Marinete Era o Nome
Cyro de Mattos
Ilhéus. Banco da Vitória.
Fazenda Cordilheira. Primavera. Rio Cachoeira. Itabuna. Pela janela você via
bando de periquitos seguindo no domingo azul em direção às serras, no outro
lado do rio Cachoeira.
Cacaueiros passando.
Apinhados de fruto maduro nos galhos. Seguia perto de uma das margens do
rio. Perigo à vista, curva fechada. Jaqueiras. Mangueiras. Eucaliptos. Marinete
era o nome. Viagem demorada. Rotineira. Fazia barulho. Rangia, meu Deus, aos
solavancos…
Pirangi. Banco Central.
Pedrinhas. Dois Irmãos. Mundo Novo. Serras azuis. A mata escura com as árvores
nativas, muita madeira de lei. Maçaranduba. Jacarandá. Vinhático.
Putumuju. Claraiba. Jequitibá. Cedro. Pequi. Louro. Baraúna. Bicho nas copas.
Bicho no oco do pau. Bicho de carreira. Anos atrás esturro de onça.
Casas de fazenda. Gente no
terreiro. Barcaça aberta secando o cacau. Água de córrego. Animais pastando.
Ribeirão forte. Pancada formosa. Praga no buraco, raiva cuspida. Rostos suados.
Os passageiros com a língua de fora.
Ferradas. Itapé.
Barro Preto. Palestina. Ponto de Astério. Ibicuí. Iguaí. Nova Canaã. Mundo de
pastagens. Marinete era o nome. Rota importante. Fazendeiros. Gente do mato.
Comerciantes. Sacolejando. Parecia que ia partir em pedaços.
Na Curva-do-Boi não
escapou um só cristão…
Bonito quando chegava,
buzinando na entrada. Casinhas sujas. Espiando assustadas. Triunfo de chegada.
O correio. A bagagem. O
jornal. A mala. Carregadores no tumulto. O “13” era o preto
Domingos, alto, tinha um vozeirão.
O “12” era o Felizardo. O “15” um capenga. O “16”, branquelo e
desdentado. O “2” cobrava um cruzado. Meninos mercando. Rolete. Cocada. Cordas
de caju. Cordas de caranguejo. Beiju de Água Branca. A preta velha
vendia mugunzá e mingau de tapioca em dois caldeirões.
O céu de teto preto.
Depressão. Atoleiro. Mais curva. Despenhadeiro. Ladeira escorregando.
Macuco. São José. Pratas.
Rio Branco. Panelinha. Camacã. Santa Luzia. Canavieiras. O motorista botava
fogo pelas narinas. Passageiro enfezado. Passageiro rezando. Condutor
equilibrista aguentando os tombos. Marinete era o nome.
Pontilhão. Ponte. Descendo
a serra. Cruzando o vale. Subindo o verde. Alegria dos lugarejos. Modo de
acontecer o dia na alma das cidadezinhas.
Religiosamente.
A estrada sinuosa. Com
poeira ou lama.
A marinete era um velho
ônibus de cadeira dura. Percorria várias linhas na estrada de barro esburacada,
sem sinalização, estreita, que interligavam as cidades próximas e distantes no
Sul da Bahia. O nome marinete está associado ao poeta italiano futurista
Marinetti. Foi uma novidade quando os ônibus foram lançados em Salvador como
meio de transporte urbano. Os transportes usados à época pela população eram os
bondes, que corriam sobre trilhos. O poeta italiano Marinetti passou em
Salvador e fez palestra sobre a poesia futurista, que se expressava com uma
linguagem livre, nova, veloz, correspondendo aos novos tempos alimentados pela
indústria, energia elétrica e novas descobertas. Como os ônibus eram uma
novidade que tinha a ver com o futuro, o progresso, o povo associou esse
novo meio de transporte ao poeta italiano futurista.
As marinetes pertenciam à
empresa Companhia Viação Sul Baiano cuja sigla era SULBA. Circularam no Sul da
Bahia durante o apogeu da lavoura cacaueira. Um dia, um gaiato dirigiu-se a um
homem que estava prestes a embarcar na marinete e, fazendo alusão à sigla da
empresa, disse com a voz firme:
“SUBA!”
Finalizou com o rosto
sério e os olhos arregalados:
“Se vai descer, só Deus
sabe.”
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