A
Musa Mansa de Conceição Nunes Brook
Cyro de Mattos
Filha do pecuarista Isaac Nunes
e Dona Rosalva, Conceição Nunes Brook
(1943-1990)
nasceu em Ibicaraí onde viveu a infância, preenchida de brincadeiras e
coisas naturais na música da inocência.
Mudou-se para Salvador onde a
moça de beleza radiante foi eleita Miss Glamour Girl. Quando
morou no Rio mais tarde foi
estudante da PUC. Casada com um
norte-americano, de quem teve três filhos
, mudou-se para os Estados Unidos.
Sempre se sentiu estranha nos
Estados Unidos, a alma com seus bemóis
líricos em compasso brasileiro não
aceitava os sons de uma paisagem humana
distante, permeada de cenas diferentes. Pouco lhe dizia no íntimo, que pulsava no Brasil. Era ave presa na solidão dos vazios, sem plumagem , nem
bondoso canto nos caminhos da
indiferença. Tornou-se uma criatura
estranha, sem ajuste no cenário que não lhe dizia respeito, sem conexão da alma, a
motivar o disfarce onde não havia
tempo para renascer. Era natural que o
tempo fosse parado, “todo o ser disperso com medo do amanhã.”
Avistava Nova York sem as
substâncias que correm nas veias, vindas da infância e das lembranças
fraternas, que viravam agora a mulher
sozinha na difícil arte de camuflar.
Via Nova York como serpente traiçoeira,
de bote armado na esquina, a que fere,
queima e cega, tritura e devora “inocentes e deslumbrados
mortais.” Separada do marido, voltou ao
Brasil, vindo a falecer anos depois,
vítima de doença cancerígena.
Publicou dois livros de poesia, Teu
rosto de bem-me-quer, pela Editora Itapuã, Salvador, 1978, e Me
basta uma janela, Editora Record,
Rio de Janeiro, 1984, com o desenho da capa e ilustrações internas do consagrado Carlos Bastos. Chama
a atenção que poeta
desconhecido, jovem, sem convívio na ambiência literária da época, em Salvador
e no Rio, tenha conseguido a proeza de
ter publicado seu segundo livro de poesia
por uma editora importante, de
circulação nacional, sediada na metrópole carioca. Naquela época Rio e São
Paulo funcionavam como tambores culturais do Brasil. E até hoje com um lirismo
valioso, em forma de carícia, embora de legado pequeno, continue sua poesia
nem sequer referenciada com o seu
nome no dicionário de autores baianos,
nem em antologias da poesia na região sul baiana.
Há poetas que fazem da vida uma canção de versos mansos, na qual a inspiração reveste-se de ternura, pulsa na transpiração leve até nos
momentos difíceis. A poesia de Conceição Nunes Brook é dessa natureza doce, de tristeza bondosa, tecida com os fios
do sonho que se abriga na palavra terna para falar da vida com suas
falhas. Risca o instante no eterno tocado de partituras sentimentais, que pulsam
antigas e batem no agora ferido.
Um dos poemas belos do livro,
“Lamento da Esposa Esquecida”, versos que soam como gemidos do vento, que fere e não tem volta, a poeta diz do marido ausente, a quem gostaria de falar ,
como o ar que entra pela fresta. Lembrar “do ritmo manso da respiração do nosso
filho a dormir” e mais, que ele visse “as duas borboletas tênues que há pouco pousaram em minha janela e voaram juntas num amor fugaz e eterno, pois são curtas as suas
vidas”.
Longe de ser uma poesia hermética,
mas figurativa em sua estética definida
com clareza, apoiada em unidades rítmicas leves, Conceição Nunes Brook faz de cada poema uma música, um leve sentido,
tocado pela vida transformada no mais belo sonho. No encanto envolve com seus
dizeres reveladores de segredos,
angústia, confissões tristes, impressões alimentadas de esperança, como se fosse seu propósito final guardar
esse transe transmitido pela musa mansa
no coração como um manual de delicadeza perfeito. Até quando
aparece em momento grave , a vida sobreposta na areia dos caminhos passageiros,
emerge de uma luz, que leve e
distante esquecerá de quem se foi, mas
apesar disso se conserva como suave nesta distância da alma.
Ante a certeza que a vida é falha,
limitada, contraditória, a gerar o medo e o amor, ruídos comuns da solidão, imperfeições das ausências que não se explicam, essa poesia
se basta quando enxerga a vida através
de uma janela. É desta janela que
reparte os sentimentos, captura
temas e momentos de acordes graves. Para ler o que enxerga com o coração, em suas circunstâncias, basta essa janela aberta
no imaginário, que aflora de dentro de
si como densa e pungente fantasia.
Dessa janela é que avista a vida a galopar em ágeis montarias no jóquei,
o vermelho das flores nos galhos de esplêndido dia, o Cristo
de braços abertos para os espantos filtrados em máquinas fotográficas, a
lembrança das vacas mansas e brancas a ruminar o tempo em mansidão nos campos verdes
da fazenda paterna. Ali, nesta janela, sabe a sonho e choro como momentos essenciais da
existência, ternuras e decepções inevitáveis, que deixam no final a harmonia perfeita do
poema merecido.
Leitora constante de Manuel Bandeira,
Cecília Meireles, Cesário Verde,
Shakespeare e Walt Whitman, mostra-se em algumas epígrafes no poema nessa boa companhia. Cônscia de que, como Ann
M. Lindberg, somos todos ilhas em um mar
comum, essa baiana de Ibicaraí diz no verso
as coisas mais simples e menos intencionais, pois nela o frágil é forte, alimenta-se da verde
esperança.
Sua poesia é necessidade vital, como
dormir, comer, sonhar, habita o tempo intervalar entre viver e morrer. Sempre mirando essa flor com desvelo, impressa no chão de bondade triste, a poeta
diz no poema “Inevitável” sobre sua
crença:
Uns
morrem de amor
Eu
faço poesia
Uns
marcham em protesto
Meu
lema é a poesia
Uns
se suicidam
Ou
são homicidas
Meu
ópio é a poesia
Uns
se desesperam
Meu
grito é a poesia
Uns
morrem no exílio
Meu
país é a poesia
Uns
dão volta ao mundo
Meu
barco é a poesia
Uns
trancam-se mudos
Meu
silêncio é a poesia
Uns, danças e festas
Meu
canto é a poesia
Uns
ganham medalhas
Meu
prêmio é a poesia
Ou
são condenados
Minha
pena é a poesia
Uns
pedem socorro
Meu
amparo é a poesia,
Uns
querem resposta
Quanto
a mim:
Me
basta a poesia.
Sobre
o livro Teu rosto de bem-me-quer, Jorge Amado opinou:
“Li seus poemas, poesia
sensível e dramática, com duas vertentes
que aparentemente se chocam; em realidade completam-se dando-nos a verdade
inteira do poeta.
“De um lado o verso simples,
comunicativo, uma alegria de infância, uma cantiga de amigo; do outro
lado, num ritmo mais torturado, o
abafado soluço de quem busca encontrar-se, mas não se entrega, não faz da
poesia confissão pública, grito, pedido de socorro... apenas como interrogação
dolorosa. Das duas vertentes, surge a poesia de densa emoção e de real beleza.”
Conceição Nunes Brook faleceu em
14 de dezembro de 1990.
Nenhum comentário:
Postar um comentário