Cyro de Mattos
Morre, aos 86 anos, o poeta Francisco Carvalho, cearense
de Russas. Autor de vasta obra e ganhador do Prêmio Bienal Nestlé, com o livro Quadrante solar (1982), deixa uma herança
lírica de altitude incomum, na poesia brasileira contemporânea, mesmo que
desconhecido pelos dispositivos midiáticos e pela indiferença do circuito
editorial dos grandes centros econômicos do país. Dono de uma obra poética de
qualidades inquestionáveis, tanto no plano formal como no conteúdo, no poema de
lastro clássico ou moderno, de verso extenso ou curto, esse poeta insulado
em Fortaleza mais seria estudado na
universidade, reconhecido pela crítica e conhecido do leitor se publicado por
editora de circulação nacional, de São Paulo e Rio, centros dinâmicos de um
eixo que
até hoje funciona como tambor
cultural do Brasil.
Há quem diga
que a melhor poesia produzida hoje no
Brasil está no Nordeste. A afirmação pode soar exagerada, mas deve ser considerada
como procedente com relação a alguns
nomes que revelam em sua fatura poética uma produção da melhor qualidade. O cearense Francisco
Carvalho em Fortaleza, os baianos Florisvaldo Mattos, Ruy Espinheira Filho e
Myriam Fraga em Salvador, Telmo Padilha no Sul da Bahia, e o pernambucano Marcus Accioly no
Recife são nomes que se inserem na pertinência da observação.
O poeta
Francisco Carvalho estreou com Dimensão
das Coisas em 1966 e de lá para cá publicou mais de vinte livros de poesia,
demonstrando assim sua fidelidade à “arte de excitar a alma com uma visão do
mundo através das melhores palavras em sua melhor ordem”, conforme
definição de Geir Campos, calcada na fusão que fez das concepções de Novalis, Eliot e Coleridge sobre a obra
literária escrita em verso.
Na
antologia Memórias do Espantalho,
organizada pelo autor, publicada em 2004, o poeta cearense reuniu em alentado
volume poemas escolhidos dos livros Os
Mortos Azuis (1971), Pastoral dos
Dias Maduros (1977), As Verdes Léguas
(1979), Rosa dos Eventos (1982), Quadrante Solar (1983), Prêmio Nestlé de
Literatura Brasileira, As Visões do Corpo
(1984), Barca dos Sentidos (1989), Rosa Geométrica (1990), Crônica das Raízes (1992), O Tecedor e Sua Trama (1992), Sonata dos Punhais (1994), Artefatos de Areia (1995), Galope de Pégaso (1995), Raízes da Voz (1996), Romance da Nuvem Pássaro (1998), A Concha e o Rumor (2000), O Silêncio é uma Figura Geométrica (2002) e Centauros
Urbanos (2003).
Verão de Francisco Carvalho
Cyro de Mattos
O sonho sobreviverá
Enquanto houver um bico
Que cate o alpiste
Do tácito entendimento,
Leve para outros ares
O som aceso do azul.
Um bico que semeie o amor
De graça dando a messe justa
Na fazenda livre do ar.
O sonho sobreviverá
No verso que inventa cores,
Canto por onde me iludo,
Triste eu me canso de tudo,
Faço-me rouco quadrante solar.
Rima do poço da morte,
Vertente da vida sem data
Sendo ilha e desvario,
Súbito prodígio de luz
No verão que esparrama
Pendões debaixo de nuvens
Como o espírito de Deus
Que sopra sobre as águas.
O sonho sobreviverá.
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