Fernando
Riela: um mito na ponta-esquerda
Cyro de Mattos
Divorciado, pai de três filhas, o
ponta-esquerda Fernando Riela tornou-se um mito na história do futebol amador
de Itabuna. Foi disparado o melhor ponta-esquerda que jogou no Campo da
Desportiva. Para muitos que conheciam o futebol do Rio e de São Paulo, com seus
grandes times, Fernando Riela foi o melhor ponta-esquerda do futebol
brasileiro. Pode a afirmação soar como exagero, mas é que naquela época os
meios de comunicação eram outros, sem as condições de hoje, não havia
televisão, os jornais como O Globo e Estado de São Paulo, bem como A Tarde, de
Salvador, não chegavam a Itabuna. As rádios da capital não eram ouvidas também
na cidade. Escutava-se apenas a rádio Nacional, do Rio, um pouco a Tupi e
Tamoio.
Essa ausência de comunicação, entre
uma cidade do interior da Bahia e os centros mais desenvolvidos do país, fazia
com que vários craques do futebol de Itabuna fossem desconhecidos pela imprensa
do Rio de Janeiro, São Paulo e até certo ponto de Salvador. Se fosse hoje,
tempos de globalização do planeta, não há dúvida que Fernando Riela estaria
vestindo a camisa de um grande clube do Brasil e até mesmo da Europa. Futebol
de craque aquele inesquecível ponta-esquerda tinha de sobra para isso. É sempre
lembrado com admiração e carinho pelos companheiros de geração e torcedores.
Começou muito cedo, aos 14 anos de
idade já jogava no time principal do Fluminense. Jogou também no Flamengo, mas ao retornar para o
Fluminense, de onde nunca mais saiu, sagrou-se campeão em várias temporadas,
inclusive invicto em 1960. Para Fernando Riela, o melhor jogador de seu tempo
foi Santinho. Um jogador completo. Tombinha, Carlos Riela, Santinho e o goleiro
Luís Carlos, qualquer um deles poderia fazer carreira no futebol profissional
de hoje, em grandes clubes do Rio ou São Paulo, se tivesse sorte, observou o
craque. Fernando contou que Santinho, muito mais do que um amigo, era um de
seus ídolos. “Foi ele que me ensinou muita coisa, inclusive a ser uma pessoa
correta dentro e fora do campo.” Foi também a Santinho que o pai de Fernando
confiou quando ele passou a jogar pelo Fluminense, em sua primeira partida, em
Ipiaú, aos 14 anos de idade.
O time amador daquele
tempo treinava na semana, com um programa que devia ser seguido rigorosamente.
Mas sempre tinha um ou outro jogador que não se interessava em seguir as regras
para que tivesse bom desempenho no campo. Uma coisa era certa, ninguém bebia na
semana que ia ter no jogo de domingo. O próprio Fernando contou que ele mesmo
só experimentou cerveja pela primeira vez aos 18 anos de idade. “Um exemplo que
o atleta de hoje deveria seguir”, declarou, acrescentando que essa disciplina
que o jogador mantinha contribuiu para que a seleção do Itabuna fosse campeã do
Intermunicipal por seis anos consecutivos.
Ficou comovido quando
se lembrou da seleção de Itabuna e dos bons tempos do futebol amador. Com
jogadores como Francisquinho, Zé Maria, Nininho, Santinho e o goleiro Carlito,
homens de ouro de um futebol igualmente brilhante, nos anos de 1957 e 1958.
Houve um período em que o campeonato amador ficou parado no Campo da Desportiva.
Fortes chuvas cortadas por relâmpagos e trovoadas causaram grandes danos no
estádio. Derrubaram a parte da arquibancada, o muro e fizeram do campo um
grosso lamaçal.
Durante anos, a cidade ia ficando com ares
sombrios pela tarde, sem os jogos de futebol que aconteciam aos domingos no
velho Campo da Desportiva. Até que o empresário
Veloso e o pecuarista Rebouças decidiram recuperar o Campo da
Desportiva, contando com a ajuda de alguns desportistas, comerciantes e fazendeiros
de cacau. A velha Desportiva voltou a funcionar como o palco de grandes
partidas de futebol pelo campeonato amador. Para soerguer o interesse pelo
futebol, times do Rio eram contratados para jogar na Desportiva contra o Bahia
de Salvador. Numa dessas partidas amistosas, o Bahia venceu de dois a um o
Flamengo. Veio primeiro o Fluminense, depois o Flamengo, América,
Bangu, Vasco e Botafogo.
Fernando criticou a construção do
Centro de Cultura Adonias Filho no terreno onde existia o Campo da Desportiva.
A ideia do prefeito Ubaldo Dantas foi boa quando quis dotar a cidade de um
centro cultural, mas que deveria ser construído em outro lugar. E o pior de
tudo foi que prometeu construir um novo estádio para times amadores e nunca
isso aconteceu. Fernando ressaltou que o
América, um time tradicional de Minas Gerais, tem um estádio no centro de Belo
Horizonte, um pouco maior do que era a Desportiva, mas nem por isso foi
demolido para dar lugar a um prédio com finalidade cultural ou pública.
Continuava até hoje no mesmo lugar, servindo para jogos do campeonato juvenil
mineiro, sendo preservado como patrimônio esportivo da cidade.
Em sua época, Itabuna
contava com mais de dez campos de várzea. Ele citou, entre eles, os campos no bairro Banco Raso, Fátima,
Fuminho, Borboleta, o de Melquiades e o da Rua de Palha, no distrito de
Ferradas. Tinha campo até no cemitério. A garotada fazia suas peladas nos
terrenos baldios espalhados pela cidade, na beira do rio e na praça Camacã,
antes que se tornasse um jardim com o nome de Otávio Mangabeira. Nessa época,
as cidades de Ibicaraí, Buerarema, Camacã, Coaraci, Uruçuca e Itajuípe não
tinham o campeonato local. Ubaitaba, Ilhéus e Itabuna eram as praças esportivas
onde se praticava o futebol amador mais animado da região cacaueira. Os
jogadores que se revelavam como bons naquelas cidades circunvizinhas sonhavam
jogar um dia no futebol de Itabuna.
Fernando também foi um dos fundadores do time profissional do Itabuna.
Ele contou que, quando a Federação Baiana de Futebol acabou com o Intermunicipal
para descentralizar o campeonato profissional, realizado somente com times de
Salvador, o futebol amador ficou meio sem graça. Perdeu o brilho e o espírito
competitivo entre os clubes da cidade. Ilhéus decidiu participar do campeonato
baiano de futebol profissional com três clubes: Flamengo, Colo-Colo e Vitória.
Foi aí que um grupo de desportistas locais reuniu-se na Cooperativa Rural e
fundou o Itabuna Esporte Clube como um time profissional, aproveitando a maioria dos jogadores da
seleção amadora.
Ele participou desse grupo de fundadores, que teve o pecuarista Zelito
Fontes como uma figura importante para que a iniciativa se tornasse realidade.
Esse dirigente de futebol deu três mil cruzeiros para cobrir as despesas da
inscrição do time na federação baiana, em Salvador. Nove amadores da seleção
amadora de Itabuna foram jogar no Itabuna profissional A primeira partida foi
contra o São Cristóvão, vencida por um a zero. A segunda lotou o Campo da
Desportiva. O Itabuna empatou de dois a dois com o Galícia. A renda alcançou
doze mil cruzeiros, uma enorme soma de dinheiro na época.
Muitas pessoas passam na vida e deixam boas lembranças nos outros, que
jamais se apagam. Algumas dessas pessoas permanecem em cada um de nós pela sua
humildade ou dedicação ao que fazem. Como esquecer Arnaldo, o roupeiro da
seleção; Alfredo, o enfermeiro, Gil Néri, o técnico, o médico John Leahy e
Gerson Souza, o Marechal da Vitória? – ele perguntou e ficou sem saber como
responder sobre a razão de que tudo na vida é uma passagem sem retorno.
Ele, o craque inesquecível do
futebol amador sul baiano, com suas investidas fulminantes, dribles rápidos e
desconcertantes, deixou-nos e sua querida Itabuna no último dia 22,
quarta-feira, e foi jogar futebol nos
campos do eterno. Quem o viu jogar, sente-se um torcedor privilegiado, nunca é
demais lembrar.
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