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domingo, 12 de julho de 2020


                               A Crônica

                           Cyro de Mattos 


O estofo literário na crônica  retira-lhe a condição estrita de texto jornalístico quando então a linguagem objetiva procura informar o fato com precisão e rapidez.  Com  linguagem concisa e útil,   pretende aproximar  do evento os  seres humanos  onde quer que estejam,  para que tomem  conhecimento do que acontece no mundo. A crônica ameniza a notícia ou o episódio levado ao leitor sobre a vida diária, de forma que sua atividade subjacente na escrita o cative ou encante com sutilezas e imprevistos.       
         Na crônica de humor, o autor modifica  com graça  a comédia do cotidiano. Na de ensaio, tece crítica ao que acontece no sistema organizado, detectando falhas nas relações sociais e de poder. Na filosófica logra extrair  reflexões  sábias  a partir de um fato. Na jornalística enfoca aspectos particulares de notícias ou fatos, que podem acontecer na área esportiva, policial e política ou  em outros campos da atuação humana. Na poética toma emprestado a palavra ao sonho  para dizer da vida  com a sua face que ilumina o ser.    
      Segundo o poeta e cronista Carlos Drummond de Andrade, de notícia e não notícia faz-se a crônica. Daí se pensar que pode ser atemporal, se o  assunto,  extraído da realidade exterior sob bases sentimentais, revestir-se  de arcabouço  literário, servindo para ser lido tempos depois   desgarrado do seu contexto  e ainda assim causando emoção.  Sempre dando  tratamento agradável ao assunto,  que descreve,  a crônica, de argumento ou  digressiva,  aviva  o evento com graça,  tornando-o poético pelo eu lírico que  tudo recorda. Anota com o relógio do coração. Fundamenta a ideia que na poesia da solidão é compartilhada com os que  irão fruir o prazer da leitura, os que não se colocam à distância, em razão da disposição anímica que alimenta a cumplicidade.    
     A crônica no seu arcabouço de escrita híbrida, entre o jornal e o literário, não apresenta limites muito definidos. Usa a oralidade na fala dos personagens e o coloquial na escrita, a sua linguagem é  simples. Alguns querem que seja   como  poesia espontânea  no seu discurso em  forma de prosa, outros acham que deve ter a feição de uma história curta. De uma maneira ou de outra,  não deve desprezar a linguagem amena a possibilitar o  seu  encantamento, nem  o modo que seduz e torna o leitor cúmplice da beleza quando emerge em devaneios ou digressões anímicas.   
Propensa a retirar o assunto do factual,  o espaço que melhor  achou a crônica para morar e se expandir  foi  o jornal. Rápida no que descreve, o jornal foi o lugar que escolheu  para demonstrar  leveza na informação do fato e a um só tempo produzir na escrita ágil aquela sensação que os ingleses chamam de human interest story.
Os entendidos acham que a crônica é um subgênero literário,  não possui expressão  significativa no sistema verbal,  se comparada  à poesia e ao conto.  Nenhuma literatura se faz grande com livros de crônicas, argumentam.  Não possui meios para que a  razão e a  emoção aprofundem a leitura do mundo. Não tem o lugar e o espaço do texto que se serve de olhares oblíquos  para focar a problemática existencial do ser humano e a crise de uma sociedade exaurida de valores e sentidos. Mas não  se pode deixar de reconhecer é que a crônica quando  escrita por boas mãos contribui para a imaginação e a transcendência do mundo

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