Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda.
Consuelo Pondé*
Esses dois intelectuais brasileiros se impuseram à admiração dos patrícios pelas teses inovadoras que defenderam, nos anos 30. Ambos senhores de uma prosa encantadora, embora regidas por uma psicologia social antiquada, despertaram interesse inusitado ao publicarem seus primeiros ensaios sobre o Brasil. Apesar das constantes revisões, seus estudos são marcos fundantes na análise da Cultura Brasileira.
Ambos eruditos , foram , por seu turno, de acordo com suas concepções, ideólogos da Cultura Brasileira, na tentativa de explicá-la de acordo com as teses que ambos defendiam e suas análises pessoais. Recebidos, efusivamente, pela crítica , nos anos 30 , no momento exato em que se revelaram foram, no decorrer dos tempos, sendo reavaliados em suas posições.
Assim, por exemplo, somente após 1967 a crítica faz um balanço da produção de Gilberto Freyre, cujos 25 anos de lançamento de “Casa Grande e Senzala” foram celebrados, mas também criticamente discutidos por reconhecidos estudiosos brasileiros, que nele enxergava uma posição pouco acadêmica, comprometida com o pensamento da igreja no mundo luso-brasileiro. “Casa Grande e Senzala” tem sido acusado de não concluir sobre o assunto, mas interpretá-lo. De outro lado , tem sido destacada a sua posição regional, encobrindo o problema real do Brasil, no que tange às relações de dominação. Tal a beleza de sua obra que chegou a impressionar vivamente um crítico do porte de Fernando Braudel, que o tinha na conta de: “ de todos os ensaístas brasileiros o mais lúcido “.
Gilberto Freyre, aluno de Franz Boas, nos Estados Unidos trabalhou muito em torno da “mestiçagem “ no Brasil, enquanto Sérgio Buarque adotou uma prática modernista em suas considerações. Ambas as posições revelam, a um só tempo, caráter misto entre o arcaico e o contemporâneo, o que não impede sejam suas obras, freqüentemente, revisitadas pelos estudiosos de hoje. Segundo Carlos Guilherme Mota , Freyre é, por vezes , contraditório , definindo-se como sociólogo e , em outro sentido não . Considera-se liberal , mas critica os liberais , também revolucionário, porém um “revolucionário conservador “. Frequentes vezes afirma que faz ciência, em outras ocasiões diz ser um simples escritor, fugindo das linhagens antropológicas. Por outro lado, insinua que o aristocrata é um democrata, contrariando as idéias revolucionárias de Caio Prado Junior, este sim, um pensador descomprometido e progressista. Ao avaliar “Casa Grande e Senzala”, Antônio Cândido , situa-a no contexto em que foi produzida e dizendo o que significou para os novos naquele instante, lamentando, todavia, os descaminhos posteriores do mencionado intelectual .
Sérgio Buarque de Holanda também foi um dos mais ativos “explicadores” do Brasil, cuja obra mais conhecida é : “Raízes do Brasil” , ao lado da monumental : “História da Civilização Brasileira “. “Raízes do Brasil” é um livro de 1936 , que apresenta uma interpretação original de “desmontagem” da sociedade tradicional brasileira e da emergência de novas estruturas políticas , criadas após a Revolução de 1930 . De certa forma, uma visão inovadora que introduziu conceitos de “patrimonialismo” e “burocracia” , explicando novos tempos .Descreveu o brasileiro como um “homem cordial “, atribuindo-lhe comportamentos ditados pelo coração e pelo sentimento. Em sua concepção os brasileiros preferiam as relações pessoais em lugar do cumprimento das leis objetivas e imparciais. Percebeu que tudo fora herdado do nosso sistema colonial, porque diminuta era a organização social do país, do que resultava o recurso freqüente à violência e ao domínio personalista, traços ainda identificáveis na sociedade nacional. Atribuía à escravidão a desvalorização do trabalho e o favorecimento dos aventureiros, que aspiravam a “prosperidade sem custo”, traços observados até no cultivo da terra . Seu livro inovou no que se refere à busca da identidade nacional.
Como professor, Sérgio Buarque sempre teve postura acadêmica, diferenciando-se de Gilberto Freyre, um homem descomprometido em relação à formação da juventude.
*Consuelo Pondé é diretora-presidente do Instituto Geográfco e Histórico da Bahia e Professora Doutora da UFBA. Pertence à Academia de Letras da Bahia.
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