O
POETA MENELAU
Cyro de Mattos
Ainda não conhecia o fundador da
Confraria dos Poetas de Zurubundanga. Exercia o mandato de presidente pela
décima vez, sempre eleito por aclamação. Também com ele a regra era seguida à
risca, só era poeta quem pertencesse ao ilustre quadro de membros efetivos da
confraria. Quem não tivesse o salvo-conduto, não se imaginasse como
um verdadeiro poeta.
Era
de estatura pequena, pescoço grosso, cabeça com os cabelos ralos. Dentuço e
nervoso. Tinha o sestro de sacudir a cabeça várias vezes quando estava dizendo
um poema. Era amigo do prefeito, para quem dedicava sempre dois ou três
poemas no dia de seu aniversário. Assinava uma coluna semanal no Diário de
Zurubundanga, ali no recanto das letras comentava livros de poesia, apenas os
volumes dos ilustres confrades. Ficava contente, ali era um espaço ideal para
publicar seus comentários literários ou poesia de dez a vinte estrofes. O
recanto não deixava de lhe oferecer uma boa oportunidade para disseminar sua
glória, quase dizia vaidade, o que não calhava com seus brios de poeta
talentoso, como gostava de dizer para ele mesmo.
Com
ele só os poemas longos, curtos como o haicai nem pensar. Detestava essa coisinha insignificante, de
poeta minimalista, sem inspiração, habilidade no estro, alienado, cultor de
fórmulas orientais para compor o verso nanico. De outras gentes, que nada
tinha a ver com a magnífica poesia cultivada por ele e os poucos leitores, que
eram os mesmos integrantes da confraria.
Quando se dirigisse a
ele, só admitia que fosse chamado de poetão Menelau. Vá lá,
poetastro, nada de poeta ou poetinha, isso não condizia com a grandeza de seu
estro, que tinha como marca supimpa as rimas mais instigantes. Por exemplo,
coração com mamão, tesouro com besouro, presepada com batucada, cachoeira com
besteira, facão com anunciação, porrete com macete, camaradagem com
garagem, alegria com pirataria, chulé com bicho do pé.
Num
dia de calor do verão, estava abastecendo o carro com gasolina no posto. De
súbito apareceu aquela cabeça inquieta na janela do motorista, os olhos
rutilantes como se quisessem saltar do rosto ossudo.
Disse
com entusiasmo:
- Soube
que você publicou um livro de poesia na França.
-
Sim – eu disse.
Emendou
sem pestanejar:
-
Mas isso não é a glória. Não é trunfo nem motivo plausível para que você se
ache um verdadeiro poeta.
Meio
assustado, disse que a glória não me preocupava. A imortalidade era uma fórmula
usada pelos membros de uma academia, como maneira de querer superar a
indesejada, o que não é possível. Ela é
a coisa que temos de mais certa.
-
Você precisa aparecer lá na confraria dos poetas da terra, retornou e insistiu
na lembrança. - Precisa se filiar ao grupo. Se não tiver em nosso meio formado
por imortais, nem se considere poeta.
E
recitou o que ele chamava do mais recente poema de sua imbatível inspiração.
Uma zorra com versos que rimavam coração com cheiro de manjericão, maneira
apurada com vida galharda, embriaguez serena na pele morena, e por aí seguia
aferrado à sonoridade das rimas.
Informou que os versos candentes desse poema ou o que fosse lá o que
fosse tinham inspiração na sua bela Aurora, mulher incrível, companheira e
eterna musa.
- Quer
ouvir outro poema?
Comecei
a suar, apressando-me em ligar o carro para me livrar das investidas
poéticas do Menelau. Para sorte minha, ouvi o frentista dizer, no
outro lado, para que ele tirasse seu carro, que o tanque já estava cheio.
Ele não deu ouvido. Começou a dizer outro poema, apesar de meu conselho para
que fosse tirar o seu carro, o frentista já estava irritado de tanto pedir
isso, tinha gente na fila querendo abastecer o veículo. Foi o que me
salvou. O poeta Menelau, o grande, antes que me esqueça, saiu chateado com
aquela inconveniente interrupção à sua elevada dicção para soltar a
verve que emergia decidida, naquele instante, de um encontro não marcado
por ele com um simples fazedor de versos.
Ainda
lembrou antes de sair:
-
Apareça lá na confraria dos poetas da terra.
E
arrematou com o peito cheio e o rosto contente:
-
Junte-se a nós e vá em frente como um verdadeiro
poeta.
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