Dor de dente
Cyro de Mattos
Passei dois dias com a dor de dente. Escondi de minha mãe até quando pude. Não queria ir ao dentista, tinha medo. Soube que o dentista metia a seringa na boca para furar lá dentro a gengiva com a agulha e naquele local da dor aplicava a anestesia. Gostava também de passar o motorzinho no dente, depois de extraído o nervo, tentando deixar a obturação com um bom acabamento. Essas coisas bem desagradáveis apareciam no íntimo de cada menino, antes de ir ao dentista. Ficavam desafiando a sua coragem quando fosse tratar do dente. Nessas horas, o menino devia ser um homem para não se borrar e urinar na calça.
No terceiro dia não consegui mais esconder de minha mãe a dor de dente. À noite comecei a chorar no quarto e tentei abafar o choro no travesseiro. Teve uma hora que não suportei mais, solucei e comecei a chamar por minha mãe.
Ela veio até o meu quarto.
- Por que está chorando?
- Não agüento mais.
- É alguma dor na barriga?
- Não, é no dente.
Ela mandou que eu esperasse um pouco. Foi até o armário da cozinha e ali, na gaveta, apanhou a pasta Tira-Dor. Aplicou o remédio em minha gengiva, no local onde o dente doía. Logo senti um alívio.
- Vá dormir. Amanhã cedo vou lhe levar à dentista.
O que ela me disse foi o suficiente para que eu ficasse alarmado e demorasse a pegar no sono.
Minha mãe chegou cedo comigo no outro dia ao consultório da dentista. Já havia na sala um menino para fazer o tratamento no dente. Estava acompanhado da mãe. Daí a pouco instante a dentista abriu a porta do gabinete e disse que a mãe já podia entrar com o filho para começar o tratamento.
Estava inquieto junto à minha mãe. O que é que se passava mesmo lá dentro entre a dentista e o menino? Não tinha bons pensamentos, imaginava que o pior estava acontecendo com o menino no tratamento de seu dente. Depois de algum tempo, o menino saiu com a mãe como se nada de mais tivesse acontecido lá dentro durante o tratamento de seu dente. Vi que o menino era do meu tamanho, devia ter a minha idade, uns oito anos. A dentista despediu-se do menino, fazendo um agrado com a mão na cabeça dele.
Elogiou:
- Parabéns, menino, você já é um homem. Não chorou um minuto, não se borrou nas calças nem urinou na cadeira.
A mãe do menino saiu puxando o filho pela mão, feliz com o que acabara de ouvir da dentista.
Agora seria a minha vez para a dentista examinar meu dente. Comecei a tremer e, a seguir, chorar, dizendo à minha mãe que não ia abrir a boca para a dentista furar com a agulha e depois meter lá dentro o motorzinho.
Chorei alto e demorado, esperneei e solucei, até que fui diminuindo o choro e aí eu parei de soluçar. A dentista e minha mãe esperaram que eu ficasse calmo depois da crise de choro. Então minha mãe puxou-me pela mão e me levou para dentro do gabinete.
Lá dentro:
- Abra essa boca, menino, que não vai doer, é pura impressão sua.
Fiquei de boca fechada.
Ela insistiu, dizendo para minha mãe:
- Pensei que você ia me trazer um menino corajoso como um homem e me trouxe um mariquinha, bom de vestir saia como uma menina.
Não gostei do que a dentista disse e resolvi, aborrecido, abrir a boca.
Fechei os olhos quando ela furou minha gengiva com a agulha da seringa e aplicou a anestesia. Fechei de novo quando ela começou a examinar meu dente, escarafunchando com um estilete minha dentadura. Aplicou alguns pequenos jatos de água no dente atingido pela dor. Fez a limpeza, pulverizou. Aplicou uma pasta branca e encerrou o tratamento. Marcou o dia do meu próximo retorno para continuar o tratamento,
- Não vai ser preciso extrair o dente do menino, vamos obturá-lo.
Minha mãe recebeu dela a receita para comprar o remédio. As pílulas deviam ser tomadas três vezes ao dia, uma de cada vez, para que eu não sentisse mais dor no dente, até que chegasse o próximo dia marcado para o meu retorno ao gabinete da dentista.
Cheguei suado lá em minha casa, o rosto com uma cor pálida, os olhos esbranquiçados, a voz saía sumida, sem graça. Estava preocupado com o que poderia acontecer comigo quando retornasse ao gabinete da dentista para continuar o tratamento. Minha mãe pediu que eu tirasse a calça. Ficou aborrecida quando notou que estava borrada e manchada de urina.
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