Prezado Cyro de Mattos.
EUCLIDES NETO PARA CYRO DE MATTOS
Ipiaú - Ba - 1984
Meu afetuoso abraço.
Ando escabriado com você. É que recebi o Cantiga Grapiúna e só agora
reposto, passadas algumas safras. No destempo. Debite o atraso à excelência do
livro. Deixei-o sobre a mesa do escritório: alguém chegou, abriu, amarrou-se,
foi saindo, sempre lendo, grudado ao texto. Achei o troço curioso e, confesso,
não tive coragem de “estrovar” o motivo de tanto enlevo da moça – sim, era uma
moça! (salvo seja!) – que se prendia aos versos . A leitora viajou. E, confesso
ainda, o tempo enxugou a lembrança do fato. Muitos meses depois pensava eu
sobre a poesia na região do cacau quando me recordei dos poucos versos lidos no
ato do recebimento. Procurei o livro. Diabo! Escritório de advocacia, você
sabe, é o que se chama em linguagem de Frei Luís de Sousa: cu de mãe Chica.
Cadê o livro? Cadê o livro? Vem logo o palavrão de quem procura e não acha. Ah!
Aquela moça levou. Menino, vai atrás dela, traz a prenda. O positivo saiu na
busca e apreensão da tua obra. Nada. Voltou. A ladrona de versos (ah! se todos
o fossem) viajou. Procura a mãe da moça, pergunta se ela sabe... Com certeza a
filha levara... Sabia porque pedira a ela que deixasse o livro, começado a ler,
e também andava no apreceio. Volta a moça. Dei-lhe nos tampos. Cadê o livro,
menina? Ah! Uma amiga de Salvador viu e levou pra ler. Quero o livro, menina.
Vou mandar buscar. Manda, infeliz, preciso dar conta ao autor da gentileza.
Repare que a coisa ficou meio comprida e, só agora, meio machucado de tanta
leitura e agrado, volta o precioso “Cantiga Grapiúna”. Ainda bem que o li de um
gole, gustativando o que nele se contém, estalando a língua de contentamento.
A coisa se cola
naquilo que eu idealizava como poesia da querida nação cacaueira. Enfezo quanto
tentam tirar do regionalismo a densa qualidade artística que ele possui. Como
que os pernósticos da crítica julgam tratar-se de um troço inferior, assim como
desprezível música caipira, curiosa, bem verdade, mas indigna dos salões da
corte. Espécie de comida exótica para dias de piquenique, mas que não cabe no
banquete do rei. Talvez, complexo do eito da cana-de-açúcar. Acho que toda
grande obra é regionalista, pois todos os temas humanos pertencem à
generalidade dos moradores desse terráqueo nosso. Afinal, amor, “O Cavalo”,
“Boi São Bernardo”, “Ao Rio”, “Tropas” existem aqui ou em Katmandu.
“A servos e donos do orvalho diga
O vento sobre aroma em terra amarga”
“Lábios de sol e de chuva,
amaro travo nas vigas do tempo”
“Veias de sabre
viazul no píncaro
destro disparo”
Teria que copiar o livro...
Por coincidência
leio, também agora, vindo de São Paulo, o jornal “O Escritor” com o “Aníbal
Machado e A Metáfora da Ternura.”
Mais uma faceta
sua: romancista, contista, poeta, crítico. Pena a advocacia enxugar nos
insossos arrazoados parte do suco do seu talento. Paciência.
Outro abraço
Euclides Neto
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