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segunda-feira, 25 de junho de 2018


            



           Torcedor na Desportiva    

                                                             
Cyro de Mattos

Penso que um futebol amador de jogadores com boa técnica, que  se exibiam no velho e saudoso Campo da Desportiva, não deveria ficar esquecido. Merece um museu  para que um dos aspectos da nossa memória seja valorizada.  Sirva  para que as novas gerações tomem conhecimento  de que é o homem que faz o lugar e  não o lugar que faz o homem.  Faz-se necessário  que o teor do que acabei de dizer seja explicado melhor. É imperioso que o futebol amador de nossa cidade, na fase áurea,  seja mostrado aos conterrâneos e visitantes, curiosos e estudiosos. Como nasceu e se desenvolveu  com tão boas qualidades técnicas, em seu longo curso de amadorismo. Avaliado nas razões de como jogadores que não eram profissionais, numa época distante do interior baiano, longe de centros esportivos desenvolvidos, como Rio e São Paulo, ou até Recife,  Belo Horizonte e Porto Alegre, deram espetáculos com um potencial técnico surpreendente, movido com arte e emoção.
Jogadores amadores que podiam vestir a camisa de  grandes clubes brasileiros, se tivessem atuando hoje. Não será exagero afirmar que com sorte alguns desses jogadores poderiam chegar  até mesmo à Seleção Brasileira. Cito três: Léo Briglia, Déri e Fernando Riela. Como aconteceu com Perivaldo, que surgiu no declínio do Campo da Desportiva, ou com outros de época mais recente, quando então os meios de comunicação fazem ficar conhecidos os atletas que jogam  em lugares distantes desse imenso Brasil. 
                         Sem ufanismo, sabem como eu os mais antigos desportistas de minha terra natal, vários  deles hoje passando dos setenta anos, que aqueles jogadores amadores escreveram, no piso esburacado de um estádio acanhado, páginas belas de uma das nossas maiores paixões populares. Basta dizer que meio século depois nenhuma cidade do interior da Bahia conseguiu igualar a saga da seleção amadora,  campeã seis vezes seguidas pelo Intermunicipal. Antes de alcançar essa marca, venceu  o Torneio Antonio Balbino, em Salvador, no qual participaram outras boas seleções do interior baiano. .
             Publiquei um livro sobre esse futebol amador  para contribuir um pouco com a preservação dessa memória. Promovi quando gestor cultural da cidade o documentário “Saudosa Desportiva, Gloriosa Seleção”. Sua exibição foi um sucesso. Tocou os corações de muitos,   familiares de jogadores, torcedores daquela época do futebol amador,  curiosos de ontem e hoje. Na tela do palco do Centro de Cultura Adonias Filho,  uma seleção amadora de futebol ressurgiu do fumo do tempo para mostrar  uma das faces da alma do povo brasileiro: o futebol. Jogado com emoção e garra,  classe e algum feitiço no campinho do interior.
           Sempre estou agradecendo àqueles artistas da bola na época de ouro de nosso futebol amador, pelas  alegrias que  deram no velho e saudoso Campo da Desportiva. Deles e do velho campo, com os momentos fascinantes, agradáveis e divertidos,  não  devo esquecer.  Como neste poema que escrevi:
Soneto do Campo da Desportiva - De zinco era coberta a arquibancada /A cancha tinha um piso esburacado./ Nem um pouco essa chuva demorada/Conseguia deixar desanimado/ O torcedor, que curtia a jogada / Do seu ídolo na bola passada./Dos pés a mágica mostrava ser / Tudo um sonho para nunca esquecer./ O gol de placa do atacante quando/ A partida já chegava ao final/E a marca da seleção que venceu/ Tantas vezes o intermunicipal/ Seguiram-me na torcida de meu/ Time pelos estádios do  mundo.   








segunda-feira, 11 de junho de 2018


                  


                   O Futebol Nosso de Cada Cronista

                    Cyro de Mattos      


Disputado por dois times, o  futebol tem como objetivo fazer entrar a bola  no gol defendido pelo adversário. Como arte nascida do pé na bola descreve  linhas e curvas incríveis no decorrer da partida. Nos dois tempos com intervalo, ora faz parte do jogo a ginga e o toque sutil, ora o passe preciso e o tiro certeiro. As cenas que causam espanto aos que estão no estádio resultam do empenho e suor gasto no esforço de cada lance. A bola rola macia no tapete verde ou salta na grama maltratada do campo de várzea. Uma das proezas do futebol consiste em impulsionar o coração para as zonas em que uma gente apaixonada transpira pulsações alegres e dramáticas.
               Provoca uma febre que lateja em sua brasa verdejante e se expande por toda a extensão dos meses no ano. Como gosta de criar apreensões, ritmos frenéticos quando se trata  de uma Copa do Mundo, até mesmo se for uma disputa de dimensão  nacional, estadual ou municipal. Tremores,  clamores, rancores. Vaias da galera formada de todas as gradações sociais.
Surpreende quando  irrompe das gargantas no grito de gol,  pura curtição da felicidade. Tamanha é uma flor nesse grito ferindo e atordoando que ela se torna mais bela quanto mais sonora. O grito de gol irrompido com tanta força tremula nas bandeiras com o escudo do clube ou a cara do ídolo. Ele é carregado até as nuvens com gritos e ovações.  De repente, lá do alto, derrama uma água que  molha de amor o mundo fero e solitário aqui embaixo.  Esse mesmo mundo que nós os humanos teimamos  em forjar com lances de tristeza, rasteiras e carrinhos impiedosos, todos os dias, no duro embate  dos dias. Assim levado pelas nuvens,  lá vai o futebol em seu percurso de paixão do qual faz descer uma chuva  que alaga de emoção a vida, cheia de explicações duvidosas, mas feita também de poesia, inexplicável, tão dela. 
Nos textos  de alguns de nossos  craques das letras,  aqui vestindo as cores de um timaço das letras, vemos como o futebol  seduz com suas artimanhas, feitiços e sustos esplêndidos. O quanto é amoroso e imprevisível. Cria situações inusitadas, tornando as coisas relativas, escreve Luís Fernando Veríssimo. Maltrata  com a mesma mão que afaga. Renuncia às necessidades materiais do cotidiano. Fica radiante de beleza no  lado onde se alojou a vitória,  faça sol ou chuva. No lado dos pesares, a turma deixa o estádio inconformada,  não querendo acreditar no que viu e sentiu. Nessa romaria de frustrações lá vai o futebol em silêncio,  mastigando as amarguras da derrota.
Nesse jogo que tantas vezes imita a vida,  cheia de calor e pressentimentos,   é que o futebol imprime em todos nós suas marcas de encantamento,  entre o alegre e o triste.  Assim o vemos agora,  de crônica em crônica. Com Armando Nogueira, por exemplo,  um pouco da história de nosso futebol sai dos bastidores para que se conheça  o heroísmo de Vavá, o Leão da Copa de 58, nos gramados da Suécia. Em Carlos Drummond de Andrade,  de repente o ódio faz-se alegria, o futebol afugenta mazelas, não quer saber da morte. O coração do poeta  está feliz no México e com o dele o de milhões de brasileiros, que sente do lado de cá  como é bom chover papéis picados pelas ruas e explodir fogos de artifício  loucos no céu  quando se ganha uma copa do mundo. Melhor ainda se o feito  é creditado a uma seleção inigualável  de craques,  comandados por Pelé, o “sempre rei republicano”.
O futebol chega a ter sabor de obra-prima quando  é descrito  por  Fernando Sabino em Iniciada a Peleja. Se impõe nesse momento  de reunião importante dos executivos para tratar de assunto sério. Fala mais alto  em cada lance vibrante,  chegando ao ouvido do torcedor atento e nervoso, através de um pequeno rádio de pilha. Já Carlos Heitor Cony mostra  como o  futebol é muito perigoso. Tem dessas coisas que ultrapassam o óbvio ululante de qualquer criatura sensata quando se trata de salvar a pele.  Abala uma nação inteira que quer ver o diabo em sua frente do que o bandeirinha brasileiro que marcou um impedimento dos mais graves e tirou o título de campeão sul-americano  dos nossos “hermanos”, em território argentino, favorecendo  os arquirrivais uruguaios, no último minuto.
Na trama que prende do princípio ao fim, aqui está, nestas referências  de  alguns cronistas bons de bola,  nossa maior paixão popular. Esses craques das letras brasileiras mostram, em breves passagens,  como o futebol  é tão íntimo da vida. Se possui seus imprevistos sob os instantes do sol ou da chuva,  depende do carinho para sobreviver naquele espaço verde que encanta.  Com freqüência está a dizer que vencer torna a vida leve. Quando se perde, meu Deus, como machuca. 
De qualquer maneira, com sorte ou azar, seu refrão diz que vale como paixão e diversão.