Nada
Era Pior
Disse que daquela vez não tomaria o remédio.
Arranjasse minha mãe outro tipo de remédio para combater as lombrigas na
barriga. Ela advertiu que a vida era feita também de momentos nem sempre bons.
O remédio ia matar todas as lombrigas da barriga. Se tomasse o purgante de óleo
de rícino, ao invés daquela palidez no
rosto, eu ia ficar corado. Meu apetite voltaria. Bem alimentado iria crescer
como um menino sadio. Afastaria assim minha indiferença para fazer os deveres
da escola. Para não falar no fôlego que ia ter no jogo de bola ou em qualquer
brincadeira que exigisse esforço. Ia ser o mais veloz nadador no rio Cachoeira,
entre todos os meninos lá da rua.
Não adiantava minha mãe
argumentar para encorajar-me a beber o purgante terrível, que deixava qualquer
menino assustado só em ouvir falar nele. Preferia ficar pálido, magro com pele
e osso. Sem o fôlego e vontade de correr no jogo de bola quando a partida fosse
disputada, o placar desfavorável para a minha equipe, já em boa parte do
segundo tempo. Era melhor passar como jogador desinteressado do resultado sendo
desfavorável ao meu time do que beber aquela droga com gosto de óleo, cheiro
horrível, que dava tontura no corpo, fazendo as vistas ficarem turvas quando
chegava a hora de bebê-la. Gritei, esperneei, esmurrei a porta. Derrubei a cadeira,
chutei o travesseiro, quis rasgar o lençol da cama. Chorei forte para que o
mundo todo ouvisse., cerrei os dentes para que não entrasse uma gota daquela
droga em minha boca.
Meu pai foi chamado para
interferir e convencer-me de que o remédio era para fazer bem à minha saúde.
Ele não era homem de muita conversa nessas horas. Com o cinturão grosso preso
na mão, advertia que me dava cinco minutos para beber o purgante de óleo de rícino para matar os vermes na
barriga, se não quisesse provar de outro remédio ali mesmo. Uma boa surra com o
cinturão grosso. E ainda ficar sem ir à matinê do Cine Itabuna no domingo para
assistir ao filme “O Pirata dos Sete Mares”, estrelado por Paul Henreid, um dos
meus ídolos. O jeito foi chamar por Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, minha
madrinha, para que me encorajasse para beber aquela porqueira. Livrasse-me
daquele castigo e fizesse com que eu não sentisse nada quando o remédio
entrasse na boca, descesse lento na garganta como um bolo de pasta repelente e
fosse se alojar lá dentro na barriga.
Costumava beber o remédio
de madrugada, em jejum, O efeito já era visto durante o dia. Expelidas da barriga, as lombrigas iam
descendo mortas pelo vaso sanitário. Não sabia como era que aquelas iscas
grandes nasciam e se criavam dentro de minha barriga. Minha mãe não deixava de
ter suas razões quando insistia para que eu bebesse o purgante com óleo de
rícino, se não quisesse que acontecesse comigo o que se passou com o filho do
dono da venda.
Carlito Caburé nunca quis
tomar a droga daquele remédio para combater os vermes que estavam engordando
dentro da barriga dele. Ele já estava com a cor tão pálida que parecia não ter
sangue no rosto. Os braços e as pernas pareciam que não tinham carne, de tão
murcha. Não morreu por um triz. O pai teve de amarrar os braços dele .na
cabeceira da cama enquanto a mãe enfiava de vez na boca dele o gargalo da
garrafa de guaraná com o óleo de rícino. Quando ele acabou de beber o remédio,
esbravejou, xingava a Deus e o mundo.
Meu resguardo demorava
três dias após tomar o remédio de óleo de rícino. A comida agora era leve. Nada de comida oleosa, com fritura, ensopado
de carne ou galinha. Nem peixe com dendê. Era somente chá com torradas na
refeição matinal. Canja de galinha no
almoço. De novo chá com torradas na refeição do jantar. Sobremesa com doce nem
implorasse., minha mãe tinha todo o cuidado em minha alimentação especial, para
que assim o remédio tivesse um efeito rápido. Minha refeição devia ser leve
para que o purgante fizesse uma lavagem rigorosa em minhas tripas. Qualquer
comida gordurosa poderia alimentar e fortalecer algumas lombrigas, que tivessem
resistido ao purgante. Se isso acontecesse, o remédio de óleo de rícino teria
um efeito fraco e, fatalmente, devia ser repetido.
Da última vez que bebi
aquela nojeira, com a cara feia de sempre, minha mãe presenteou-me com um ioiô.
Enquanto durava o resguardo, ficava agora o tempo todo em pé, na beira da cama,
jogando o ioiô para lá e para cá.
Exercitava-me fazendo malabarismos com o ioiô no quarto. Treinava de manhã, à
tarde e antes de dormir. Preparava-me assim para enfrentar Ney Gaguinho, o
filho do vizinho, que morava no sobrado ao lado, Naquela brincadeira de jogar o
ioiô, ele fazia malabarismos inacreditáveis. Quando lançava o ioiô, puxando-o rápido
pelo cordão, deixava de boca aberta quem estivesse assistindo.
Depois que eu recebi
alta, comecei aos poucos a me alimentar com as comidas que mais gostava:
ensopado com carne de carneiro, galinha ao molho pardo, carne-de-sol fritada,
doce de batata-doce na sobremesa. Aí um dia chamei o Ney Gaguinho para jogar
ioiô comigo, para ver quem era melhor para fazer malabarismos com o brinquedo.
Dessa vez foi ele quem ficou espantado com os malabarismos que eu fazia.
Deixava que o ioiô fosse para qualquer direção, puxando-o em seguida pelo
cordão com habilidade e ligeireza. A facilidade que demonstrava em fazer os
mais incríveis malabarismos com o ioiô arrancava agora aplausos demorados dos
amigos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário