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sexta-feira, 8 de novembro de 2013

                                            Dor de dente

                                                                  Cyro de Mattos
                     
                Passei dois dias com a dor de dente. Escondi de minha  mãe até quando pude. Não queria ir ao dentista, tinha medo. Soube que o dentista metia a seringa na boca para furar lá dentro a gengiva com a agulha e naquele local da dor aplicava a anestesia. Gostava também de passar o motorzinho no dente, depois de extraído o nervo, tentando deixar a obturação com um bom acabamento. Essas coisas bem desagradáveis apareciam no íntimo de cada menino, antes de ir ao dentista. Ficavam desafiando a sua coragem quando  fosse tratar do dente. Nessas horas, o menino devia ser um homem para não se borrar e urinar  na calça.
          No terceiro dia não consegui mais esconder de minha mãe a dor de dente. À noite comecei a chorar no quarto e tentei abafar o choro no travesseiro. Teve uma hora que não suportei mais, solucei e comecei a chamar por minha mãe.
          Ela veio até o meu quarto.
           - Por que está chorando?
           - Não agüento  mais.
           - É alguma dor na barriga?
           - Não, é no dente.
           Ela mandou que eu esperasse um pouco. Foi até o armário da cozinha e ali, na gaveta, apanhou a pasta  Tira-Dor. Aplicou o remédio em minha gengiva, no local onde o dente doía. Logo senti  um alívio.
           - Vá dormir. Amanhã cedo vou lhe levar à dentista.
           O que ela me disse foi o suficiente para que eu ficasse alarmado e demorasse a pegar no sono.
           Minha mãe chegou cedo comigo no outro dia ao consultório da dentista.  Já havia na sala um menino para fazer o tratamento no dente. Estava acompanhado da mãe. Daí a pouco instante a  dentista abriu a porta do gabinete e disse que a mãe já podia entrar  com  o filho  para começar o tratamento.  
           Estava inquieto junto à minha mãe. O que é que se passava  mesmo  lá dentro entre a dentista e o menino? Não tinha  bons pensamentos, imaginava que o pior estava acontecendo com o menino no tratamento de seu dente.  Depois de algum tempo, o menino saiu com a mãe como se nada de mais tivesse acontecido lá dentro durante o tratamento de seu dente.  Vi que o menino era do meu tamanho,  devia ter a minha idade, uns oito anos. A dentista despediu-se do menino, fazendo um agrado com a mão na cabeça dele.
              Elogiou:
              - Parabéns, menino, você já é um homem. Não chorou um minuto, não se borrou nas calças nem urinou na cadeira.
             A mãe do menino saiu puxando o filho pela mão, feliz com o que acabara de ouvir da dentista.
              Agora seria a minha vez para a dentista examinar meu dente. Comecei a tremer e, a seguir, chorar, dizendo à minha mãe que não ia abrir a boca para a dentista furar com a agulha e depois meter lá dentro o  motorzinho.
            Chorei alto e demorado, esperneei e solucei, até que fui diminuindo o choro e aí eu parei de soluçar.   A dentista e minha mãe esperaram que eu ficasse calmo depois da crise de choro.  Então minha mãe  puxou-me  pela mão e me levou para dentro do gabinete.
            Lá dentro:
            - Abra essa boca, menino, que não vai doer, é pura impressão sua.
            Fiquei de boca fechada.
            Ela insistiu, dizendo para  minha mãe:
             - Pensei que você ia me trazer um menino corajoso como um homem e me trouxe um mariquinha, bom de vestir saia como uma menina.
            Não gostei do que a dentista disse e resolvi, aborrecido,  abrir a boca.
            Fechei os olhos quando ela furou minha gengiva com a agulha da seringa e aplicou a anestesia. Fechei de novo quando ela começou a examinar meu dente, escarafunchando com um estilete minha dentadura. Aplicou alguns pequenos jatos de água no dente atingido pela dor. Fez a limpeza, pulverizou. Aplicou uma pasta branca e encerrou o tratamento. Marcou o dia do meu próximo retorno para continuar o tratamento,
            - Não vai ser preciso  extrair o dente do menino, vamos obturá-lo.
             Minha mãe recebeu dela a receita para comprar o remédio. As pílulas deviam ser tomadas três vezes ao dia, uma de cada vez,  para que eu não sentisse mais dor no dente, até  que chegasse o  próximo dia marcado para o meu retorno  ao gabinete da dentista. 
             Cheguei suado lá em minha casa, o rosto com uma cor pálida, os olhos esbranquiçados, a voz saía sumida, sem graça.  Estava preocupado com o que poderia acontecer comigo quando retornasse ao gabinete da dentista para continuar o tratamento.  Minha mãe pediu que eu tirasse a calça. Ficou aborrecida quando notou que estava borrada e manchada de  urina.





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