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quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

 

Escritor Cyro de Mattos

Ganha Prêmio das Artes

Jorge Portugal da FUNCEB

 

Com o projeto de publicação da obra Canto até Hoje, o poeta Cyro de Mattos foi vencedor no Prêmio das Artes Jorge Portugal – Literatura – 2020, patrocinado pela Fundação Cultural da Bahia, no Programa Aldir Blanc. O prêmio a que o poeta fez jus é de 40 mil reais, que serão empregados na produção do livro Canto até Hoje, a ser publicado com o selo editorial da Fundação Casa de Jorge Amado, de Salvador, na Coleção Casa de Palavras.

           Com capa do consagrado desenhista Juarez Paraiso, prefácio do crítico Oscar D’Ambrósio, doutor em Artes da Universidade de Mackenzie, membro da Associação de Crítica Internacional, (SP), Canto até Hoje é um alentado volume de oitocentas páginas, constituído de livros publicados no Brasil e exterior, e ainda inéditos, além de apresentar um conjunto de textos críticos assinados por Jorge Amado, Eduardo  Portella, Helena Parente Cunha, Assis Brasil, Mário da Silva Brito, Carlos Moisés, Hélio Pólvora, Graça Capinha, Maria Irene Ramalho, Alfredo Pérez Alencart e outros.                                      

           Os livros que compõem  o volume Canto até Hoje são esses: Cantiga Grapiúna, Lavrador Inventivo, No Lado Azul da Canção, Vinte Poemas do Rio, Viagrária, A Casa Verde, Cancioneiro do Cacau,  Os Enganos Cativantes, Vinte e Um Poemas de Amor, Poemas Ibero-Americanos, Poemas de  Terreiro e Orixás, O Discurso do Rio; os inéditos Nesses Rumores e Mares, Agudo Mundo, Zurubundunga e Capanga de Sonetos;  os traduzidos e editados no exterior Canti della terra e dell’acqua,  Poesie Brasiliane della Bahia, Zwanzing Gedichte von Rio und Andere Gedichte, Donde Estoy y Soy, De Tes Instants dans le Poème, Il Bambino Camelô, Twenty River Poems, The Green House  e Of Cocoa and Water.

           A publicação de Canto até Hoje é uma edição comemorativa dos 60 anos de atividades literárias do autor.

 

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

 

TE ESTREMECES POR EL LOBO Y EL CORDERO

              Poema de Alfredo Pérez Alencart *

 

Te estremeces por el lobo y al cordero.

Amas ultrahumanamente, sin límites, como la música

del universo. Oh profunda sinfonía forjando

lo sagrado de principio a fin, alto asidero donde sobrepuja

la esperanza. Oh sucesión eterna que desatas

unisonancias, instintos trajinando hacia el magma

de lo trascendente, de la cadencia absolutoria

concebida compartiendo a ultranza las aguas profundas

y las hondas delicias de un contravuelo angélico

que se abroquela para recibir al Viento más feraz.

Siempreviva estás, trashumante presencia.

Te hospedas en la Luz que no aniquilan los ocasos.

Estando sin estar, eres evidencia,

cerebro verbal resaltando chispas de pureza,

latidos sin cautiverio, ciertísimo llamado de traslación

más allá de anhelos y desveladas ensoñaciones.

Pertenencia al páramo del Desprendido de sí,

a su oculto ritmo, a su lenta llama venturosamente

extemporal, cual indescifrable alianza.

Pertenencia al portal de los testigos,

al presagio de otro Reino, al aliento acrisolado

cual plenitud donde prospera lo sublime.

Pertenencia al verbo de una estrella.

Pertenencia al llagado cuerpo de doliente ternura.

Pertenencia al ala que se desvanece por los aires.

Pertenencia al linaje que acopia inocencias de siete en siete.

Te perpetúas en la antelación de la alegría

y asciendes, porque tu Unidad sabe la fórmula

de diásporas y deslumbramientos.

Clamas por tu orfandad. Clamas contra látigos agresivos,

fraternizando con los perseguidos, abrazándoles,

compartiéndoles la realidad que hay en los milagros.

Nada te desmide,

Criatura de nombre hermosamente pronunciado,

piel consumante, contorno que se aviene a penetrar

en frondas de cálido renacer.

Mantienes el don de ser el antes y el después,

lámpara alumbrando los vuelos breves del pájaro, su sombra

en la alta noche del abismo.

Conduces los fervores hacia el alba adolescente,

pulsas con tu estatura de Árbol de vida, riegas violetas

con el cause de tus transpiraciones.

¡Horizontal ejemplo el de las manos extendidas,

el del pulso que sustenta! ¡Belleza de la Forma en el paisaje!

¡Oh Dios, qué desnudo afán el de este Amor

avanzando eterno, dándose así, tan pródigo!

 

¿Qué savias vas donando?, ¿qué otras luciérnagas te rondan?

 

 TE AGITAS PELO LOBO E O CORDEIRO 

        Poema de Alfredo Pérez Alencart

               Tradução de Cláudio Aguiar*

 

Te estremeces pelo lobo e pelo cordeiro.

Amas de forma ultra-humana, sem limites, como a música

do universo. Oh profunda sinfonia forjando

o sagrado do começo ao fim, alto pretexto onde domina

a esperança. Oh sucessão eterna que desencadeias

assonâncias, instintos laborando rumo ao magma

do transcendente, da cadência absoluta

concebida com o compartilhamento das águas profundas

e das saborosas delícias de um contravoo angelical

acomodadas para suportar o Vento mais copioso.

Estarás como a sempre-viva, qual presença transumante.

Ficarás na luz que não mata o pôr do sol.

Estando sem estar, tu eres evidência,

cérebro verbal destacando faíscas de pureza,

pulsações sem cativeiro, correta chamada de translação

além de anseios e de desvelados sonhos.

Pertencias ao terreno do Despretensioso,

ao seu ritmo oculto, à sua chama lenta, felizmente

extemporânea, qual aliança indecifrável.

Pertencias ao portal das testemunhas,

para profecia de outro Reino, ao refinado alento,

cuja plenitude reside onde floresce o sublime.

Integravas o verbo de uma estrela.

Pertencias ao corpo ferido de ternura sofredora.

Pertencendo à asa que desaparece pelos ares.

Pertencias à linhagem que coleta inocências de sete em sete.

Te perpetuas na antecipação da alegria

e ascendes, porque tua Unidade conhece a fórmula

das diásporas e dos deslumbramentos.

Clamas por tua orfandade. Clamas contra chicotes agressivos,

confraternizando com os perseguidos, abraçando-os,

compartilhando com eles a realidade dos milagres.

Nada te rebaixa,

criatura de nome formosamente pronunciado,

pele aliciante, contorno para penetrar

em frondes de renascimento quente.

Tu manténs o dom de ser o antes e o depois,

lâmpada iluminando os breves voos do pássaro, sua sombra

na alta noite do abismo.

Conduzes os fervores rumo ao amanhecer adolescente,

pulsas com tua estatura de Árvore da vida, regas violetas

com o leito de tuas transpirações.

Exemplo horizontal o das mãos estendidas,

o do pulso que sustenta! Beleza da forma na paisagem!

Oh Deus, que desejo nu é este Amor

avançando eterno, dando-se, assim, tão pródigo!

 

Que seivas estás doando? Que outros vaga-lumes te rodeiam?

 

 

*Poeta peruano-espanhol, Alfredo Pérez Alencart reside em Salamanca, Espanha, onde é professor universitário e organizador dos Encontros de Poetas Ibero-Americanos. Poeta premiado, de reconhecimento internacional. Já publicou mais de uma vintena de livros de poesia, é traduzido e publicado em inúmeros idiomas.  

** Cláudio Aguiar é ficcionista e ensaísta. Autor premiado com o Jabuti e pela União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro. Foi presidente do Pen Clube do Brasil.

domingo, 7 de fevereiro de 2021

O homem que sabia a verdade

 

Cacá Diegues                                                                     5 de fevereiro de 2021

 

Já disse, mais de uma vez, que João Ubaldo Ribeiro foi um presente que Glauber Rocha me deu. Quando soube que eu ia à Bahia pela primeira vez, para apresentar “A grande cidade”, meu segundo longa-metragem, num festival local, Glauber decretou formalmente que eu não veria ninguém na cidade antes de conhecer e encontrar Ubaldo. Pensando bem, não era apenas um presente que Glauber queria me dar. Era também uma ordem, como era seu costume fazer.

 

Como era meu costume fazer, cumpri ao pé da letra a ordem de Glauber. No dia seguinte à minha chegada, a cidade se preparava febril para o carnaval quando deixei o hotel e fui à redação do jornal em que Ubaldo trabalhava, conforme Glauber pusera num pedaço de papel, com data e hora, para que eu não me esquecesse.

 

Para minha surpresa, Ubaldo não era um sedutor afável como os outros baianos dessa geração que eu havia conhecido. Me perturbava ter de falar mais do que ele e obter respostas curtas que pareciam conter uma ironia que eu não era capaz de entender.  Ubaldo tinha que voltar para a redação e exagerava, como se tudo no jornal dependesse dele. Eu não podia ter argumento para mantê-lo a meu lado. 

 

Como no romance de Graciliano Ramos, conheci Ubaldo mas não o conheci de uma vez. Foram necessários fins de tarde indo aonde ele me mandava ir, descobrir de onde vinha sua capacidade de explicar o que a gente, sem lhe pedir nada, precisava que fosse explicado. Nossa amizade se desenvolveria depois, no crescente caos material e espiritual do Rio de Janeiro, para onde se mudara. Hoje, posso passar o resto de minha vida falando e escrevendo sobre ele. Embora, como todo personagem de romance que vale à pena, ainda não saiba exatamente quem era João Ubaldo.

 

Já disse também que adoro a epígrafe de “Viva o povo brasileiro”, esse monumento da literatura em língua portuguesa: “O segredo da Verdade é o seguinte: não existem fatos, só existem histórias”. Uma versão solar da ideia de Gilles Deleuze a propósito de Proust: não existe a verdade, só interpretações. Mais adiante, ainda em “Viva o povo brasileiro”, ele se explica com clareza: “Saber da verdade e querer impô-la aos outros, num mundo onde tudo muda e tudo se encobre por toda sorte de aparências, é uma grave espécie de loucura”.

 

Há pessoas que, quando morrem, nos tiram pelo menos um pouco da graça da vida. Ubaldo foi uma delas.  Fico esperando que um texto seu, um excerto qualquer, me diga porquê. Quando fui informado pela direção do jornal que minha coluna passaria a ser publicada no domingo, como foi a dele até a semana de sua morte, tive a impressão de vê-lo a meu lado rindo muito, nem sei direito porquê. No próximo delírio sobre o assunto, vou pedir a Ubaldo que me traga com ele Glauber Rocha, para que eu possa explicar um pouco quem eu sou. Só um pouco, porque muito também não sei. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

 

Recordações do Internato

       Cyro de Mattos

 

             A primeira noite no internato não dormiu bem. A mangueira lá fora sob a claridade da lua projetava com os galhos figuras estranhas na parede do dormitório.  A chuva que caiu forte fez barulho no telhado. O vento uivou por entre a folhagem da mangueira. Os ruídos que chegavam de fora entravam no dormitório pelas gretas da janela. Teve medo. A noite tremia dentro dele com sombras e rumores. Que seria o mundo para ele dali para frente?   

   Levava consigo as lembranças que cada um carregava de sua cidade para onde fosse:  gestos, gostos, cores, bichos, sustos esplêndidos, risos com os amigos, pois era assim que respirava o dia na aventura da vida, lá no chão de seu nascimento, portando a flor do sol acesa no peito nu pelas ruas da fantasia e alegria. Recordou mergulhos e pescarias que fazia com a turma de amigos no rio de vertentes puras e claríssimas, o vaivém do jogo de bola nos campinhos improvisados dos terrenos baldios e o roubo constante de frutas maduras nos quintais espalhados pela sua cidade amada, que de tão enlameada com a chuva grossa de inverno sujava os sapatos dos seus habitantes, atolava os carros na rua. 

Houve naquela primeira noite do internato sombras que envolviam um pássaro com a plumagem do temor. Um pássaro que de repente se sentiu aprisionado, em vão tentara se libertar para voltar à paisagem da terra natal, no espaço sem voo ficava dando agora com as asas de encontro às paredes da gaiola. Sentia que o calendário reservado pelo tempo para ele era agora diferente, descortinava no caminho comprido só estudo, disciplina e reza. Atrás, na sua pequena cidade, o tempo se encarregaria de esfumar todas as manhãs do mundo tecidas nos eternos fios do sonho, com as brincadeiras pontilhadas na aventura feita com delícia e liberdade.

Não mais o tempo se apresentaria com suas mil línguas de chuva para arejar o dia com o cheiro cheiroso de terra molhada, nem daria uma sensação especial quando o sol resvalasse nos seres e coisas com o brilho de sua flor gigantesca aberta no céu. Não mais saberia do convite que o tempo costumava fazer para correr e ampliar-se na ciclagem de prazer que o coração nutria em si mesmo, em pulsações generosas, que pareciam não ter término.