Natureza Viva
Crônica de Cyro de Mattos
Perguntado ao primeiro homem que pisou na Lua qual foi a primeira
impressão que teve, o astronauta norte-americano respondeu que nada é mais triste do que o lugar onde não existem
os sons, tudo ao redor é silêncio. Essa resposta do astronauta Neil Armstrong
enseja outra pergunta. Que seria de nós,
os humanos, em nossa condição finita e contraditória, se não existissem os
passarinhos soltos no embalo festivo da
natureza? Sem os seus cantos com notas coloridas e pios apelativos do amor para o
acasalamento? Por extensão vem na mente
mais esta questão: o que seria de tudo sem a presença dos bichos, os nossos
parceiros?
Admiro o canto mavioso do sabiá. Na receita dada pela natureza quando se
quer algo para sonhar é só ouvir o sabiá.
O curió não faz por menos, trata-se de outro músico divino. Quando
alguém estiver só e não quiser morrer de solidão, é também aconselhável que
procure ouvir o curió. É assim a vida do ar, a de sonhar e encantar.
Um passarinho que me deixa alegre quando ouço é o bem-te-vi. Pousado na
antena de televisão sobre o telhado, todos os dias ele avisa que a manhã está
chegando luminosa em sua carruagem de
ouro. É bonito mesmo de ver a manhã nessa hora cheia de luz. Se eu estou no
quintal, o bem-te-vi diz que está me vendo no jardim, colhendo rosas para o meu
bem-querer. Aprendo com ele que na natureza nem sempre vence o mais forte. O
gavião é bicho temido, mas, quando passa perto de um ninho de bem-te-vi, arrepende-se
do que fez. O corajoso bem-te-vi
afasta o terrível agressor dali de perto, sai bicando a cabeça dele e, no voo
ziguezagueante, bota o maior para correr.
O grilo retira de sua serrilha sons
finíssimos. Está sempre a repetir que é um guardinha feliz no seu cri-cri
constante, no campo ou cidade, verão ou inverno, em noite enluarada ou de
escuridão. Já o gafanhoto tem um tambor que sob as asas esconde. Animado, bate
nele com fervor e tira sons interessantes. Tenho certeza que no reino animal ninguém
vai conseguir saber como é que o gafanhoto tira aqueles sons cada vez mais
vibrantes de suas asas trepidantes.
Cada bicho tem suas artes e
artimanhas. Apresenta-se no espetáculo da natureza com as suas anotações da
vida. Graça, cheiro, alegria, coragem,
utilidade, amor, medo, sabedoria. A lontra, por exemplo, pelos caminhos d’água,
no vaivém escorregadio, abocanha cada peixe.
Mas, se está em perigo, ela dribla o caçador e mergulha rápida no rio.
Boba ela não é, nunca quis perder o pelo de luxo desde que no mundo
surgiu. Certa vez, minha avó Ana
contou que ela não se separa de
seu casaco desde o tempo em que os
bichos falavam. A lontra, quando se vê salva da perseguição do caçador,
lá adiante numa pedra, vai tomar
seu banho de sol na ilha que descobriu.
Gente no campo já viu a chuva grossa tocar piano na mata com o chão
coberto de folhas. Quando molha o pasto seco, a chuva deixa no ar aquele cheiro
cheiroso de terra molhada. Daí a poucas semanas, o capim ressurge alegre e viçoso. E as
formigas, sob o sol brilhante, seguem na trilha como trabalhadoras
incansáveis, mostrando como a vida é querida por todas elas, de folhinha em
folhinha.
Agora uma cena que não gosto de ver é quando encontro sem querer
o homem sem dó, que gosta de prender o passarinho na gaiola. Lá dentro era ele,
o dono, que deveria permanecer para saber como passa a vida feita sem graça. Os
bichos são necessários ao convívio dos seres humanos em nosso planeta, ontem
como hoje. Cada um no seu canto, em
perfeito entendimento, não preciso mais dizer.
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