Será que existe bicho bobo?
Cyro de Mattos
Será que existe algum bicho bobo? No mato
fechado com ferocidade ou na cidade quando se trata de um desses parceiros de
estimação? Em qualquer lugar existe
algum, esperto ou bobo? Na selva quando perscruta tudo em volta ou na casa
quando passa nos passos de mansidão? Certa vez, uma barata teve uma ideia
luminosa na manhã de sol brilhante. A ideia veio ao perceber a careca do
velhote que pescava no lago. Melhor
aeroporto não acharia para fazer o seu pouso.
O papagaio imita qualquer pessoa, só não
lhe convide para fazer papel de mágico no meio das serpentes, lá no circo. Isso
não, ele aconselha a quem tiver bom ouvido, quem não quiser ser comido por
cobra é bom andar de olho aberto. O tamanduá com o seu focinho tubo e língua
ágil encontra no batalhão de cupim o almoço com que tanto sonhava.
Já o gambá não tem quem o imite no fedor
que carrega como uma ferramenta salvadora. Você pode não tolerar, mas nunca
peça a ele para ser um bicho cheiroso, pelo menos tome um banho quando seu
fedor estiver insuportável. No banho passe sabonete no corpo, depois de
enxugado se perfume com um desses perfumes que causam inveja nas flores. Só
assim todo perfumado poderá acabar de uma vez com esse repulsivo mal cheiro,
arre. Não adianta insistir, ele vai dizer que o seu fedor faz correr o seu pior
inimigo numa hora perigosa. Quando encontra um cachorro grande querendo
abocanhá-lo, levanta a perna e pulveriza o atrevido num instante com o seu
spray fedorento.
O que faz o gafanhoto quando forma um
batalhão? Chega numa nuvem escura, pousa no verde como um exército alvoroçado,
acaba depressa qualquer lavoura, fazendo um estrago de guerra. Levanta voo e
vai embora mais depressa do que quando chega. E o que acontece com o assustado
sagui? Quando avista a onça é aquele deus-nos-acuda. A anta nem é bom falar, dispara na carreira,
tonta pelo mato brabo, para não virar janta.
O rei leão quando abre a boca enorme e solta da garganta o rugido forte
é para dizer que ele é quem manda no pedaço do seu chão, não é mesmo?
Todo bicho tem sua mania. Graça,
utilidade, alegria. Coragem, medo, amor, sabedoria. Todos eles têm seu jeito
ideal de viver os dias como Deus os fez. Lá está a garrincha no
fio do poste com seu clarim, avisando que a noite outra vez terminou. É só a
madrugada aparecer puxando a manhã pela cauda, pintada de azul, branco e rosa,
que ela vem tocar seu clarim. Cada vez mais vibrante, não para de tocar lá no
alto, anunciando incessante que a vida é um sonho elétrico no ar ou, se
quiserem, uma canção que não tem fim.
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