode manter o olhar perturbado para a vida?
DIEGO
MENDES SOUSA- Rubem Alves definiu a mosca-azul. O olhar do poeta perturbado, a
transparência no ver. O Poeta é isso e algo mais longe! Vejo a vida pela ótica
profunda de um lobo anterior à noite. Toda caçada promete alimento. Ser poeta é
comer cru, ao sangue de uma procura pelo sem fim. A poesia é uma carne viva que
dói - antes, durante e depois de uma fé inabalável pelo ritmo dos clarões
anímicos. Em um poema escrito na mocidade e registrado em
"Divagações"(2006), eu disse: "Perturbado é o que não
escrevo."
CARVALHO
FILHO - Por fim, há algo que você
gostaria de dizer aos leitores?
DIEGO
MENDES SOUSA- Peço, humildemente, que me leiam. Atravessar esta vida de
dissabores e de crueldade, merece recompensa! O escritor também escreve para
ser amado por um público leitor, não apenas para expressar as suas quedas
noturnas e as suas ascensões linguísticas. Escrevo por acreditar que o mundo é
mutável, que os pássaros voam e o destino é incerto. Até porque, mais tarde, a
noite será metálica, na compleição poderosa do deserto firmamento. Na grande
inspiração da existência, com a musa da crença viva, espero que os meus poemas
invadam o vazio irreparável e nostálgico do meu leitor. Este pedido partirá
sozinho às lágrimas de sangue. Canto. Evoé!
Entrevista com Diego Mendes Sousa publicada originalmente no
jornal O Piagüí (Parnaíba-Piauí).
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