A Negação do Outro
A criatura humana procura aspectos negativos no outro para com a exclusão afirmar-se como o bom ou o melhor. O criador de realidades espirituais e o que pugna pelas coisas materiais não diferem, em essência, um do outro. É uma criatura só sob vários aspectos. Existe o artista invejoso como o homem, e o homem invejoso como o artista. Viver é perigoso, a romancista Virgínia Woolf disse. Se há riqueza nos gestos, pobreza da alma é clave na qual os seres humanos gostam de se fixar, estejam em qualquer lugar do rio da vida. Convivem com aquela sombra que infunde medo. O velho teme o novo, este recusa o velho. Quando em verdade se vê o velho, em sua maneira essencial de propor, também trazer o novo. E o novo, na sua maneira de estar no mundo, incorporar o velho naquilo que já foi desbravado, transgredido e consolidado. A vida como ela é mostra-nos Nelson Rodrigues em retratos reais, que impõem o trágico e o cômico.
O homem gosta de maquinar a razão e eleger o mal como modo de exercitar a vida. No enigma que é a vida fomos feitos frágil armação ante tudo que perdura indiferente. Nossa incompletude constantemente é feita de misérias, vaidades, egoísmo. Somos impelidos pelo instinto do símio que aniquila o anjo, sabendo-se que isso não leva a nada. O artista não foge à regra quando projeta realidades para abraçar círculos.
Nessa guerra que existe por aí, de cada um só pensar em si, o habitante do país das letras possui também suas fraquezas. Na sua fina arte reinventa a vida, pesa o imponderável, no tecido das idéias avança um pouco na obscuridade das coisas. Tenta negar a morte com a palavra que simula emoções diante do mundo. Através da cumplicidade do leitor torna o mundo um pouco viável. Na guerra sem testemunhas entram o poder e a glória, conquistados na ampliação de espaços que abrangem o adversário, separado por barreiras de fogo, temores, invejas e incômodos.
Li em “Uma Nova História da Música”, de Otto Maria Carpeaux, que Tchaikovsky tinha opiniões grotescas sobre a música ocidental. Dizia que “Bach é um bom compositor, mas não é um gênio”, Haendel “é compositor de quarta categoria.” De Beethoven só gostava das obras da mocidade, achava as outras composições “caóticas”. Brahms seria “uma mediocridade arrogante”. Wagner inspirava-lhe “tédio infinito”. Seu ídolo era Mozart. Detestava assim toda a outra grande música.
Ante as opiniões de Tchaikowsky sobre alguns gênios da música ocidental e as daqueles que não reconhecem o escritor se não estiver na confraria ou na parceria da afetividade, eleita por conveniência, cada um à procura de salvar a si mesmo, cabe aqui a lembrança do que li certa vez em um pára-choque de caminhão: MUITAS SÃO AS FORÇAS SÓ DEUS É O PODER.
Um dos verdadeiramente grandes escritores americanos do nosso tempo, um dos maiores de todos os tempos, Prêmio Nobel, o romancista William Faulkner confessou certa vez que, se não tivesse escrito seus livros, algum outro o teria feito: Dostoievski, Hemingway, todos nós. A prova do que afirmava estava no fato de que existiam três candidatos para a autoria das peças de Shakespeare, mas o que importava não era quem escreveu “Hamlet”, “Sonho de Uma Noite de Verão”, mas o fato de se ter escrito esses livros. De acordo com o renovador do romance moderno:
“O artista não tem importância. Só é importante o que ele cria, já que não existe nada de novo para ser dito. Shakespeare, Homero, Balzac, todos escreveram as mesmas coisas e, se eles tivessem vivido mil ou dois mil anos, os editores não teriam, desde então, necessidade de ninguém mais”. ( em “Escritores em Ação”, pág. 37, editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1968)
O que afirmou o autor de várias obras-primas do romance universal não pode deixar de ser considerado.
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