Mamão Doce
Cyro de Mattos
Comer mamão doce como sobremesa depois da
refeição do almoço.
Nada era igual. Doçura pura. Mastigava com
prazer os pedaços adocicados da fruta.
Colocava com gosto na gaiola o pedaço do
mamão para o passarinho. Não podia deixar de fazer isso, o bichinho merecia
fazer o deguste prazeroso da fruta. Deu até para imitar o canto de vários
pássaros depois que bicava o pedaço de mamão maduro. Sinal que se sentia bem
com a vida que levava, embora seu canto fosse de um prisioneiro, sem voo, som e
pluma pelos ares das estações estáveis. Um canto inútil nos dias contrários da
gaiola. Sem beber dos ritmos da natureza, livres.
Passavam as estações sem ter a graça de viver
lá fora.
Virou rotina para o dono ter que limpar a
gaiola, depois que ele comia o mamão e cantava vários cantos, todos os dias.
Se
sacudia alegre no espaço pequeno da gaiola, enquanto bicava e comia o mamão.
Limpar todos os dias a gaiola. Que coisa
chata. Começou a se indignar com o passarinho. Comia o mamão, mostrava-se
alegre, deixava a gaiola suja, aquele passarinho nojento.
Contrariado, imaginando como se sair
daquela obrigação de limpar o que o passarinho sujava na gaiola.
“Deixe estar, seu dia vai
chegar, não vai mais sujar.”
Dessa vez deixou o pedaço de
mamão com um tantinho de coisa líquida dentro. O passarinho só deu um bicada no
pedaço do mamão. Caiu nervosinho, sem
canto, qualquer movimento que indicasse que ali na gaiola existia um bichinho
que ficava alegre imitando o canto de outros quando acabava de comer seu pedaço
de mamão.
O veneno fizera o efeito que
esperava.
“Agora
passarinho arreliento vá cagar e sujar na cidade dos nadas, lá não há mamão
doce pra você comer prazeroso. Acabou qualquer tipo de canto, bicho imundo,
teimoso.”
Assoviou, aliviado, como se tivesse
se livrado de uma coisa que lhe dava desconforto, transtornava.
“Triluli, trilulá, bem que disse que seu dia
ia chegar.”
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