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terça-feira, 9 de julho de 2013

Alfredo Pérez Alencart: Referência
                     Literária e Cultural em Salamanca



Entrevista a Cyro de Mattos
 

Vamos conversar agora  com Alfredo Pérez Alencart, poeta peruano-espanhol, profesor de Direito do Trabalho da Universidade de Salamanca, Espanha, colaborador de revistas e jornais culturais importantes, membro da Academia Castelhana e Leonesa e da Poesia. Para ele, devemos clamar contra qualquer injustiça, impunidade ou atropelo da dignidade humana, sem conivência com as políticas que ferem os justos direitos dos homens.





Cyro de Mattos –  Você foi homenageado por escritores e artistas de quatro continentes por sua obra poética e trabalho incansável em favor da cultura. O que significa para você A Arca dos Afetos?

Alfredo Pérez  Alencart – Significa a prova  evidente de que  existe  a generosidade do ser humano, de que nem sempre triunfam  as demandas  e as invejas no mundo das letras. Também significa que algo bom terei semeado no coração de tantos amigos e conhecidos para que me tenham dedicado formosos e profundos poemas, ensaios, esboços biográficos e pinturas.
Arca dos  Afetos é um volume em que Verónica Amat, apoiada em minha querida Jacqueline, soube aferir  todas as vertentes de minha escritura poética. Com mais de duzentos e trinta escritores  e artistas que se reuniram para dar-me esse abraço fraterno, certamente isso me trouxe a lágrima de uma emoção feliz.
Devo permanente gratidão aos que nesta  Arca estão presentes,  mas também a outros muitos poetas e narradores que me fazem chegar testemunhos e refelexões  sobre minha obra e pessoa,  ao se Inteirar através dos meios de comunicação desta homenagem gestada desde minha Salamanca.
        


CM –  E a poesía?   Para que serve? Vale a pena fazer poesía hoje quando a linguagem que prevalece na sociedade é a da   imagem,  som e  meios computadorizados?

APA  - A Poesia nada vale,  por isso mesmo se torna imprescindível. Como não são todos que podem ter acesso aos diamantes, é assim também a Poesia, um bem raro,  uma senhora taciturna para seres que têm outras prioridades aparentemente mais  importantes. Os poucos são muitos: entenda-se  isto como aquilo  que certas vozes  poéticas enchem  de novos sentidos o mundo que habitamos.
Que fazer com os ruidos, as imagens, as tecnologías que inundam tudo? Nada, e eis que alguns desses inventos  ajudam em parte a divulgação da própria Poesía. Ressalte-se que o poeta não carrega âncoras porque sempre aguarda  sinalizações ou se encarrega de transmiti-las. Sempre está na contracorrente das modas e não se intimida  ante o  medo que inunda cada época da História.
Eis que a poesía vale a pena  porque desde o Princípio  permanece impregnada do futuro: ela sabe piscar com  seus pressentimentos ao largo de séculos,  mas também transita na realidade cotidiana   quando seus cultores clamam contra  injustiças sociais, proferem o fluxo de Eros  e cortejam companhias,  elevam orações a Deus e ao verbo encarnado,  são líricos e elegíacos ante o  mundo que sangra e o planeta se contamina…
A Poesia é o futuro, e o futuro é o resplendor de uma criança; também o Amor  soberbo à altura de outro Gólgota com linhagens nunca vistas.
Poesia, insondável permanência.

CM – Qual o compromisso do poeta perante  esse  mundo que prioriza o estômago,  o sexo e o poder como sentidos exclusivos da vida, desviando-se cada vez mais  dos valores éticos e espirituais? 

APA – O maior compromisso do Poeta deve ser o de comunicar a poderosa ilusão de sua mensagem. E para isto, além de ser  suficiente no clima de sua Linguagem,   primeiro deve  romper as fronteiras entre o corpo e o espírito: nem estar flagelando a alma do outro, nem atender apenas à fome da pele   ou do desejo amoroso: nada de alardes  superficiais nem retratos complacentes ou desfigurados no mais íntimo do ser humano.
Bom frisar, o poeta  deve  saber que   o poder é uma mortalha ávida    para os que não acreditam nela com o seu  não valor. Em geral o poeta descrê desse tipo de poder e se afasta das cobiças e perversões que mais oferecem essa forma de relevância política,  econômica e afins.
Sempre  no Poeta autêntico o que deve ser cultivado  é o comportamento ético, a prevalência do justo e o solidário, a entrega por causas à primeira vista perdidas. E, claro, ter uma exigência suprema com relação a seus frutos: só deixar degustar a excelência de sua seiva,  não o que falta para amadurecer.  Há que comover, poeticamente, o coração dos outros.


CM -  Nascido no Peru,  radicado há anos na Espanha,  como você conseguiu  se adaptar ao contexto cultural e universitário de Salamanca?

APA – Vivo há cerca de vinte anos em Salamanca. Mas antes, em minhas raízes, a Espanha já estava muio presente em razão da emigração de meu avô paterno à Amazonia peruana. Ele era de Asturias. Além disso, minha avó vinha dos Troncoso da Galícia. Quanto a mim tem sido uma nova travessia  até às origens , o retorno a um chão que parcialmente me pertencia.
Salamanca converteu-se em minha cidade-mãe. Penso que este casamento vem se consolidando porque eu a escolhi: estar em Salamanca foi minha escolha antes de  de chegar a  ela  para realizar estudos jurídicos. Isto quer dizer  que não é minha cidade de adoção, mas de eleição.
Aquí sou profesor de Direito do Trabalho desde 1987. E aquí tenho podido corresponder a tão grata acolhida, dando parte de minhas energias para estender pontes  entre Salamanca e a Iberoamérica. Também entre Salamanca e outros países do mundo. A Literatura, em geral, e a  poesía, em especial, têm sido os pilares na consolidação desta plataforma cultural de tão gratificantes frutos. Um deles, o mais apreciável, é o Encontro de Poetas Iberoamericanos, que no mês de outubro celebrará a XVI  Edição, dessa vez para homenagear Fray Luís de León.
Sob o plano pessoal, devo dizer que um bom número de escritores passam em meu gabinete, visitam-me, trazem-me suas obras estimadas  e levam algumas minhas. É um intercambio fecundo para o meu ser, muito generoso,  que sensibiliza a um simples provinciano universal.

CM -  Dono de um discurso  vigoroso,  sua linguagem transita  com suficiência tanto no épico como no  lírico. Como você situa Cristo na Alma no conjunto de sua obra,  livro  que impressiona pela recorrência  à metáfora e à imagen, na busca incessante de um eco que salde dois mil anos de todo o peso terrestre, finitudes e contradições, dominações e desigualdades. Fale um pouco desse livro.


APA – É a  mais completa de minhas criações. Foi gestado em cinco anos, mas o parto durou três meses. De fato é um poema extenso, dividido em cinco partes,  que se fracionam em dez textos de treze versos cada uma. Nele  está contida minha dupla fé: a crença na Poesia e em Cristo . Por acaso isso não é  o mesmo, posto que o Amor engloba tudo?
Cristo é um Poeta cujas parábolas atravessam séculos, cujos exemplos calam no mais profundo dos seres sensíveis, cuja missão é assumida por aqueles que amam o próximo. Uso um idioma mesclado de castelhano antigo e  certos neologismos  deste século: tem força e, ao mesmo tempo, ternura , pode parecer  prosa, mas possui o ritmo que faz dançar as sílabas…
Como poeta, dou-me o direito ao divino e o exerço neste livro, que é oração,  mas também  atrito  contra hipocrisias e fariseísmos  contemporáneos, religiosidades ociosas,  que não cumprem  com a imensa  preocupação social, disseminada nos Evangelhos e nos profetas. Corpo e alma não estão cada um no seu lado, configuram  um Todo, que merece reviver com nova luz.


CM -  Quais os poetas  que mais lhe influenciaram?

Píndaro, Vallejo, Salomón, Rilke, Romualdo, Cernuda, Job, Dario, Bashô, Baquero, Horácio, Pessoa, David, Quevedo, Isaías, Gangotena, Hölderlin, Eclesiastes, Perse, Ovidio, Tundidor, Nezahualcóyotl...

Ampla seria a relação de poetas que transitam dentro de mim ou que me carregam em suas costas: assumo como minha essa linhagem  e me considero um pequeno elo na cadeia poética que não se funde jamais.

CM - Com  uma obra reconhecida, varias vezes  premiada, o que vocè diría aos poetas que querem fazer de sua vocação um projeto de vida?

APA - Que tenham os olhos como faróis porque a Poesia é o sol dos cegos. Fazê-la um projeto de vida é saber que, ainda no meio do deserto, saberão encontrar o oásis que salva.  Para isso, não se fixem nas ganâncias materiais: nada de um iate  poderá levar o seu caixão, mas, sim, algum lembrete no qual se anotem uns versos do viajante ou o Cantar atribuído a Salomão.



·        Tradução do espanhol por Cyro de Mattos 

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