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domingo, 23 de agosto de 2015

Leitura Crítica de Antologia Poética de Cyro de Mattos por Juan Ángelo Torres Rechy



Antologia de Cyro de Mattos: Uma Leitura de Juan Ángel Torres Rechy, Poeta e Filólogo Mexicano, da Universidade de Salamanca, Espanha.

          
          Desde as supremas cavernas da contemplação, de um voltar à vida vivida e sonhada por quem cumpriu com humilde satisfação os deveres e objetivos profissionais e humanos, as imagens poéticas da antologia Onde Estou e Sou / Donde Estoy y Soy, do escritor brasileiro Cyro de Mattos (Itabuna, Bahia, 1939), resgatam os gritos e os murmúrios líricos que compõem o mosaico de sua essência. Com uma profunda bagagem literária (El Cid, Darío, Whitman, Neruda, etc.), Mattos entrega-se por inteiro à sorte: lança ao alto a moeda e transforma-se no espectador e na vítima deste jogo de cara ou coroa.
          O autor domina com maestria e elegância extremas a tradição literária renascentista do soneto, mas também rompe com cânones e cria gritos de vanguarda – em “Agudo Mundo”, o impulso poético transgride a sintaxe, e o lirismo deambula por ambientes surrealistas; enquanto “Galope”, de fato, expressa o som galopante de cavalos. Em seus poemas encontramos o menino que vê o mar pela primeira vez, e o homem mais velho que se detém em uma parte do caminho, escutando o retroceder de seus passos, em um turbilhão de reminiscências e fantasmas que o dilaceram. Sua terra natal. Nostalgia nas pedras. Velhos armazéns. Rios. Sim, seu rio, sua inocência, sua infância, todo aquele paraíso.
Destaca-se na poesia de Mattos um tom de íntima confissão. Uma fragilidade aberta aos disparos e abraços do mundo. Os poemas que integram esta seleção foram escolhidos entre oito livros, inscritos no conjunto de uma década profícua: cinco publicados – Vinte Poemas do Rio, Cancioneiro do Cacau, Ecológico, Vinte e Um Poemas de Amor e Oratório de Natal – e três inéditos – Rumores de Relva e Mar, Agudo Mundo e Devoto do Campo.
No começo da antologia encontramos o poema “Lugar”. Nele, a perspectiva do eu lírico não exalta as pessoas ou a natureza; não engrandece ou humilha com olhares satíricos ninguém; tampouco resulta horizontal, de igual para igual. Ao contrário, logo reconhecemos sua poética, que se sabe um grão no deserto, e é a partir desta pequenez que o poeta lança seu grito (que é ele mesmo) pelos telhados do mundo. A poesia, então, irriga suas veias, faz com que transcenda o tempo histórico, localizando-o em um passado povoado de mistérios. Ela realça o sentimento, valoriza-o. E nos leva a vislumbrar o sentido da vida para nosso poeta: viver o medo, as lágrimas, o beijo, o riso; ser música e sonho.
O olhar inocente do menino será diferente no homem adulto – ainda que este, para acompanhar tal olhar, necessariamente será obrigado a encarná-lo, resgatando-o com a palavra poética. “O Menino e o Rio” tem a estrutura de uma litania. O ambiente adquire um tom grave, solene, entremeado, ao mesmo tempo, por antífonas coloridas e deslumbrantes. Em “Rio Definitivo” encontramos a mesma tessitura. A descrição do rio desejado não coincide com a do opulento Amazonas/Com seu mundo de água, nem com a do transbordante Nilo e suas dádivas. Para falar do rio pelo qual anseia, Mattos recria uma composição de lugar que nos leva às vivências de sua infância. E desfia, em cada verso, um rosário de lembranças: os remansos, barrancos, trampolins; a lua e o areal; ilhas com tesouros, descobertas na penumbra; as lavadeiras nas pedras, os tropeiros e os meninos de peito nu, ao vento. Testemunhamos, assim, um caminho que percorre as galerias da vida do poeta até alcançar o “Soneto do retorno”, por exemplo, no qual a voz lírica não será mais a do menino, e sim a de um homem mais velho – precisamente do homem que regressa à terra natal, ao rio de sua infância. E cujo retorno é marcado pelo signo da Cruz.
“Cancioneiro do Cacau” é introduzido por uma nota desoladora, uma epígrafe bíblica que orienta nossa leitura: “Oh, morte, quão amarga é tua lembrança” (Eclesiástico 41:1). É amarga para um homem  em paz na vida e que  ainda pode dela retirar seus proventos. Não é uma morte que livra do sofrimento o homem necessitado, cansado e sem esperanças. Tudo passa como o vento e o poeta encontra-se à beira do vazio: Vês morte no ar fendido por bruxas,/ Aragem que na solidão despenca/ Nostalgia, gargalhar incesante/ Dos frutos já mortos (…) //Estranho não habitar mais a terra/ Dos frutos de ouro. No soneto seguinte podemos ler: Agora sob cinzas, no desamor/ Espalhado por vassouras-de-bruxa, / Calo-me sem saber para onde vou.
A voz de Mattos, em alguns momentos, transforma-se em um sussurro que nos guia ao interior deste homem em plena consciência de si mesmo. Recria a pintura dos quadros pendurados, expondo suas entranhas: Um povo e sua flor/ Dentro de mim, / Com vozes, cores, ríos. / Um povo e sua flor/ Com ventos, aves, penas. Dois outros fundamentos que sustentam sua obra, um dos quais já nos referimos brevemente, são o erotismo e o sentimento religioso. Cinco são os poemas eróticos recolhidos de Vinte e um poemas de amor, cujo título nos remete imediatamente ao livro de Neruda, publicado em 1924. Por outro lado, títulos igualmente tão significativos como “Este Cristo”, “Soneto da Paixão”, “Santa Cruz” e “Sexta-Feira Maior” nos introduzem às outras vozes e espaços do poeta amadurecido, ao mesmo tempo em que cumprem o papel de prelúdio em relação aos cinco últimos poemas da antologia, incluídos em Oratório de Natal.
O autor baiano Cyro de Mattos é advogado, jornalista, contista, romancista, cronista, poeta e organizador de antologias. Faz parte de vários Centros de Estudos, Academias e Institutos. Pertence a Ordem do Mérito da Bahia (no Grau de Comendador), é membro da União Brasileira de Escritores, tanto do Rio de Janeiro quanto de São Paulo, do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia, da Academia de Letras de Ilhéus e da Academia de Letras de Itabuna, entre outros. Ganhou cerca de 40 prêmios literários, entre os quais o Prêmio APCA (1992), da Associação Paulista de Críticos de Arte, de melhor livro de literatura infantojuvenil; o Prêmio Literário Internacional Maestrale-San Marco, por Cancioneiro do Cacau; o Prêmio da Academia Brasileira de Letras; e o Prêmio Miguel de Cervantes, da Casa dos Quixotes (Rio de Janeiro), para autores em língua portuguesa.
A edição bilíngue desta nova antologia de Cyro de Mattos foi organizada e prefaciada pelo poeta e tradutor peruano Alfredo Pérez Alencart. Apresentou-a o autor desta resenha, na acolhedora tarde da quarta-feira, 02 de outubro de 2013, no Centro de Estudos Brasileiros da Universidade de Salamanca, juntamente com o Vento da tarde/Viento de la tarde, de Rizolete Fernandes, e Alma Aflita/ Alma afligida, de Álvaro Alves de Faria, durante a homenagem a Frei Luís de León, no XVI Encontro de Poetas Ibero-americanos, coordenado por Alfredo Pérez Alencart.
Por fim, Onde Estou e Sou ressalta o doce sonho romântico e azul da infância. Ao mesmo tempo é um livro da vida adulta e madura do poeta de Itabuna, que valoriza a esperança, o renascimento, e, às portas do inverno, a primavera sempre verde.  Contemplamos o homem mais velho que se detém e escuta o retroceder de seus passos no dinamismo de reminiscências,  que o arrebatam na sua essência, ferida pelo desejo das águas puras e profundas da infância.

Tradução: Vássia Silveira
Da Universidade Federal
De Santa Catarina
Fonte: www.crearensalamanca.com/antologia-de-cyro-de-m...

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