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quarta-feira, 31 de julho de 2013

O trovador Minelvino 
 ou do jeito que o povo gosta
           


Sertanejo autêntico, nascido no município de Mundo Novo, Bahia, o trovador Minelvino primeiro foi garimpeiro em Jacobina onde se criou. Depois passou a vendedor de coisas miúdas na feira de Jacobina: pente, espelho, escova, pasta dental, agulha, carretel de linha, sabonete, livrinho de cordel. Comprava os livrinhos de cordel a José Bernardo da Silva, João Martins de Ataíde e Rodolfo Coelho Cavalcante em Salvador ou mandava buscar pelo correio.
A primeira motivação que teve para contar uma estória com apelo popular veio da enchente de Miguel Calmon, lugar próximo a Jacobina. A enchente virou trem, alagou ruas, derrubou casa,  desabrigou gente e matou. Contaram-lhe sobre o estrago medonho que o rio fez,  ele então percebeu  que os acontecidos podiam ser contados como estória de  cordel. Compôs o livrinho e mandou para Rodolfo Cavalcante em Salvador, que fez algumas correções e imprimiu. Foi um sucesso. O primeiro folheto deu-lhe incentivo para continuar no ofício de trovador. Sem hesitar prosseguiu na jornada, deixando sua profissão de vendedor de coisas miúdas na feira.
Ele viveu mais de cinqüenta anos em Itabuna, cidade que conheceu no seu começo, os animais tropeçando na lama quando passavam  carregados de cacau ensacado. Tinha poucos bairros e  muitas ruas eram sem calçamento. No sul da Bahia foi se familiarizando com a arte de escrever estória em cordel. Ele mesmo imprimia as histórias que escrevia. De estória em estória,  contada pelo alto-falante na feira e na rua, foi vendendo os livrinhos.  E assim conseguiu criar os quatro filhos,  comprar uma casa modesta no bairro e os instrumentos necessários para tornar a estória que escrevia uma coisa do povo com um suporte material simples. Como contou em versos, ele mesmo escrevia a estória, fazia o clichê, a impressão e  ia vender o folheto,  cantando na praça pública, na rua e na feira para todo mundo ver. 
Atento aos acontecidos, façanhas e desastres, Minelvino tornou-se em pouco tempo poeta afinado com o verso popular,  do jeito que o povo gosta. Colocava na estória maravilhas do real, invenções do divino, notícias do amor e  dor, gente e bichos,  conselhos e saberes, tudo bem alinhavado na rima certa e espontânea. Utilizou em suas composições a sextilha, estrofe de seis versos  de sete sílabas. Como trovador sua arte de versejar  diferia do repentista, que faz o verso  cantado  no improviso, enquanto a dele manifesta-se na  composição popular da poesia escrita.
Escreveu mais de oitocentos folhetos de cordel. Sua arte rompeu as fronteiras regionais, passou a ser estudada em teses defendidas na universidade. Foi publicada em São Paulo pela Hedra, editora de circuito nacional, que em sua coleção Cordel, dirigida pelo professor Josep M. Luyten, Doutor em Comunicação pela USP, já divulgou   alguns dos mais relevantes e autênticos representantes da cultura brasileira, como Patativa do Assaré, Cuica de Santo Amaro, Rodolfo Coelho Cavalcante, Franklin Maxado, Manoel Caboclo, Oliveira de Panelas e outros. 
Tive um encontro com o poeta no local de sua casa onde estava montada  a  tipografia e a sua oficina de xilogravura. Disse-me que fazia a composição do livrinho com letras de chumbo compradas em São Paulo. Na composição ia colocando com paciência  letra a letra até fazer o nome. Aí fazia a chapinha e colocava na ruma. Depois na máquina para a impressão. Disse ainda que para o clichê da xilogravura na  capa fazia o desenho em umburaninha, madeira que é mole, dá polimento e não  pega bicho. Mostrou as ferramentas que utilizava no trabalho, faquinha, canivete, goiva, prego, furador, buril. Observou que a matriz da xilogravura geralmente servia  como ilustração para o tema da história.
Vi na parede da oficina vários diplomas e recortes de jornais emoldurados no quadro. Registravam o reconhecimento de sua fama e sua participação em eventos importantes nacionais, no setor da poesia popular e cantoria. Fotos com a sua passagem na romaria de Bom Jesus da Lapa. Tinha perdido a conta de quantos benditos havia escrito. Vendera dezenas nas romarias de Bom Jesus da Lapa, nos quais contava  com devoção e fé os milagres e estórias de santos.  Ficou por isso  conhecido como O Trovador Apóstolo.
A cidade entristeceu quando o trovador Minelvino faleceu com setenta e quatro anos de idade, vitimado por um infarto quando estava no hospital em busca de ser medicado e aliviar seu momento de dor. Um dos filhos contou que ligaram depressa o aparelho, colocaram a máscara no rosto para a nebulização. O coração, neste momento, foi atacado com um golpe forte. Fizeram massagem no peito, quiseram operá-lo. Já não agüentando mais o embalo da vida, o coração do poeta parou. 
Homem bom, querido pelo povo, de voz mansa. Todos os anos, o poeta  tinha seus benditos cantados pelos romeiros em louvor do Bom Jesus da Lapa. A televisão, a rádio e  o jornal deram  a notícia como cidade e região estavam abaladas com a sua morte. Os romeiros de Bom Jesus da Lapa sentiram  a perda de seu trovador apóstolo. Morreu sem fazer fortuna, como é costume acontecer com os legítimos poetas.
Até hoje a vida sabe que ficou mais pobre sem esse divino trovador.                

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