MEU CRAQUE LÉO
Cyro de Mattos
Começou jogando peladas nos campos de várzea. A cidade ficava com lama nas ruas
quando chovia. Tinha apenas três bairros populares. Foi para o Rio onde jogou
no juvenil do América. Tempos depois, o adolescente retornava à terra natal,
talvez porque sentisse na cidade grande a falta dos hábitos que adquiriu no
interior. Lá, na metrópole carioca, não era conhecido como filho de fazendeiro
abastado de Itabuna.
Foi no Campo da Desportiva que conheci meu craque. Jogava no Flamengo, que
enfrentava o time do Itabuna pelo segundo turno do campeonato, numa tarde de
domingo sob o sol quente do verão. O Itabuna, do cartola Montanha, o
coletor fiscal, era uma verdadeira seleção formada pelos melhores jogadores
regionais. Concentrada quando ia jogar uma partida importante, fosse amistosa
contra uma equipe da capital ou valendo pontos pelo campeonato. Seus jogadores
ganhavam prêmio em dinheiro quando venciam uma dessas partidas importantes.
O time do Itabuna havia conquistado o campeonato de maneira antecipada. Faltava
apenas jogar a última partida contra o Flamengo para cumprir a tabela. Era
sabido que o time do Flamengo queria vencer o Itabuna para obscurecer o brilho
da conquista antecipada do campeonato pelo até então imbatível rival. Para
muitos torcedores, isso era impossível de que pudesse acontecer. O time do
Itabuna era superior ao do Flamengo em todas as posições.
Para surpresa dos torcedores, o time do Flamengo entrou em campo com o meu
craque, vestindo a camisa rubro negra pela primeira vez. Comentou-se que o
contrato que ele havia assinado com o América estava suspenso pela federação
carioca, não tendo por isso condições legais para jogar por outra agremiação em
partidas oficiais. O Flamengo ia perder os pontos, caso fosse o vencedor do
jogo. Paulo Ribeiro, o dirigente e, ao mesmo tempo, o torcedor mais
inflamado do Flamengo na cidade, disse que não tinha importância se o Léo
jogasse contra o Itabuna e perdesse os pontos. O Itabuna já era campeão,
ninguém podia tirar-lhe mais o título. O importante
agora era que não fosse campeão invicto. E acrescentou que o jogo entra o
Flamengo e o Itabuna era um campeonato à parte.
Os jogadores do Flamengo cresceram em nível técnico e garra, durante os
dois tempos do jogo, como nunca se tinha visto no Campo da Desportiva, graças à
atuação de meu craque. Ele foi o dono do jogo. O que ele fazia com a bola no
gramado irregular da Desportiva era coisa de sonho. Caminhava tranquilo com a
moça redonda por todos os setores do campo, mostrando uma visão de jogo
impressionante. Dava dribles desconcertantes no zaqueiro Ranulfo, encarregado
de marcá-lo de modo viril quando se aproximasse da grande área.
Fazia lançamentos em profundidade geniais, que deixavam os atacantes do
Flamengo cara a cara com o goleiro Gilson. A bola chutada Por ele tirava tinta
da baliza, exigindo, na sua trajetória, defesas empolgantes do goleiro. O
Flamengo venceu por três a zero o Itabuna, com um golaço de meu craque. Os
passes, para o centroavante fazer os outros dois gols, no segundo tempo, saíram
de seus pés.
Foi jogar depois no Olaria do Rio de Janeiro. Fez um campeonato primoroso e
chamou a atenção do Fluminense carioca, que o contratou para defender suas
cores naquele time inesquecível, que tinha na linha de frente Escurinho, Valdo,
Robson e Telê. Sagrou-se campeão carioca pelo Fluminense e também do Torneio
Roberto Gomes Pedrosa, disputado naquele tempo pelos principais clubes cariocas
e paulistas. Foi convocado para a Seleção Brasileira em 1958, mas o destino não
quis que fosse um dos nossos campeões mundiais de Futebol em gramados da
Suécia. Foi cortado da Seleção Brasileira porque teve uma contusão no treino do
Fluminense; para o seu lugar convocou-se Dida, atacante do Flamengo.
Certa vez ouvi Zezé Moreira dizer, numa entrevista pelo rádio, que o jogador
mais completo que ele viu jogar foi Léo. Para mim não foi novidade o que o
ex-técnico do Fluminense e da Seleção Brasileira dissera sobre o meu craque.
Trazia vivas dentro de mim aquelas jogadas sensacionais que ele fazia no
Campo da Desportiva. Lances de puro encantamento, que arrancavam aplausos
demorados dos torcedores, como o daquela falta que ele bateu contra o Bahia de
Salvador, pegando no contrapé o goleiro Lessa, que nem viu por onde entrou a
bola.
Ele voltou à Bahia para jogar no Bahia, o melhor time do norte e Nordeste
daquela época. Foi campeão baiano por várias vezes, vestindo a camisa do tricolor
da capital. Sua maior façanha foi conquistar a Taça Brasil em 1959, naquele
legendário time do Bahia, formado com Nadinho, Leone e Henricão; Flávio,
Vicente e Beto; Marito, Mário, Léo, Alencar e Biriba.
Na memorável conquista da Taça Brasil, nosso primeiro campeonato brasileiro de
futebol, o Bahia venceu o Vasco da Gama no Maracanã e na Fonte Nova. Derrotou
aquele incrível time do Santos de Pelé, o maior jogador brasileiro de todos os
tempos, no alçapão da Vila Belmiro e na partida final jogada no Maracanã.
Naqueles idos, jogavam no Vasco Belini, o capitão da Seleção, campeã do mundo
em 1958, craques como Orlando, Paulinho, Pinga e Roberto Pinto. Dava muito
prazer ver jogar aquele Santos com o rei Pelé, os cracões de bola Mauro,
Durval, Coutinho, Mengálvio e Pepe, o canhão de Vila Belmiro.
Ele teve destacada atuação nos jogos do Bahia na conquista da Taça Brasil,
principalmente contra o Ceará, Sport, Vasco da Gama e Santos. Entre tantos
astros do nosso futebol, brilhava a estrela do itabunense Léo. Preciso dizer
mais sobre o meu craque?
Faleceu no dia 24 deste mês de
fevereiro. Foi o melhor craque que vi jogar nos gramados baianos. E um dos
melhores em canchas brasileiras.
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