Minhas
Memórias Esportivas do Goleiro Luís Carlos
Cyro de Mattos
O
goleiro Luís Carlos deixou-nos na véspera do Natal. Foi jogar nas canchas do
céu, defender a cidadela de um time divino e maravilhoso, neste certamente estarão atuando jogadores
amadores inesquecíveis, que se exibiram
com a sua classe e empenho, do lado de cá, no Velho Campo da Desportiva, como
Leo Briglia, Santinho, Humberto Cesar, Leto, Abiezer, Tombinha, Valdemir
Chicão, Zequinha Carmo, Porroló, Zé Davi e o velocista Nenem, entre
outros.
Luis Carlos Alves Franco, casado, pai de três filhos. Um goleiro
elástico e elegante quando agarrava a bola ou mandava para escanteio, em
defesas sensacionais. Sabia repor a bola em jogo com habilidade. Jogou em
vários times importantes do futebol amador: Grêmio, Janízaros, Flamengo e Fluminense.
Foi hexacampeão pela seleção de Itabuna no Intermunicipal. Assim que a seleção
amadora tornou-se um time profissional para participar do campeonato baiano,
ele foi o goleiro de várias temporadas. Numa delas, em 1967, conquistou o
título de vice-campeão pelo Itabuna. Jogou também futebol de salão e basquete.
Começou
no Vasquinho, de Gil Néri, o técnico que dirigiu a seleção amadora de Itabuna e
se sagrou campeão em vários anos. O Vasquinho disputava o campeonato no campo
do bairro de Fátima. Do Vasquinho, ele foi defender o Grêmio, um dos times
grandes do campeonato realizado no Campo da Desportiva. No Grêmio atuou
primeiro no segundo quadro, até se firmar como goleiro do time principal. Foi
campeão pelo Flamengo, duas vezes pelo
Janizaros e tetra pelo Fluminense. Como não existia televisão naquela época,
costumava acompanhar o campeonato carioca nas transmissões pelo rádio. As
rádios de Salvador não entravam em Itabuna, pouco se sabia dos times
profissionais que disputavam o campeonato baiano na Capital. Era um leitor
voraz das revistas “Mundo Ilustrado” e
“Manchete Esportiva”, que traziam lances dos times nas partidas do campeonato
carioca e estampava fotos dos goleiros fazendo grandes defesas.
Jogou
ao lado e contra os melhores jogadores do futebol amador de Itabuna. O lateral
Albérico, no Grêmio, Zequinha Carmo, Péricles, Tertu, Gagé, Codinho, no
Flamengo, para não falar na seleção amadora com Santinho, Pinga, Ronaldo
Dantas, Valdemir Chicão, Humberto, Tombinha, Abiezer, Jonga, Leto, Lua,
Fernando e Carlos Riela. Ele informou que a seleção amadora de Itabuna fazia a
preparação física de madrugada no Campo da Desportiva ou às vezes em alguma
praça no centro da cidade. Quando o rio Cachoeira voltava ao curso normal,
depois de uma grande cheia, deixava um grande areal perto do poço da Pedra do
Gelo. Gostava de jogar pelada no areal. Tombinha, seu companheiro de time no
Janízaros, não perdia uma pelada. Santinho era outro que participava das
peladas no areal.
No seu
tempo, o clássico local mais disputado era entre o Flamengo e o Fluminense. Em
um desses clássicos dos mais disputados, o Flamengo perdia de três a zero no
primeiro tempo. O centroavante Caçote virou o jogo no segundo tempo, fazendo
quatro gols. Os gols saíram rapidamente. Caçote parecia que estava com um
demônio no corpo naquela partida. Fazia um gol atrás do outro. Ele comentou que
Seu Astor era um torcedor ferrenho do Fluminense. O filho Fernando Riela estava
no Rio de Janeiro e já ia assinar contrato com o Vasco da Gama. O pai mandou
chamar o filho para jogar aquele Fla-Flu. Fernando Riela fez misérias nesse
jogo, mas o Flamengo teve mais sorte, saiu vencedor e campeão daquela
temporada.
Na época
em que passou a jogar futebol como goleiro, Luis Carlos disse que foi
beneficiado na posição porque também jogava basquete, o que lhe ajudou na
firmeza dos braços. Naquele tempo não existia preparador físico para treinar os
jogadores amadores, quem fazia esse trabalho, no fundo do quintal ou em algum
jardim, de madrugada, eram os próprios jogadores. Disse Luis Carlos que sempre
foi bem recebido em todos os times que jogou, mas no Janizaros conquistou mais
títulos. Da seleção amadora de Itabuna lembrava que a de 1966 era um timaço.
Foi dela que saiu a base para o Itabuna se tornar um time profissional.
Quando
a seleção vencia fora de casa, informou,
o time era recebido com festa. Tinha até missa na catedral de São José.
A festa continuava à noite na sede do Itabuna Social Clube onde hoje funciona o
Banco do Brasil. Era ali que acontecia a grande homenagem aos atletas com discursos de agradecimento, baile com
direito à cerveja de graça e muito samba para alegrar a rapaziada. “Era uma
verdadeira apoteose, feita de orgulho e felicidade. A nossa seleção transmitia
amor a todos”, revelou.
Com
tristeza, guarda bons momentos desse tempo que não voltam mais. Existem muitas
fotos que foram guardadas com carinho pelo goleiro. Olhando algumas delas hoje,
podemos visualizar o Campo da Desportiva lotado nos clássicos, os ares felizes
de seus torcedores quando a seleção jogava e sempre ganhava. “Não me lembro que
ela tenha perdido um jogo na Desportiva”, disse Luís Carlos.
Para
qualquer jogador da região era uma grande conquista pertencer a um dos times
grandes que participava do campeonato no Campo da Desportiva. O goleiro Luís
Carlos não conseguiu dormir quando vestiu a camisa do Grêmio pela primeira vez.
Aquilo que tanto queria deixava de ser um sonho. Relembrou uma velha Desportiva
cheia de lama, o piso esburacado, a grama sem qualquer tratamento. Mas ali era
o palco em que desfilaram grandes jogadores durante quase meio século. Muitos
deles foram atuar em equipes profissionais de Salvador, alguns até do Rio, São
Paulo e Belo Horizonte.
Os
meios de comunicação daquela época não eram como hoje. Vivíamos isolados no
interior. Ilhéus tinha um aeroporto e navegação marítima, o que facilitava seu
contato com o mundo de fora. Se fosse hoje, muitos jogadores amadores do seu
tempo fariam carreira em grandes clubes do Brasil, disso não tinha dúvida o
goleiro Luís carlos. A torcida de cada time e da seleção era fiel e vibrante.
Quando superlotava o pequeno estádio, onde não cabia uma agulha de tanta gente,
tinha torcedor que ficava no galho das árvores, no lado de fora, ao redor do
campo; no telhado das casas, no terraço do prédio do Hospital Maria Goreti e no
morro onde foi erguida a igreja Maria Goretti,
do bairro da Mangabinha.
Antes
de se tornar um jogador da Desportiva, ele assistia belas partidas no estádio
local e, numa delas, quando ainda era adolescente, viu de perto a atuação do
Botafogo com Mané Garrincha na velha
Desportiva. “Ele deu um show de bola e só jogou um pouco no primeiro tempo. E
nesse pouco tempo pagou o ingresso.”
Falar
de alguns companheiros? Pinga era um centroavante arisco, rápido, bom controle
de bola, frio na hora de fazer o gol. Zequinha Carmo era o tipo do centroavante
rompedor. Deu muitas vitórias ao Flamengo em partidas decisivas. Acreditava em
todos os lances, não havia bola perdida para ele. Quando todos pensavam que não
ia alcançar a bola, ele a pegava e fazia o gol. Ronaldo Dantas, um zagueiro de
estatura pequena, mas com ótima impulsão. Pulava acima dos atacantes altos,
parecendo que tinha mola nos pés. Danielzão, por exemplo, não levava uma melhor
com ele quando disputavam a bola pelo alto. Tinha uma técnica invejável, saía
jogando com calma de dentro da área, depois de driblar o atacante. Abiezer era
outra categoria, batia no calcanhar do atacante com toque sutil, sem ninguém
perceber. Ele tinha uma técnica de desarmar o atacante que impressionava. Era
um atleta magro como uma vara, mas o atacante tinha dificuldade em vencê-lo
pelo alto ou com a bola no chão. Era muito eficiente. Fernando Riela, um ponteiro
esquerdo que até hoje ele não viu no
Brasil outro igual. Carregava a bola pela linha de fundo, cruzava, pegava o
rebote e fazia o gol.
Para Lúis
Carlos, José de Almeida Alcântara foi o prefeito que mais incentivou o futebol
amador de Itabuna. Ele apoiava a seleção de Itabuna quando jogava fora de casa.
Decretava feriado quando o time retornava com o título de campeão. Como
prefeito foi o maior torcedor. Se Luís Carlos fosse formar a melhor seleção com
os jogadores de sua geração, escolheria: Plínio, Zé Davi e Ronaldo; Valdemir
Chicão, Abiezer e Hamilton; Gajé, Santinho, Jonga, Tombinha e Fernando Riela.
“O excesso de bons craques amadores naquele tempo tornava difícil fazer uma
escalação com os onze melhores”, observou o goleiro. Ele guarda muitas medalhas
conquistadas como campeão dos times que defendeu e pela seleção. Os filhos não
se interessam por futebol, mas os netos, quem sabe, poderão se tornar bons
atletas, e elas servirem de incentivo para eles. Além das medalhas, o goleiro
guarda com carinho e saudade alguns recortes de jornais, trazendo noticias,
crônicas e muitas fotos dos tempos áureos do futebol amador de Itabuna na velha
Desportiva.
“A
imprensa sempre vivenciou o nosso futebol amador em todos os momentos. Nomes
como Lourival Ferreira, Orlando Cardoso, Geraldo Borges, Iedo Nogueira, Lima
Galo, Edson Almeida, Raimundo Galvão e Ramiro Aquino souberam muito bem
divulgar, valorizar e incentivar o esporte em nossa cidade”, completou
Luís Carlos.
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