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quarta-feira, 2 de janeiro de 2019


            


        Conversa com Luís Carlos

                      Cyro de Mattos

           O goleiro Luís Carlos deixou-nos na véspera do Natal. Foi jogar nas canchas do céu, defender a cidadela de um time divino e maravilhoso,  neste certamente estarão atuando jogadores amadores inesquecíveis,  que se exibiram com a sua classe e empenho, do lado de cá, no Velho Campo da Desportiva, como Leo Briglia, Santinho, Humberto Cesar, Leto, Abiezer, Tombinha, Valdemir Chicão, Zequinha Carmo, Zé Davi, Porroló e o velocista Nenem, entre tantos de qualidades  expressivas.
          Luis Carlos Alves Franco, casado, pai de três filhos. Um goleiro elástico e elegante quando agarrava a bola ou mandava para escanteio, em defesas sensacionais. Sabia repor a bola em jogo com habilidade. Jogou em vários times importantes do futebol amador: Grêmio, Janízaros, Flamengo e Fluminense. Foi hexacampeão pela seleção de Itabuna no Intermunicipal. Assim que a seleção amadora tornou-se um time profissional para participar do campeonato baiano, ele foi o goleiro de várias temporadas. Numa delas, em 1967, conquistou o título de vice-campeão pelo Itabuna. Jogou também futebol de salão e basquete.
     Começou no Vasquinho de Gil Neri, técnico campeão  várias vezes pela seleção de Itabuna no Intermunicipal.  Com tristeza, guardava bons momentos daqueles tempos da Desportiva, que não voltam mais. Existem muitas fotos que foram guardadas com carinho pelo goleiro. Olhando algumas delas hoje, podemos visualizar o Campo da Desportiva lotado nos clássicos, os ares felizes de seus torcedores quando a seleção jogava e sempre ganhava. “Não me lembro que ela tenha perdido um jogo na Desportiva”, disse Luís Carlos.
     Para qualquer jogador do Sul da Bahia era uma grande conquista pertencer a um dos times grandes que participava do campeonato no Campo da Desportiva. O goleiro Luís Carlos não conseguiu dormir quando vestiu a camisa do Grêmio pela primeira vez. Aquilo que tanto queria deixava de ser um sonho. Relembrou uma velha Desportiva cheia de lama, o piso esburacado, a grama sem qualquer tratamento. Mas ali era o palco em que desfilaram grandes jogadores durante quase meio século. Muitos deles foram atuar em equipes profissionais de Salvador, alguns até do Rio, São Paulo e Belo Horizonte.
          Antes de se tornar um jogador da Desportiva, ele assistia belas partidas no estádio local e, numa delas, quando ainda era adolescente, viu de perto a atuação do Botafogo com Mané Garrincha, o demônio de pernas tortas.  “Ele deu um show de bola e só jogou um pouco no primeiro tempo. E nesse pouco tempo pagou o ingresso.”
      Para Luis Carlos, José de Almeida Alcântara foi o prefeito que mais incentivou o futebol amador local.  Ele apoiava a seleção de Itabuna quando jogava fora de casa. Decretava feriado quando o time retornava com o título de campeão. Como prefeito foi um torcedor entusiasta.  Se Luís Carlos fosse formar a melhor seleção de futebol da cidade  com os jogadores de sua geração,  escolheria: Plínio, Zé Davi e Ronaldo; Valdemir Chicão, Abiezer e Hamilton; Gajé, Santinho, Jonga, Tombinha e Fernando Riela. “O excesso de bons craques amadores naquele tempo tornava difícil fazer uma escalação com os onze melhores”, observou o goleiro.
        Fora das canchas esportivas, Luís Carlos foi  exemplar filho, marido, pai, avô e  irmão.  Bancário condigno. Amigo atencioso e franco.  Querido pelos parentes, reverenciado pelos desportistas. Cidadão itabunense dos bons.  Sua jornada que se fez aqui neste planeta deixa marcas positivas, próprias da natureza humana de criaturas emblemáticas.

·        *Cyro de Mattos é escritor e poeta. Doutor Honoris Causa da UESC. Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia. Publicado em Portugal, Itália, Espanha, França, Alemanha, Dinamarca, Rússia e Estados Unidos. Autor de 44 livros de diversos gêneros.  Premiado no Brasil, Portugal, Itália e México. 


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