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segunda-feira, 24 de março de 2025

 

          Um Herói Verdadeiro

           Cyro de Mattos

 

Feitos superiores, inacreditáveis, aclamado como herói, inigualável nos anais da história local. Coragem digna dos heróis gregos. Cada proeza inspirava história de cordel surpreendente, trovadores vendiam os folhetos na feira.

Certa vez enfrentara uma onça preta, a mais temida entre os grandes felinos da Mata Atlântica. Fugira do circo, invadira a rua do comércio em plena luz do dia, faminta, há oito dias não se alimentava.

          Gente correu para dentro das lojas, as portas imediatamente fechadas. 

Menino lá dentro do quarto chorava, a mãe rezava, o pai se urinava.

Lá fora correu atrás da bichona, estava prestes a abocanhar uma criança. Saltou no cangote da fera, deu um murro no ouvido, quebrou-lhe o pescoço.     

Pessoas apavoradas deixaram as lojas, vivas seguidos deram para o audaz herói conterrâneo, abraçavam efusivos o homem de coragem incomum. Mais uma vez livres do perigo. Quando passava, aconteciam mais palmas para o intrépido herói da cidade com um comércio próspero. 

         Outro dia venceu os assaltantes ao banco. Ali mesmo alvejou vários   deles com os tiros certeiros, deflagrados com o revólver cano longo, calibre 38.  Saiu na moto em perseguição do último assaltante, o carro do vilão fazendo ziguezague na disparada. Atirou no pneu traseiro do carro em fuga célere, na curva rodopiou, capotou e bateu no poste.       

Trêmulo, o bandido cabeludo, a barba crescida, tatuagem de mulher nua no pescoço. A arma apontada na sua cabeça por aquele homem zangado. O bandido pedia com o rosto choroso, tenha dó, não vou fazer mais isso, eu lhe prometo, não me dê uma surra, seja piedoso. 

Novamente recebido com palmas calorosas, vivas, assovios dos que assistiram as cenas, pasmos. Todos sabiam outra vez que com o seu herói infalível a cidade estava segura. Perguntavam-se incrédulos, onde aquele homem de cara fechada, de baixa estatura, conseguira tanta coragem?

O prefeito baixou decreto honroso, considerando seus feitos altamente corajosos, cívicos, exemplares. Seria condecorado com a Medalha Fundador Libório Machado, o homem que penetrou a mata hostil, derrubou pau grande, pegou cobra com a mão, esmagou com o pé, afugentou onça parida com esporro, comeu inseto, bebeu água de ribeirão com a concha da mão calosa. 

         O herói foi chamado ao palco armado no jardim, comemorava-se mais um ano de emancipação política da cidade. Todos aplaudiram de pé. Antes que fosse condecorado com a distinção cobiçada, a mais alta honraria do executivo municipal, gaguejou com uma voz amedrontada diante do homem vermelhuço, rosto flácido, cara de lua cheia, orelhas de abano. Tinha um olho de vidro, a posição solene para fixar no peito do herói o cobiçado distintivo.   

       - Tire ela daqui, está perto de meu pé! - Gritava, o rosto aflito:  - Se não tirar, saio correndo. 

        O homem narigudo esmagou a barata com o pé.

        Aliviado do tremendo susto que passara deixou que fosse cumprido o ritual da homenagem.

        Observou:

        - Desde pequeno tenho medo de barata!

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