Outra Perda Enorme
Cyro de
Mattos
Ano de tristezas. Mal me refaço da grande perda com
o escritor e confrade João Carlos Teixeira Gomes, o amigo Joca, recebo outra notícia que abala quando leio
na mídia que o professor e escritor Luís Henrique Dias
Tavares também nos deixou. Professor emérito da Universidade Federal da Bahia, ilustre membro da Academia
de Letras da Bahia, ficcionista dos bons e um dos mais completos conhecedores
de história da Bahia. Há tempos que se comentava na Academia de Letras da Bahia que seu estado
de saúde era delicado.
Se era
para continuar a sofrer, sem possibilidades de voltar ao bom convívio de familiares e amigos, prostrado sem forças
em difícil quadro, pensava comigo ser
melhor partir para o descanso na cidade onde se tem um sono sem sonho. Mas ninguém quer abdicar
da esperança nessas horas em que tudo que é feito não reverte o quadro. Onde há um fio de vida, sempre o coração é aceso com a chama da esperança, que nos dá a crença de que
os dias poderão voltar a ser como
antes.
O confrade Luís
Henrique Dias Tavares foi meu professor
de história no Colégio da Bahia (Central), nos idos de 1955. Era querido pelos
alunos, que ficavam seduzidos com seus dizeres límpidos na aula de história. Fazia-nos ver que a vida
vertia conhecimentos históricos com
leveza ali na sala de aula. Dominava com simplicidade o assunto, que transmitia com alma aos alunos. Ninguém
naquele momento, sustentado com o saber daquele professor de estatura
baixa, ficava desatento. Seus ensinamentos chegavam precisos, acessíveis, dava-nos prazer O
professor revelou-se tempo depois como agradável ficcionista, cronista premiado
pela Academia Brasileira de Letras.
Aquele homem prestimoso foi o responsável pelo meu ingresso na
Academia de Letras da Bahia. Um dia, telefonou-me perguntando se eu não queria
fazer parte da entidade, que precisava
de gente nova para renovar seus quadros.
Aconteceu o telefonema no segundo semestre de 2002. Adiantou-me que eu não ocuparia um
lugar merecido de membro efetivo, porque, na minha condição de escritor
residente no interior, os estatutos não
admitiam isso, só permitiam que apenas
me tornasse sócio correspondente da instituição. Respondi que aceitava, era uma
honra o convite que recebia dele para exercer
importante mister.
Com a alteração dos
estatutos anos mais tarde, um grupo de confrades generosos, integrados pelos acadêmicos Aramis Ribeiro
Costa, Joaci Goes, Gerana Damulakis e
João Carlos Teixeira Gomes,
sustentou a bandeira para que eu
me tornasse membro efetivo da Academia de Letras da Bahia. Tinha a certeza que,
se o confrade Luís Henrique Dias Tavares estivesse bem de saúde naquela
oportunidade, viria se juntar a esse
grupo de acadêmicos, que abonava dessa
vez minha candidatura para membro efetivo da
instituição.
Foi um homem de notório
saber, erudição e sensibilidade andavam com ele animadas para que a vida fosse beneficiada
com novas riquezas de conhecimento da
história, cores que fazem bem aos olhos, sons que agradam aos
ouvidos. Só poucos conseguem erguer um acervo tão digno como ele no seu
ser-estar, no seu pensar o mundo
e sentir a vida.
Ó tempo, ó vida, ó
solidão. É assim que fomos feitos para passar a cada dia, como o vento que agora esteve aqui e foi embora? É assim mesmo
essa viagem em que seguimos como passageiros limitados e
contraditórios? Somos náufragos do barco que singra sem rumo por mares desconhecidos?
Sou cristão, também tenho a crença
nos orixás, herdada de minha bisavó paterna. Essa condição sincrética de fé
sempre me motivou a continuar na jornada. Compele-me que siga adiante escrevendo
ficções, ensaios e poemas na
tentativa de fazer a leitura do mundo mais completa. Como nesse agudo instante em que acabo de concluir um poema para ser
dedicado ao meu atencioso confrade e
saudoso mestre.
Como pequena homenagem, abaixo
transcrevo o poema.
Ó Tempo
Para Luís Henrique,
em memória.
Quem
entende teu gesto?
O
passado não tem volta.
Não
se esvaem as dores
presas ao
presente.
O
vento que se aloja
em
tuas asas fabrica
o
reino das questões
que
não se decifram.
Em
rigor de atitude
no
musgo de teu muro
pões
frieza no meu peito
quando
cai o inverno.
Até
no encanto assustas,
a
flor que aparece
é
a mesma que breve
no
pó desaparece.
Oculto nessa palavra
que
ceifa a inocência,
a
solidão das horas
em teu enigma me ofertas.
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