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sábado, 9 de setembro de 2023

 

Sete de Setembro  

Cyro de Mattos

 

 

Atento assistia na televisão o desfile de Sete de Setembro, acontecendo na avenida Cinquentenário. Vieram de repente de dentro do homem com acumuladas juventudes duas lembranças longínquas, dizendo-me no coração coisas desse dia revestido de civismo e evocação da pátria. Na primeira delas, o moço compenetrado desfilava em sua terra natal vestido na farda gloriosa do único ginásio da cidade.

Ginásio Divina Providência. Setembro tinha sentido com a cor do desfile no ar verde e amarelo. Tambores uníssonos, compenetrados do toque, rufavam a pátria amada. Marcha cívica ou efervescente música na pele de adolescentes com a alma de girassóis flamantes? Nem o aguaceiro que despencou de súbito conseguiu tirar o brilho de um escudo glorioso na marcha, sob os passos encharcados de sonho.

A outra lembrança chegava-me do desfile em que participei duas vezes em Salvador como aluno do Centro de Preparação de Oficiais de Reserva do Exército Brasileiro.  Desfilei com um fuzil pesado no ombro, vestido na farda verde oliva, de tecido grosso, do Campo Grande até a Praça da Sé.  Antes do desfile começar, recorria aos goles de água ardente levada no cantil, para que assim os sentimentos cívicos sustentassem meus passos na impassível performance ditada pela marcha, retumbante e solene.  

  Naqueles idos perdidos na nebulosa do tempo, cursei o Serviço de Intendência durante dois anos no quartel do Forte de São Joaquim da VI Região Militar, situado em Águas de Menino, em Salvador de Bahia.  A Sexta Região Militar abrangia o território formado pela Bahia e Sergipe.  No início do curso, tudo era desafio, o aprendizado sobre a vida militar decorria das aulas teóricas constantes, com exames em cada mês, exercícios no pátio do quartel, marchas e acampamentos no terreno árido, despovoado, onde não se ouvia o canto de um passarinho.

 Lá, naqueles ermos distantes de uma cidade do interior, aprendíamos movimentos de guerra com treinamento de tiros ao alvo, simulação de ataque e defesa, tomada de assalto das posições estratégicas do inimigo. O tempo podia estar chuvoso, a água invadindo a barraca no mato ou com um calor abrasador, de queimar a pele, o corpo com o suor pegajoso, os exercícios prosseguiam na crueza do dia estafante.  Sem hesitar, sérios, sempre os alunos mais velhos diziam para os novos: “Acostumem depressa, não esperem moleza, pior é na guerra!”

Tudo aconteceu como devia ser. Fui diplomado pelo Exército Brasileiro da VI Região Militar como Tenente da Reserva, no Serviço de Intendência.  Ufa! O “266”, como assim o moço do interior era identificado no curso, sorriu em definitivo com a conquista briosa e patriótica em fase importante de sua juventude, cheia de momentos impossíveis de esquecer. Dava graças a Deus ao encerrar meu serviço militar, fundamentado na disciplina, obrigação e fidelidade aos momentos adversos quando fosse chamado para lutar com coragem em defesa da pátria.

Tempos depois, tudo me pareceu normal durante aqueles momentos ásperos na prestação do serviço militar.  A princípio, o moço do interior não se conformava de terem sido interrompidos os momentos bons que correspondiam a uma fase psíquica de sua vida. Houve cenas na juventude como desafios marcados de prazer nas descobertas. Justamente naquela paisagem em que entravam namoros nos bailes estudantis, aventuras no domingo azul do mar. Jornadas que rolavam nas ondas acaloradas do tempo, ao balanço da cidade de santos e orixás, porejando de magia e crença na sua beleza antiga.

Se a vida passa, muda, menos o tempo, que é irreversível em sua categórica condição de ser hoje como ontem, dando e tomando, alegrou-me agora reviver momentos daquele tempo quando então participei no desfile de Sete de Setembro.  

Pensando bem, desfilar durante o Sete de Setembro com um fuzil pesado no ombro, em percurso longo, não era nada, o pior só mesmo na guerra, como observavam os alunos mais antigos no quartel ou acampamento.