Um Homem Bom
Cyro de Mattos
Homem alto, forte, voz grossa e mansa. Gostava de
usar boné. Era sempre visto na feira do Centro Comercial aos sábados. Cedo
recolhia com a pequena cesta donativos para a feira dos pobres. De porta em
porta, na semana, pedia ajuda para a construção de mais leitos no albergue.
Dormia pouco, o tempo disponível era dedicado ao
próximo. Dor é vida, sofremos porque estamos na vida, li no poeta Jorge de
Lima. O homem que usava um boné ensinou que a vida torna-se leve quando habitada
com amor. Há milênios que as religiões estão tentando mostrar ao ser humano que
só o amor constrói. Braço ao abraço a rota fica mais fácil. Há milênios nós os
humanos estamos construindo a história de nossa condição com intolerâncias,
violência, egoísmo. Com uma escrita às avessas, desviada da ternura, mais para
urubu do que para curió. O que sabe hoje o nosso pobre coração humano de Deus?
Do enigma, da dor e do amor?
Essa lição fácil, dar alpiste aos desvalidos,
pássaros tristes com as penas doídas, aquele homem de coração solidário ensinou
no dia a dia. Por onde andou o seu coração foi para dizer que Deus existe.
Podemos senti-lo na flor do coração. Basta amar o outro. A flor do coração
sente-se em outros que a ele se juntam. O semeador de esperança no país dos
frutos dourados, no chão onde o emblema da vida consiste em perseguir o
dinheiro como a chave de todas as coisas.
Homem filho de um território onde no início o ser
humano matava e morria por um pedaço de terra fértil, numa fome sem
precedentes. Ensinou que a vida tem sentido com excesso de pobreza. Como pode
vencer léguas do chão áspero e construir grande abrigo para centenas de
pássaros sem voo e canto? Recolhidos aos dias tristes? Acreditava que a morada
neste planeta é possível com todas as mãos numa só comunhão.
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Gandhi lembra que a cada dia a natureza produz o
suficiente para nossas carências. Se cada um de nós tomasse o que lhe fosse
necessário, não haveria pobreza no mundo. Ninguém morreria de fome. O genial
Charles Chaplin fala do caminho da vida com beleza e liberdade. Lamenta que
tenha ocorrido o desvio da ternura. A cobiça envenenou a alma dos homens,
ergueu muralhas de ódio no mundo, fazendo-nos marchar a passos de ganso para a
miséria e horror dos morticínios.
Aquele homem, que usava um boné xadrez, gostava de
oferecer uma rosa a qualquer um quando percorria a cidade, em seu rito de
recolher donativos para os pobres. Em linguagem simples dizia que todos nós
somos missionários. Consistia a prática em doar-se ao outro, semear o amor
entre os excluídos de uma vida digna, muitos deles sem saber a razão da fome e
sede. Ele, Bionor Rebouças, o pai, o filho, o irmão. Um homem como outro
qualquer. Um libertador para os enfermos do Albergue Bezerra de Menezes. Um
anjo que desceu do céu.
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