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terça-feira, 18 de agosto de 2015



                           Onça Preta no Zoológico

                                        Cyro de Mattos
            
               Fui a Salvador com Mariza  para assistir a posse do escritor Antonio Torres na Academia de Letras da Bahia. A casa que abriga pessoas valorosas das letras e cultura na Bahia está instalada no Palacete Goes Calmon, erguido na Avenida Joana Angélica, número 198, bairro de Nazaré. O palacete tem como vizinho o prédio onde funciona a Faculdade de Engenharia  Mecânica.
            Uma noite festiva, aquela em que  ouvi atento dois discursos revestidos de verdades e conteúdo humano significativo. De  dois escritores legítimos, que não fazem da arte literária passatempo ou adorno.  Antonio Torres mostrou ser humanamente reconhecível nele o escritor que descreve a existência de pessoas simples e diz  da importância de ser gente. O ficcionista e doutor em letras Aleilton Fonseca fez uma viagem de tranqüila navegação pelas obras  do romancista de Essa Terra. Ressaltou  como é importante manter acesa a chama da existência  pela arte dos que emprestam a palavra ao sonho. Necessário que sejamos atuantes para que essa corrente nunca seja rompida,  deixe de anunciar  o fundamento da vida,  para que assim seja lida nossa  existência diante do mundo.
Prometi a Mariza que íamos fazer no outro dia uma visita ao jardim zoológico. Transcorreram  mais de cinqüenta anos desde que o jardim zoológico fora inaugurado  como um novo espaço de diversão e lazer em Salvador.  Logo depois de inaugurado  fui conhecer aquele espaço cheio de bichos, que eu só tinha visto no cinema. Era então um jovem vindo do interior, estudante do Colégio da Bahia (Central).  Tantos anos, pensei, fui pela  primeira vez visitar o jardim zoológico.  O tempo bebe os dias, escorre e lambe.  Como  o vento, que esteve aqui nesse instante e sumiu, a vida  passa.
Quando lá cheguei, dei  pela falta dos chimpanzés, girafa, leão, elefante. Bichos que conheci de perto quando visitei o jardim zoológico naqueles idos de uma cidade  tranqüila, outra igual não havia para  se viver. Chamou-me a atenção  agora algumas jaulas vazias com o mato crescendo dentro. O zoológico não era como antigamente quando conheci.  Com pouca gente,  nem parecia que fora um lugar alegre durante as estações em que o sol brilhava radiante sobre todas as coisas. Ali aconteciam cenas interessantes com os bichos. Umas faziam sorrir a quem visse, outras encantavam gente pequena e grande.    
A manhã prenunciava chuva. Fazia frio, o céu estava coberto de nuvens cinzentas. Não liguei para o tempo encapuzado. Interessava era  a natureza com seus habitantes da selva. Queria ver  nossos parceiros da natureza desde não  sei quando. Com eles,  a vida apresenta-se menos incompleta.  Corre na terra, pula no alto, voa por entre verdes e azuis. Não estamos sozinhos no mistério da vida e da morte. Pena que o bicho-homem não  respeite a natureza, hoje como ontem. Não poupa o verde, mata  os bichos,  numa sanha incontrolável.
 A neta Marizinha havia me falado que na sua visita recente ao zoológico de Salvador  tinha conhecido  a tal da onça lombo-preto. Um bichano enorme, que o  vô Cyro gostava de lembrar quando falava dos bichos que viviam nas matas virgens do Sul da Bahia. Temida  por todos os bichos no tempo em que eles falavam.
               A neta dissera a verdade. Lá estava ela, a afamada e traiçoeira onça lombo-preto. A cara feiosa, pescoço de bezerro, o pelo escuro como a noite apagada de estrelas. Deitada em cima da pedra, aquele  felino preto, parente da  onça pintada e da suçuarana, uma de cor avermelhada,  a menor das três. Desconfiei logo dela, talvez se fizesse de mansa enquanto parecia dormir.  Como o homem prevenido é valioso  nessas horas de visões perigosas, caí fora de perto daquela jaula onde a bichona sonsa parecia fingir que estava tirando uma soneca. Puxei pelo braço Mariza, deixando para trás uns estudantes que tomavam  a lição  sobre o bicho  com o professor magro,  de estatura alta, nariz de tucano,  entre sério e compenetrado.
       Quando ela deu um esturro de repente, estremecendo tudo ao redor, o que se viu foi gente  correndo para os dois lados. Disseram depois que o professor perdeu os óculos na corrida desabalada. Eu já estava longe, acomodado numa barraca, na entrada do zoológico. Eu e Mariza, calmos,  fazíamos um lanche. Assim abrigados,  estávamos  salvos de um ataque feroz daquele bicho assombroso.
       Dizem os mais velhos  que  quando ela ataca crava os dois dentões afiados no pescoço do escolhido para o almoço.   Besta eu nunca fui  para ficar perto do mais perigoso de nossos felinos, que só investe contra  a vítima pelas costas. Só de ouvir seu esturro na mata  o caçador mais corajoso se borra,  faz xixi nas calças, bate o queixo como se estivesse com febre alta. Fica todo ele amedrontado. 

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