COISAS DE MYRIAM FRAGA
Cyro de Mattos
Consternado com a notícia triste sobre a despedida
de Myriam Fraga, que deixa uma lacuna enorme na lírica brasileira de
todos os tempos, lembro quando eu dirigia o Centro de Cultura Adonias Filho, em
Itabuna, e a convidei para que ela viesse brindar os itabunenses com uma
palestra sobre Jorge Amado. De volta a Salvador, levando-a para o
aeroporto Jorge Amado, em Ilhéus, eis que o pneu de meu carro furou no meio da estrada
Itabuna-Ilhéus. Foi aquele sufoco. E se ela perdesse o avião? Perguntava-me
inquieto, bom saber que naqueles idos ainda não havia celular...
Tudo terminou bem com o socorro de um amigo, que também
ia tomar o mesmo avião da Myriam para Salvador. Que alívio! Enquanto isso não
se deu, ela só fazia sorrir com a minha preocupação ante aquela situação
tragicômica. Parecia não se importar se perdesse o avião de volta a
Salvador. Na verdade, disse-me tempo depois, que assim procedeu porque
parecia que você, Cyro, é quem poderia perder o horário do avião, de
volta a Salvador, de tão nervoso que estava.
São tantos os
momentos que tive com a amiga Myriam, que eles começam a passar em minha cabeça
agora, nesse momento de tristeza, para amenizar certamente o abalo que
tenho com a sua perda. Penso que isso está ocorrendo com muitas pessoas que
tiveram a oportunidade de conhecê-la e privar de uma amizade agradável.
Em meu livro Os enganos cativantes, dediquei-lhe
o poema Coisas de Myriam Fraga, que transcrevo abaixo:
Parir é coisa
de mulheres.
Criar a flor
dentro ciciada.
O ser no outro ser
completo acorde
até as gotas da morte.
Poesia é coisa
de mulheres.
Às vezes acorda
nesta paixão.
Rigor e lucidez
na pele lambida.
Palavra é como brasa
queima até o fim.
Ilhas e ventos
onde eu navego.
Ó labirinto de mim.
Que Deus receba a querida Myriam, poetisa de voz lírica
elevada, para seu repouso justo, depois de escrever uma história bonita
em sua passagem entre os humanos, aqui neste velho mundo terrestre.
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