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sábado, 19 de outubro de 2019



JORNALISTA IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO TOMA POSSE NA CADEIRA 11 DA ABL E AFIRMA: “NÃO PODEMOS REPOUSAR A CABEÇA ALHEIOS AO TERROR NEM PERMITIR QUE NOS ARRANQUEM A VOZ DE NOSSAS GARGANTAS” 
A chegada de Ignácio de Loyola Brandão à Academia Brasileira de Letras constitui motivo de júbilo pessoal e institucional. Somos leitores de sua bela ficção, audaciosamente brasileira, composta de muitas vozes. Ignácio realiza em plenitude o diálogo entre literatura e liberdade. Tal gesto reflete o destino da Casa de Machado. Bem-vindo, Ignácio”, afirmou o Presidente da ABL, Acadêmico Marco Lucchesi.


O jornalista Ignácio de Loyola Brandão tomou posse na Cadeira 11 da Academia Brasileira de Letras, hoje, sexta-feira, dia 18 de outubro, em solenidade no Salão Nobre do Petit Trianon. O novo Acadêmico foi eleito no dia 14 de março deste ano, na sucessão do Acadêmico Helio Jaguaribe, falecido em 9 de setembro de 2018. Em nome da ABL, o Acadêmico e escritor Antônio Torres fez o discurso de recepção.
Antes, Ignácio de Loyola Brandão discursou na tribuna. Ao terminar, assinou o livro de posse. A seguir, o Presidente Marco Lucchesi convidou o Acadêmico Celso Lafer para fazer a aposição do colar; o Acadêmico e professor Arnaldo Niskier (decano presente) para entregar a espada; e a Acadêmica Rosiska Darcy de Oliveira para entregar o diploma. Terminada a cerimônia, o Presidente, então, declarou empossado o novo Acadêmico.
A mesa da cerimônia foi presidida por Marco Lucchesi e composta pelos Acadêmicos Ana Maria Machado, José Murilo de Carvalho, Merval Pereira e Antônio Torres.
Os ocupantes anteriores da Cadeira foram: Lúcio de Mendonça (fundador) – que escolheu como patrono Fagundes Varela –, Pedro LessaEduardo RamosJoão Luís AlvesAdelmar TavaresDeolindo CoutoCelso Furtado e Helio Jaguaribe.

DISCURSO DE POSSE
Em seu discurso de posse, o Acadêmico Ignácio de Loyola Brandão declarou: “para desenvolver o Brasil precisamos de Desenvolvimento, democracia, liberdade, saúde para sobreviver, ensino e trabalho, ausência de fome e miséria, de segurança e acima de tudo ética e verdade. E principalmente nos relacionarmos sem ódio, indignação, acirramento.” 
E encerrou: “não podemos repousar a cabeça alheios ao terror nem permitir que nos arranquem a voz de nossas gargantas”.

DISCURSO DE RECEPÇÃO
O Acadêmico Antônio Torres afirmou em seu discurso de recepção: “precisaria de mil e uma noites para juntar no Salão Nobre do meu cérebro todos os grãos separados em minhas leituras, releituras, anotações, e memórias em torno da sua imensurável trajetória.
“Eu me recordo de uma redação agitada e barulhenta de um jornal vibrante, no Vale do Anhangabaú, na qual éramos colegas de trabalho há mais de um ano, mas pouco nos falávamos.
“Num dia em que bati o ponto no grande relógio postado um pouco além da porta de entrada da redação bem antes da hora, imaginando ser o primeiro a chegar, fui surpreendido com o tac-tac-tac de uma máquina de escrever, único sinal de vida naquele salão vazio. Ao passar perto de quem, de costas para a entrada, catava feijão nas teclas completamente absorvido pelo seu matraquear, tive outra surpresa: a de um aceno para que me aproximasse. A mão que acenava apontou para uma pilha de páginas que mal cabiam na borda de uma estreita mesa, enquanto uma voz dizia: - Dá uma olhada nisso.
“E foi assim, ao acaso, que me senti testemunha ocular do nascimento do primeiro livro de um escritor que não demoraria muito a se tornar um dos expoentes de uma geração que chegaria a esta Casa”.


O NOVO ACADÊMICO
Ignácio de Loyola Brandão nasceu em Araraquara, São Paulo, em 1936. Jornalista na sua cidade natal, foi para São Paulo aos 21 anos, onde continuou sua carreira. Trabalhou no jornal Última Hora, nas revistas Cláudia, Realidade, Setenta, Planeta, Ciência e Vida, Lui e Vogue. Atualmente escreve uma crônica quinzenal para o jornal O Estado de S. Paulo.
Viveu em Roma e depois em Berlim. Em 2008, ganhou o prêmio Jabuti, com o O Menino que Vendia Palavras, considerado a melhor ficção do ano. Em 2011, lançou A Morena da Estação, crônicas sobre trens, ferrovias, estações. Publicou, em 2014, Os olhos cegos dos cavalos loucos, um emocionante pedido de perdão de um neto para seu avô. Em 2016, recebeu o Prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras pelo conjunto de sua obra.
Para ele, literatura é sonho, paixão, divertimento, prazer, viagem por mundos desconhecidos, terapia. Com sua filha Rita Gullo subiu ao palco em teatros e nas unidades do SESC com o show “Solidão no fundo da agulha”, experiência inédita em que relembra momentos importantes de sua biografia.
Publicou mais de 40 livros, entre romances e contos, crônicas infantis e infantojuvenis. 


segunda-feira, 14 de outubro de 2019





O Menino e a Bola
         Cyro de Mattos

-         Abra essa porta, menino.
-         Não quero não.
-         O que é que você tem?
-         Não sei.
-         Por que você não acaba com esse choro?
-         Não posso não.
-         Você vai ficar trancado aí dentro o tempo todo?
-         Vou.
-         E sua mãe, seu pai?
-         Eu não quero ver ninguém.
-         Jura?
-         Não quero.
-         E seus brinquedos?
-         Dê pro Tonico.
-         Deixe de bobagem, Vilinho. Tudo já passou.
-         Eu não vou esquecer.
-         Esqueça tudo, Vilinho. Você já é um homem.
-         Não posso.
-         Mas que coisa mais esquisita!
-         Ainda dói, tio.
-         O quê?
-         Dói muito, aqui no lado esquerdo.
-         Você foi o vencedor?
-         Fui.
-         E então? O que é que você mais queria?
-         Isso não importa.
-         Como não importa?
-         Eu já disse que nunca vou esquecer.
-         Tire,  menino, tire logo essas bobagens da cabeça.
-         Não posso.
-         E por que você não pode?
-         Tio, por favor...
-         Olhe, o Tonico e o Dudu estão aqui fora.
-         Eles ainda estão aí? E por que não vão embora?
-         Eles estão dizendo que você tinha razão, foi provocado primeiro.
-         Eu não queria.
-         Hein?
-         Não queria brigar não.
-         Mas isso tinha que acontecer um dia.
-         Eu já disse que não queria.
-         Aconteceu também comigo quando eu tinha a sua idade.
-         Antes eu tivesse dado a bola a ele.
-         Ele quem?
-         O Armando, que quis tomar minha bola.
-         O filho do juiz?
-         Ele mesmo.
-         Mas ele é maior que você!
-         É.
-         E você ganhou mesmo a briga?
-         Ganhei.
-         No duro?
-         Ganhei.
-         Fale a verdade.
-         Estou falando.
-         Você bateu muito nele?
-         Bati.
-                                                  -  Então por que todo esse choro? Por que ficar trancado aí dentro o tempo todo?
-         Eu não  tive outro jeito.
-         O que mesmo?
-         Não tive outro jeito.
-         Abra essa porta, menino!
-         Não abro.
-         Vai abrir ou não vai?
-         Acredite, tio, só bati nele pra me defender.
    Um choro agudo irrompeu dentro do quarto.
-         Abra essa porta, Vilinho. Por que você não quer abrir?
-         Não posso.
-         Abra logo. O Tonico e o Dudu estão querendo falar com você.
-         Não me interessa falar com ninguém.
-         Por que você não quer?
-         Porque não quero.
-         Quer que eu mande chamar seus pais?
-         Não.
-         Tem certeza?
-         Tenho.
-         E o que é que você quer que eu faça?
-         Tio, por favor, vá embora... me deixe aqui em paz.
     E o choro agudo continuou dentro do quarto.

                           






terça-feira, 8 de outubro de 2019




Novo livro de Cyro de Mattos
É de Poemas Sobre o Negro



Com quase oitenta e um anos de idade, mais de cinqüenta dedicados à literatura, o escritor baiano Cyro de Mattos,  membro da Academia de Letras da Bahia, continua em plena  vitalidade de  criação literária.  Seu novo livro,   Poemas de Terreiro e Orixás, que acaba de ser publicado pela Mazza Edições (BH) , vai ser lançado no dia 30 de outubro, às 17 horas, na sede da Academia de Letras da Bahia, na avenida Joana Angélica, 198, Nazaré, Salvador.
           Em Poemas de Terreiro e Orixás,  Cyro de Mattos comparece com um  modo encantatório de pensar o negro. Seus sentimentos refletem um jeito comovente de ser negro, ritmado no canto vindo da África, que transforma a alma em crença e magia.  As imagens de seus versos dizem de coisas tristes,  que não se apagam no rastro das distâncias, na sucessão infeliz dos momentos.  Mas há também nelas  vozes de uma gente alegre, que consegue suplantar os limites contrários impostos pela existência.
       Com saberes, histórias, sonhos, costumes,  preceitos, liturgias, os poemas desse livro apresentam o negro com seus orixás, sua cantiga feita de amor, para seduzir com  solidariedade.  Esse  negro afrodescendente com o  seu universo plantado na Bahia, como testemunho do homem carregado de poesia,  valores que tornam  perceptíveis os movimentos viáveis da vida.