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sexta-feira, 4 de novembro de 2016


Brasilianista Antonella Roscilli fala sobre a menor distância entre Brasil e Itália

De passagem pelo Brasil, a brasilianista Antonella Roscilli fala sobre a relação entre os dois países a partir da obra e da vida da escritora Zélia Gattai

Brasileiros são profundamente gratos aos italianos pela pizza e a macarronada que assimilamos no paladar nacional. Mas a relação entre Itália e Brasil vai muito além da mesa – ou dos estereótipos. Esta convicção é a matéria-prima do trabalho da romana Antonella Rita Roscilli, brasilianista, escritora, pesquisadora, jornalista e tradutora especializada em estudos sobre literatura brasileira e sobre a imigração italiana no maior país da América do Sul.
Antonella esteve no Brasil para lançar seu mais recente livro, Zélia Gattai e a Imigração Italiana no Brasil entre os Séculos XIX e XX, na Casa Fiat de Cultura, em Belo Horizonte. O evento fez parte do programa Conversas Ítalo-Brasileiras, realizado desde 2015 pela Casa Fiat de Cultura, em parceria com o Consulado da Itália em Belo Horizonte, e conta com apoio da Embaixada da Itália em Brasília e da Associação Cultural Ítalo-Brasileira de Minas Gerais (ACIBRA-MG).
Zélia Gattai (1916-2008) foi uma das mais lendárias escritoras brasileiras, autora de clássicos como Anarquistas graças a Deus e Um chapéu para viagem. Filha e neta de imigrantes toscanos, esposa de Jorge Amado por 56 anos, Zélia também teve grande atuação política. Com sua família, participou do movimento político-operário anarquista que tinha lugar entre os imigrantes italianos, espanhóis, portugueses, no início do século 20.
Antonella conversou com nossa reportagem pouco antes de sua conferência em Belo Horizonte. A brasilianista é formada em Literatura Brasileira e Países da África Lusófona na Universidade La Sapienza, de Roma, e tem mestrado em Cultura e Sociedade na UFBA. Confira abaixo os melhores momentos da entrevista:

Como surgiu seu interesse para estudar o Brasil?
Surgiu há quase 25 anos e por isso acompanhei muitas transformações. Eu também já trabalhava com literatura latino-americana e tinha um programa em uma rádio no qual eu apresentava um livro de literatura caribenha e mexicana toda semana. Depois fiz uma viagem ao Brasil e de lá comecei a conhecer mais a literatura e música brasileira. Fui ao Rio, Búzios e interior da Bahia. Foram dez dias, e isso despertou meu interesse para conhecer mais. Já trabalhava na RAI (Rádio e Televisão Italiana) e, então, me apaixonei e comecei a ler, claro, Jorge Amado e Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, que adoro. Depois disso, me formei em literatura brasileira, comecei a escrever sobre o Brasil, me especializando – e continuo fazendo isso, porque acho que nunca terminarei, porque o país é imenso, existem muitos “brasis”. A partir disso também comecei a escrever sobre música brasileira, cultura em geral e história. Sem querer, fui a primeira pessoa do mundo – tenho até vergonha de falar – a fazer uma dissertação sobre Zélia Gattai, não sabendo que eu estava fazendo um trabalho piloto.

A visão da Europa e dos europeus têm sobre o Brasil está transformada nesse tempo?
Agradeço por essa pergunta, pois há mais de 20 anos luto contra os estereótipos, porque o Brasil sempre tem uma imagem muito reduzida na Europa e na Itália, simplificando, por exemplo, em carnaval, futebol e samba. Claro que isso faz parte, mas sempre fica essa imagem. Então isso faz parte da minha luta cotidiana e foi por isso que depois de muitos anos como pesquisadora, jornalista e escritora decidi abrir a Sarapedge, uma revista que me desse, primeiramente, a possibilidade de escrever sobre várias temáticas. Escrevi sobre a Guerra de Canudos, a Maria Quitéria, até sobre imigração italiana por um caminho pouco explorado.

Então você acha que ainda hoje há muitos estereótipos sobre o Brasil?
O estereótipo existe no mundo inteiro. Os brasileiros também estereotipam os italianos com a tarantella, a pizza etc. Por um lado,isso serve para identificar. Por outro, é uma grande limitação e redução que ainda persiste. Devo dizer que nesses anos todos, a política cultural no Brasil para o exterior melhorou muito. Então pessoas que imaginavam que aqui houvesse apenas índios, começaram a conhecer exposições de artistas contemporâneos.

O que motivou essa mudança? Foi como o Brasil que aprendeu a se vender ou com o fato das pessoas estarem estudando mais o país?
É muito mais fácil escrever sobre uma festa de carnaval do Rio, que é lindíssima. É muito mais fácil vender uma matéria como essa para um jornal italiano do que, por exemplo, outra sobre o carnaval de Olinda ou sobre a história da invasão holandesa com o italiano que lutou aqui. Um pouco, eu acho, é porque o discurso comercial é mais fácil, mas como gosto de desafios decidi abrir essa revista cujo nome de termo ioruba significa “Mensageiro”. Ou seja, não queria uma revista que fosse só de cultura brasileira para a Itália. Eu queria a troca. O que eu faço também como pessoa é essa ponte. Existem colaboradores do Brasil que mandam matérias para lá e tenho também italianos que escrevem, mas tudo em dois idiomas (italiano e português), porque acho que para lutar contra o estereótipo é preciso usar um pouco. Quando vale a pena falar de outras temáticas, por exemplo, em Minas Gerais o Aleijadinho, por que não abrir isso para o exterior? Claramente, a primeira vez que você fizer a proposta de uma matéria sobre ele (Aleijadinho) é difícil encontrar um diretor de um jornal que aceite. Mas depende também como você aborda ou como você causa o interesse de conhecer mais.

 Diante do que você já falou e conheceu, o que você acha que mais retrata a cultura brasileira?
Acho que esse país é imenso, não existe um só Brasil. A Bahia é um, Minas é outro, em São Paulo é outro Brasil. Eu ainda não sei qual é a constante. Então não sei. Depende.

Como você avalia a imigração italiana? Quais foram as marcas no Brasil e para a própria Itália?
No meu terceiro livro, que publiquei para o centenário de Zélia Gattai que conclui a trilogia sobre ela, tem um capítulo dedicado à imigração italiana entre os séculos 19 e 20. Porque por meio da obra dela e de outros autores, você percebe a importância de como os italianos contribuíram muito, principalmente no Sul. Não só os italianos, mas outros povos também. Eles povoaram terras no Brasil como no Paraná e ajudaram muito, na minha opinião, e no que conheço até agora, com a lutas operárias, direitos sociais, a importância da família, o valor do trabalho, o valor de pensar hoje mas para fazer alguma coisa amanhã. Quando vou para São Paulo, onde passei agora 15 dias e fiz um evento no Instituto Italiano de Cultura, me sinto na Itália. A cidade é diferente, é uma megalópole, mas eu me sinto assim, sinto a alma italiana de São Paulo. Percebo também na Bahia, porque Salvador recebeu ao longo da história, sobretudo nos séculos 17 e 18, muita imigração italiana. Ao mesmo tempo tudo isso se repercute na história italiana. Ou seja, nas pesquisas que tenho feito vejo que há muitos laços históricos que ainda quero desenvolver. Tem, por exemplo, um grupo de italianos que vieram para o Brasil e eram deportados políticos do Estado Pontifício, que chegaram em Salvador e que participaram da Revolta de Sabino e depois muitos deles ficaram lá.

Você  fala bastante sobre militância política de Zélia Gattai. Você pode falar mais um pouco sobre isso?
A imigração teve duas vertentes: econômica e política e Zélia cresceu em uma família que vivenciou esses dois lados típicos. A causa econômica era fome, pobreza, miséria. Então a família da mãe veio por isso, para trabalhar em uma fazenda em Cândido Mota no estado de São Paulo em 1890. A família do pai, Ernesto Gattai, veio de Florença, na Toscana, por motivos políticos. Ele e a família eram anarquistas e eles receberam muitas influências de Mikhail Bakunin que viajou para a Itália. Na época, aquela parte de Toscana tinha muita gente que lutava. Tinha um jornalista e biólogo que queria fazer um experimento socialista com uma colônia comunitária e recebeu terras do Imperador Dom Pedro II no Paraná e veio para o Brasil. O avô de Zélia decidiu embarcar com a família e a mulher, Ardia Fanonni – faço questão de dizer, pois conheci um descendente lá em Florença – com cinco filhos, entre eles o Ernesto Gattai com cinco anos. Então, Zélia respirou desde criança palavras italianas e ideias de justiça, democracia, igualdade. Isso impregnou a vida inteira dela. Ela mesma escreve no livro Anarquistas, graças a Deus, que quando era criança no domingo os italianos se reuniam e faziam festas, tinha a Aliança Nacional Libertadora e ela vendia jornais como La Plebe, ou seja, jornais de resistência.

Você acha que as lutas sociais no Brasil foram mais intensas?
Eu acho que não se pode fazer uma comparação, pois são dois países distintos. Não gosto de fazer comparação porque o contexto é outro, cada país tem histórico e história diferentes. O Brasil teve muita colonização – só no estado de São Paulo há cinco milhões de descendentes de italianos. Mais que Roma inteira! Então, a história

foi muito diferente. O tamanho também é diferente.

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