Mãe e Filho
Cyro de
Mattos
Nada era pior do que saber que a mãe não
voltaria mais a andar. Ficava prostrada na cama, a doença arrancando-lhe
o sorriso do rosto na pele sem cor. O momento de alívio era quando conseguia
reconciliar o sono. Na rotina do medicamento, a
agulha furava a veia do pulso, por onde o soro era levado para reforçar
o sangue enfraquecido no sistema de defesa do corpo. O
irmão trazia para junto da cama o suporte de aço quadripé com rodízios, o soro no tubo pendurado no gancho, descia
lentamente pela mangueira, gota a gota, seguindo para penetrar no corpo da mãe.
O tempo enfadonho se repetia no corpo abatido, lambia os minutos demorados no
quarto.
A moça que cuidava da mãe mudava seu corpo com cuidado para o outro
lado. Limpava as feridas com algodão embebido na água oxigenada. Tentava
atenuar as dores nas costas por ter o corpo permanecido tanto tempo na mesma
posição. A mãe acordava gemendo, as costas queimando, os olhos umedecidos.
Tentava consolá-la, não perdesse a fé em Deus, todos nós estávamos esperançosos de que um dia ela voltasse
a andar com as suas pernas
incansáveis, os passos seguros, dando
vida ao corpo. Os dias voltariam ao
ritmo normal, sua voz esbanjando afeto
pelo apartamento, de suas mãos, até
certo ponto divinas, chegariam até à mesa as comidas deliciosas para os filhos, doces e
bolos com confeito, como ela gostava de fazer.
Como não lembrar os ensinamentos que na
infância a mãe tanto lhe dera?
“ Menino, já para dentro Que vem
o vento ventoso Levado, levando cisco!
Menino, já para dentro! Boa romaria faz
quem em sua casa está em paz. E essas
adivinhas: O que é, o que é, o
ano todo no deserto o mais quente é.
Responda certo, menino esperto. Como esquecer essa de pura carícia: Da
noite o beijo. A melhor sombra de dia. Quem é? A casa era pequena, mas em tudo os dias
tinham tuas mãos zelosas. Colocavas nos vasos aquelas rosas, como sonho na manhã perfumando
esbanjavam pelos ares ternura. Davam
vida à máquina de costura tuas pernas ativas. Os bordados, beleza tecida, sempre admirados por quem visse. Como o mundo
de Deus era grandão. Dizias que primeiro
a obrigação, depois, filho, é que vem a
diversão.”
Nada era pior do que saber que a mãe não
voltaria mais a andar. O tempo
usurpava sem dó a beleza dela, não havia
revolta enquanto durava a agonia. O amor por ela dobrava porque o filho sabia
disso.
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