Natal com Drummond
e Valdelice
Cyro de Mattos
Há
tempos vinha enviando em dezembro para pessoas de meu círculo afetivo,
parentes, amigos e escritores, minha mensagem de Natal acompanhada de um poema.
Penso que decorreram mais de trinta anos quando fiz o primeiro poema motivado
pelo Natal com essa intenção. Lembro do primeiro que enviei. Manjedoura — O
que mais encanta/ é acontecer o menino/ nas migalhas/ deste chão sonoro/ e
ganhar grãos azuis/na manjedoura dos ares.
Certa
vez ousei enviar para o poeta Carlos Drummond de Andrade a mensagem com um
desses poemas. Era um soneto, um soneto menor, com versos de cinco sílabas, que
contava a alegria de bichos e gente com o nascimento do menino pobre nas
palhas, que depois viria ser o bem-amado salvador da humanidade. Assim era o
sonetinho: Historinha do Menino Jesus — O galo cantou, / A vaca mugiu, / O
burro zurrou, / A ovelha baliu. // A rosa acordou, / O peixe sorriu, / A cabra
contou/ Que a cobra sumiu.// Foi tanto balão/ que subiu ao céu,/ Foi tanta canção//
Que ventou ao léu/ Que até hoje luz/ Do menino a cruz.
Não
demorou, um milagre aconteceu quando recebi do poeta Carlos Drummond de
Andrade, como retribuição à minha mensagem de Natal, o poemeto seguinte: A
Cyro de Mattos no Natal — Uma notícia irrompe desta árvore/ e ganha o mundo:
verde anúncio eterno/ Certo invisível pássaro presente/ murmura uma esperança a
teu ouvido. Depois de receber esse rico presente de um poeta grandão, de
minha predileção, que poderia um poeta inventor de ingenuidades, desconhecido,
morando e vivendo no interior da Bahia, querer mais naquele Natal?
O
poema de quatro versos do trivial lírico de Itabira, com suas ondas cheias de
ternura, dava-me a mesma sensação que tive quando era menino e acreditava em
Papai Noel. Como até hoje acredito, não sorria, faz favor. Recebi naquele Natal
que já vai muito longe como presente do bom velhinho uma bola de couro, que
encontrei no outro dia pelo amanhecer sobre meu par de sapatos. Era o que mais
queria, aquela bola de couro, para jogar futebol com meus queridos amigos nos
campinhos improvisados dos terrenos baldios. Atordoado, não sabia, naquele
instante, se o presente que me chegava do céu por encanto, com uma bola de
couro, novinha, era sonho ou verdade. Neste caso, eu havia feito um bilhete a
Papai Noel pedindo para que ele me desse no Natal a bola de couro e fui
atendido naquilo que tanto desejava. No caso dos versos de Carlos Drummond de
Andrade, chegou-me aquele presente de um coração lírico como era o do nosso
poeta maior, sem que eu nada lhe ter pedido. Sustos esplêndidos do Natal
aqueles, quer num caso, quer no outro.
Transcorridos dez anos, dei conta que
já havia enviado a cada dezembro para as pessoas um conjunto de poemas
inspirados no Natal. Resolvi reunir e publicar os poemas no pequeno livro Natal
Permanente, que teve ilustrações de Calasans Neto e o selo das Edições
Macunaíma, de Salvador. Naquele dezembro de 1986, enviei para as pessoas esse pequeno
livro, ao invés de um novo poema com tema do Natal, como eu vinha fazendo. Uma
das surpresas agradáveis que tive foi quando recebi da poeta conterrânea Valdelice
Soares Pinheiro uma pequena carta agradecendo o envio do meu pequeno livro. Ela
me dizia que Natal Permanente lembrava-lhe “fonte, peixe e comunhão”,
fazendo-a sentir “nesse caminho por onde os homens deveriam passar colhendo mel,
preparando o pão”. Observava: “Traz-me a alegria de descobrir que sou cavalo,
viagem, travessia desse menino, esse distante, mas ainda agora menino, que um
dia, trinta e três anos depois, pregado em uma cruz, sonhou ser a luz dos
homens, despregando, de seus braços doloridos, o amor e o perdão para a
compreensão de sua presença de Pai e Filho, que, em um só, queria criar o Reino
da Paz no Espírito Santo”. A certa altura, tomando emprestados alguns dos meus
versos, ela perguntava: “Terão os homens entendido essas proezas numa só
mesa de todas as mãos?”
Até hoje vou aos meus guardados e
busco a carta da conterrânea Valdelice Soares Pinheiro. Fico comovido quando a
leio na época do Natal. Ela termina por me dizer que meu pequeno livro, além de
estendê-la na consciência de não solidão, “me trouxe de volta a criança que um
dia, queira ou não queira, a gente pensa que perde”.
Natal
Permanente é o mesmo livrinho que passou a ser
chamado Oratório de Natal, publicado pela Fundação Cultural da Bahia, em
primeira edição, e, acrescido de mais dez poemas, em segunda, pela editora Duna
Dueto, do Rio de Janeiro. Com as
ilustrações singelas do desenhista Ângelo Roberto, baiano nascido em Ibicaraí,
que residiu muitos anos em Salvador, onde ficou conhecido como o poeta do
traço.
O
livrinho Oratório de Natal, que vem me dando alegria, continua
circulando em época ou não do Natal. Para que a vida seja sempre verde como na
campina. Para que a vida seja sempre mansa como na colina. Para que a vida como
a do menino dormindo no presépio seja sempre amiga e no meu peito cresça.
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