Papagaio Falso
Conto de Cyro de Mattos
Papagaio esperto, falador sem igual, o dono gabava. Tinha o dom de adivinhar quando era tempo de chuva ou de estio. “Vai chover, vai chover!”, alardeava. “O sol vai comer tudo, vai comer!”, praguejava. Lá vinha ele agora com o seu agouro sonoro, o dono do bicho fazia uma cara de quem não gostara nem um pouco do que acabara de ouvir. O tempo de estio prolongado significava que a lavoura de pouca duração não vingava, a de duração perene definhava e produzia poucos frutos na safra. Isso não era bom para o fazendeiro Felisberto Boca Rica, senhor de muitas roças, que produziam à vontade no chão dadivoso um fruto que valia como ouro, chamado cacau, se o ano fosse temperado com sol e chuva nas estações estáveis.
O fazendeiro Felisberto Boca Rica
perdia-se de amores pelo papagaio. “Venha cá, louro, me dê o pé; quer comer
hoje o quê? “ O papagaio respondia: “Como torta de carne, como doce de mamão,
só não como requeijão.” Não havia dinheiro que comprasse aquele bicho
sabido e engraçado. Não tinha preço, nem a peso de ouro seria vendido um dia.
Jurava por si com firmeza, com base na estima que tinha por ele. De boca cheia
garantia também pela mulher e os dois filhos, dois rapagões, em plena
dinâmica de músculos e ímpetos. Um era técnico agrícola, o outro,
manobrista de trator e máquinas pesadas, seus herdeiros legítimos. Se
fosse para a alegria de todos, bem-estar do bicho sabido, ninguém
se preocupasse, iria morrer de velhice, bem cuidado e alimentado do que mais
gostasse.
Eta bicho festeiro, fazia qualquer
vivente virar a cara para o alegre de repente, que bom ser o dono dele,
vangloriava-se. Quando estava zangado, pelo prejuízo que lhe rendera um negócio
mal realizado, o melhor remédio para desalojar do íntimo o fel da
vida era ficar ouvindo seu papagaio esperto imitar gente
grande. Nessa hora crítica, para espantar a crise, sem cobrar nada, o
papagaio conseguia a proeza de fazê-lo sorrir, como se estivesse de bem com a
vida. Soltava cada ensinamento, o bicho, que causava admiração: “Quem tem
pressa tropeça. Bate a cara na pedra!”
Na segunda-feira imitava o
diretor do colégio Licurino Felizardo, um conquistador de menina nova,
repetindo sem temer, “Licurino Felizardo, tarado! tarado!” Na terça, era a vez do delegado Apolônio, frouxo
como o cabo Teotônio, “na cadeia não tem
ladrão porque o Apolônio é cagão”, quem não quisesse ouvir tapasse o ouvido. Na
quarta, coitado do padre Joca, o bicho não cansava de lembrar que o
mensageiro de Deus na missa das sete se engasgou com a hóstia. Na quinta
imitava o prefeito, ficava dando a ordem categórica: “Quem ganha mais do que eu
aqui esteja preso!” Na sexta chamava de cara de mico o juiz
Frederico. Sábado se fazia passar de camelô, esteja a gosto, tudo barato, no
miúdo e no grosso. Agora, se fazer de mágico no domingo, no meio das
serpentes, como quis uma vez o dono do circo, pagando um dinheiro grande por
essa cena esquisita, não contasse com ele nem um tico.
O fazendeiro Felisberto Boca
Rica era um ferrenho adepto da luta patriótica para que o impeachment da
presidente Dilma Rousseff fosse aprovado. Aquela mulher petista não
passava de uma simulada guerrilheira, pilantra, corrupta, mentirosa deslavada,
estava afundando o nosso querido e valoroso Brasil. Vibrava quando via na
televisão a multidão compacta, gritando a uma só voz: “Fora Dilma! Fora!”
Fechava a cara quando via a gentalha gritando na avenida, a todo vapor: “
Fora Golpistas ! Fica Dilma!”
Não se conformou quando ouviu pela primeira
vez o papagaio imitar o povão na gritaria infame: “Fica Dilma! Fica!” Bicho
traidor, vira-folha descarado, repetindo de segunda a domingo, abaixo os
golpistas, fica Dilma! Fez-se de desentendido a princípio, ante o
comportamento reprovável daquele perigoso subversivo, que morava em sua
casa, comia do bom e do melhor, sem pagar um tostão. Destemido, tomado de brios
patrióticos, passava junto dele, cantando, “eu sou brasileiro, com muito
orgulho, muito amor, ê-ô, ê-ô…” O papagaio revidava de pronto para quem
quisesse ouvir: “Dilma fica, leva essa de goleada!”
Mudou a tática para suportar a
palhaçada do bicho vil e impostor, que lhe ofendia o sentimento político,
maltratava a honra e envergonhava o Brasil, emitindo um refrão de locutor
insano, que soava como ameaça absurda e desgraça gorda. Manteve-se em silêncio
ante as provocações do inimigo incansável, defensor irreversível daquela
presidente desastrosa, irresponsável, que cada vez mais levava a nação a uma
situação de calamidade pública, possibilitando na engrenagem maluca do sistema
tanta falta de emprego com as empresas fechando.
O impeachment de
Dilma finalmente fora aprovado no Senado. O papagaio teve assim o castigo que merecia, de boca cheia afirmava
para quem quisesse ouvir o fazendeiro Felisberto Boca Rica.O bicho virou
tira-gosto do churrasco regado a chope. Exatamente no dia em que o
fazendeiro comemorou com os familiares e amigos a grande vitória,
na qual por justiça o Senado aprovava o impeachment. Botava
aquela presidente maluca para ir plantar batata no deserto, fora do
comando desse Brasil democrático, tropicalista e brejeiro, com o seu povo
mestiço apaixonado por futebol e samba.
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