Carnaval e Literatura Infantil
Elias José
Não sei se os leitores já repararam,
mas o Carnaval nunca foi tema explorado em literatura para crianças. O futebol
aparece, mais raramente do que deveria, mas aparece. Agora me surpreendo com um
livro novo do baiano de Itabuna, Cyro de Mattos, que sempre nos surpreende com
novidades literárias, feitas com paixão, competência e talento. O Menino e O Trio Elétrico é a história de Chapinha, que vendia
amendoim e adorava carnaval. Ele morria de vontade de ir atrás do trio
elétrico, com abadá, quase impossível de ser adquirido pelo pobre, a animação e
alegria que não perguntam por classe social. Sonha sair dançando e cantando com
os seus artistas preferidos, divertindo-se com o seu povo. Curiosamente,
Chapinha vendia amendoim, e isto é outra surpresa. Na nossa imaculada
literatura para crianças é quase proibido, é politicamente incorreto falar do
trabalho de crianças, como se isto não fosse problema brasileiro, de norte a
sul. Um tema que merece inclusive melhor discussão por parte de nossa sociedade
e pede a criação de muitas escolas profissionais. Mas isto é assunto para outro
dia. Agora, eu quero é acompanhar Chapinha, menino negro e esperto, em sua luta
pela sobrevivência diária e pelo seu sonho de carnavalesco.
Para dar mais realismo e, ao mesmo
tempo, mais fantasia à história de seu herói, Cyro de Mattos levanta o roteiro
carnavalesco dando nomes de ruas e trios que por elas passam. Coloca na rua,
isto é, no seu livro, os mais famosos trios elétricos de Salvador, com os seus
ídolos cantores puxando o ritmo, acompanhados pelos muitos músicos competentes
e pelo maior coro da terra. O coro dos foliões de todo o país e até do
exterior. Se o ritmo contagiante e a alegria chegam até o leitor, acompanhados
das cores alegres da festa mais popular da Bahia, imaginem como acontece no
imaginário e nos sonhos daquele menino louco por carnaval. Daquele menino dono
de todas aquelas ruas. Como um menino pode ficar indiferente diante de uma
festa popular e tão nossa, que está dentro de nós através de tantas heranças
culturais? Como não torcermos para que esse menino Chapinha consiga realizar os
seus sonhos, tornando-se mais um no bloco, ou melhor, no trio elétrico? Se ele
conseguirá ou não, o autor em depoimento não quis revelar na última capa do
livro. E não serei eu que vou quebrar o prazer da descoberta pelo leitor, seja
ela alegre ou triste. Se o final for triste, deveremos perdoar o autor, pois
nem tudo tem que dar certo, assim a vida nos ensina no dia-a-dia. Se o final
for um carnaval daqueles de não se esquecer nunca, a melhor saída do leitor é
fechar o livro após o final e, imaginariamente, entrar também num trio
elétrico, com toda euforia, energia e alegria exigidas.
Para concluir, devo dizer que o tema
carnaval, em literatura infantil, pode e deve dar samba. Todo mundo sabe que o
samba da Bahia é mais axé, feito para pular, curtir, e não para ouvir em
casa. Todo mundo sabe que os sambas de
enredo do Rio de Janeiro são todos iguais e quase sempre chatos, válidos apenas
enquanto belas escolas desfilam. Axés e sambas de enredo duram aqueles poucos
dias de carnaval, nem têm qualidade de música e letra para sobrevivência
eterna, a não ser as raras exceções, como aconteceram com centenas de sambas e
centenas de marchinhas em nosso cancioneiro popular. Mas ninguém pensa nisto na
hora da folia, o assunto é bem outro. Cyro de Mattos não pretende discutir
raízes culturais e carnaval, arte e massificação na história contagiante e
deliciosa de Chapinha.
O que Cyro de Mattos mostra nessa história de um menino que tem
dificuldades para levar a vida, vive numa casa acanhada com a mãe e vó Pequena,
é a festa que move e comove, envolve e faz a gente acreditar na alegria.
Alegria que pode ser de velhos, adultos, jovens, adolescentes e crianças. Em
qualquer parte do Brasil, acontece a alegria do carnaval, mas não adianta
discutir, em Salvador, Recife, Olinda e no Rio de Janeiro a vibração é
diferente. Por ser uma festa tão cara à cultura brasileira, por que o carnaval
ficar distante das obras de arte voltadas para o público infantil?
* Elias José é
mineiro de Guaxupé. Contista, romancista e autor de mais de 50 livros para
meninos e jovens. Ganhou inúmeros prêmios, como o Jabuti, Fundação Educacional
do Estado do Paraná (FUNDEPAR) e o Odylo Costa Filho, da Fundação de Literatura
Infantil e Juvenil. Publicou, entre outros, “Viagem ao Fundo do poço”, contos,
“Inventário do Inútil”, romance, “Lua no Brejo”, juvenil, e “Um Pouco de Tudo”,
infantil.
** O menino e o trio elétrico,
Cyro de Mattos, Prêmio da União Brasileira de Escritores (Rio de Janeiro),
Atual Editora, São Paulo, 2007.
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