A Mudança
Cyro de Mattos
Inconformado com a morte
do vizinho. Chorou, soluçou, gemeu, uivou.
Em estado lamentável, indisposto nas refeições, o coração nas
profundezas do desvão, só depressão. A mulher sem entender a reação brusca.
Deveria estar feliz. Nunca suportou os ganhos do vizinho na vida. Sortudo,
bafejado pela sorte, repetia-se, o rosto de cólera. Esbravejava, os punhos
cerrados.
O vizinho presenteado com
a felicidade por todos os lados. Mulher
esbelta, filhos saudáveis, família invejável. Carro de luxo. Casa grande com
piscina, jardim, quintal. Patrimônio sólido. Nada lhe faltava.
Lamentava o seu tanto
pelo canto, saía mês, entrava mês. Casa pequena, tinta desbotada nas
paredes. Precocemente envelhecido como a
mulher, sem filhos, no lar o vazio avançava numa doença incurável. Mísero salário, balconista na casa de
materiais para construção.
Ruminava as pragas,
jogadas no outro. À tona a fúria, babava-se, tomado na vontade de querer
quebrar tudo em casa. Ter que aturar
aquele felizardo ao lado, bafejado com as benesses da vida. Uma desgraça, não
merecia a vizinhança daquele homem felizardo, afrontas com o brilho nos olhos,
a dentadura perfeita, riso saudável, de bem-estar com a vida.
Até quando suportar
aquela fronte tocada de orgulho? Fraturas e feridas, riscava.
Daí para a incompreensão
da mulher, houve repentina mudança de atitude. Consternado com a morte do
vizinho, o fato em si deveria funcionar ao contrário, um alívio, em boa hora.
Vitória finalmente festejada, anunciada sem pejo pela indesejada, sua visita varria
as desigualdades, nivelava as diferenças com um só padrão coberto de pó e
esquecimento.
Triste, muito triste, o quadro hostil da
indesejada, dona de um sinistro rosto, famoso, impenetrável. Disse, vou ao
velório, acompanho o enterro, levo uma coroa de flores, deposito no túmulo
dele.
As pessoas surpresas com
o seu gesto súbito.
Mostrava-se arrasado. A
última pá de terra jogada na cova. Nunca mais ia vê-lo no passeio da casa ao
lado, movimentando-se lá dentro, cercado de conforto, cantarolando, beneficiado
em tudo, entre os poucos privilegiados.
Nos dias revoltos
odiá-lo, nunca mais. Morreria breve, frustrado. De inveja incomum ausente,
traiçoeiro ciúme, raiva primorosa, seguidas vezes o desconforto.
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