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sexta-feira, 21 de setembro de 2018







                                  Papagaio Falso


                                      Conto de Cyro de Mattos

           
Papagaio esperto, falador sem igual, o dono gabava. Tinha o dom de adivinhar quando era tempo de chuva ou de estio. “Vai chover, vai chover!”, alardeava.  “O sol vai comer tudo, vai comer!”, praguejava. Lá vinha ele  agora  com o seu agouro sonoro, o dono do bicho  fazia uma cara de quem não gostara nem um pouco do que acabara de ouvir. O tempo de estio prolongado significava que a lavoura de pouca duração não vingava, a de duração perene definhava e produzia poucos frutos na safra. Isso não era bom para o fazendeiro Felisberto Boca Rica, senhor de muitas roças, que produziam à vontade no chão dadivoso um fruto que valia como ouro, chamado cacau, se o ano  fosse temperado com sol e chuva nas  estações estáveis.
          O fazendeiro Felisberto Boca Rica perdia-se de amores pelo papagaio. “Venha cá, louro, me dê o pé; quer comer hoje o quê? “ O papagaio respondia: “Como torta de carne, como doce de mamão, só não como requeijão.” Não havia dinheiro que  comprasse aquele bicho sabido e engraçado. Não tinha preço, nem a peso de ouro seria vendido um dia. Jurava por si com firmeza, com base na estima que tinha por ele. De boca cheia garantia também pela mulher e os dois filhos,  dois rapagões, em plena dinâmica de músculos e ímpetos. Um era  técnico agrícola, o outro, manobrista de trator e máquinas pesadas,  seus herdeiros legítimos. Se fosse para a alegria de todos,  bem-estar do bicho sabido,  ninguém se preocupasse, iria morrer de velhice, bem cuidado e alimentado do que mais gostasse.
           Eta bicho festeiro, fazia qualquer vivente virar a cara para o alegre de repente, que bom ser o dono dele, vangloriava-se. Quando estava zangado, pelo prejuízo que lhe rendera um negócio mal realizado, o melhor remédio  para desalojar  do íntimo o fel da vida  era ficar ouvindo seu  papagaio esperto imitar gente grande.  Nessa hora crítica, para espantar a crise, sem cobrar nada, o papagaio conseguia a proeza de fazê-lo sorrir, como se estivesse de bem com a vida. Soltava cada ensinamento, o bicho, que causava admiração: “Quem tem pressa tropeça. Bate a cara na pedra!”
           Na segunda-feira  imitava o diretor do colégio Licurino Felizardo, um conquistador de  menina nova, repetindo sem temer, “Licurino Felizardo, tarado! tarado!” Na  terça,  era a  vez do delegado Apolônio, frouxo como o cabo Teotônio, “na cadeia  não tem ladrão porque o Apolônio é cagão”, quem não quisesse ouvir tapasse o ouvido. Na quarta, coitado do padre Joca, o bicho não cansava de lembrar que  o mensageiro de Deus na missa das sete  se engasgou com a hóstia. Na quinta imitava o prefeito, ficava dando a ordem categórica: “Quem ganha mais do que eu aqui esteja preso!”  Na sexta  chamava de cara de mico o juiz  Frederico. Sábado se fazia passar de camelô, esteja a gosto, tudo barato, no miúdo e no grosso. Agora, se fazer de mágico no  domingo, no meio das serpentes, como quis uma vez o dono do circo, pagando um dinheiro grande por essa cena esquisita, não contasse com ele nem um tico.
               O fazendeiro Felisberto Boca Rica era um ferrenho adepto da luta patriótica  para que  o impeachment da presidente Dilma Rousseff fosse aprovado. Aquela mulher petista  não passava de uma simulada guerrilheira, pilantra, corrupta, mentirosa deslavada, estava afundando o nosso querido e valoroso Brasil. Vibrava quando via na televisão a multidão compacta, gritando a uma só voz: “Fora Dilma! Fora!” Fechava a cara quando via a gentalha gritando na avenida, a  todo vapor: “ Fora Golpistas ! Fica Dilma!”
           Não se conformou quando ouviu pela primeira vez o papagaio imitar o povão na gritaria infame: “Fica Dilma! Fica!” Bicho traidor, vira-folha descarado, repetindo de segunda a domingo, abaixo os golpistas, fica Dilma! Fez-se de desentendido a princípio, ante o comportamento  reprovável daquele perigoso subversivo, que morava em sua casa, comia do bom e do melhor, sem pagar um tostão. Destemido, tomado de brios patrióticos, passava junto dele, cantando, “eu sou brasileiro, com muito orgulho, muito amor, ê-ô, ê-ô…” O papagaio revidava de pronto para quem quisesse ouvir: “Dilma fica, leva essa de goleada!”
          Mudou a tática para suportar a palhaçada do bicho vil e impostor, que lhe ofendia o sentimento político,  maltratava a honra e envergonhava o Brasil, emitindo um refrão de locutor insano, que soava como ameaça absurda e desgraça gorda. Manteve-se em silêncio ante as provocações do inimigo incansável, defensor irreversível daquela presidente desastrosa, irresponsável, que cada vez mais levava a nação a uma situação de calamidade pública, possibilitando na engrenagem maluca do sistema tanta falta de emprego com as empresas  fechando.
          impeachment de Dilma finalmente fora aprovado no Senado. O papagaio teve assim  o castigo que merecia, de boca cheia afirmava para quem quisesse ouvir o fazendeiro Felisberto Boca Rica.O bicho virou tira-gosto do churrasco regado a chope. Exatamente no  dia em que o fazendeiro comemorou com os familiares  e amigos  a grande vitória, na qual por justiça o Senado aprovava o impeachment. Botava aquela presidente  maluca para ir plantar batata no deserto,  fora do comando desse  Brasil democrático, tropicalista e brejeiro, com o seu povo mestiço apaixonado por futebol e samba. 

sábado, 15 de setembro de 2018





Entrevista com o ficcionista e poeta Cyro de Mattos


Autor de diversas títulos pela Editus, editora da Universidade Estadual de Santa  Cruz, Cyro fala sobre uma de suas última antologias que organizou,  premiações literárias e a projeção global que elas oferecem para o conteúdo de suas obras
Cadastrado em 07/11/2018 10:10
Atualizado em10/09/2017

A Voz do Autor – Entrevista com o ficcionista e poeta Cyro de Mattos
Cyro de Mattos é contista, romancista, poeta, cronista, ensaísta, organizador de antologia e coletânea,  e também autor de livros infantis. Já publicou mais de 44 livros no Brasil e 13  no exterior, sendo 9 deles com o selo editorial da Editus - Editora da UESC. Em setembro de 2017, o escritor foi agraciado com o título de Doutor Honoris Causa pela UESC. Em sua trajetória, ele já recebeu mais de 40 prêmios literários, entre eles o Prêmio Vânia Souto Carvalho, concedido pela Academia Pernambucana de Letras, com o livro “Berro de Fogo e outras histórias”, que em 2013 ganhou nova edição pela Editora da UESC, o Prêmio Afonso Arinos da Academia Brasileira de Letras, o Prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Artes, o Prêmio Pen Clube do Brasil, o Segundo Prêmio Internacional de literatura Marengo d’Oro, em Genova, Itália, duas vezes,   e, recentemente, o Prêmio Literário Nacional Cidade de Manaus. . Seu livro “Vinte Poemas do Rio”, português-inglês, foi indicado para o vestibular da Universidade Estadual de Santa Cruz, durante três anos, como também “O Conto em Vinte e Cinco Baianos”, antologia que ele organizou.
Recebeu ainda Menção Honrosa no Prêmio Jabuti e Menção entre os quatro finalistas no Concurso Internacional da Revista Plural, México, concorrendo com mais de 600 autores. Algumas de suas obras destacam a civilização cacaueira baiana como um dos espaços do seu imaginário fecundo, no qual retrata a paisagem, personagens, lugares, hábitos e histórias. Dois outros grandes acontecimentos marcaram a vida do escritor.  Foi eleito para a cadeira nº 22 da Academia de Letras da Bahia, que tem como fundador Rui Barbosa, e o seu livro, “Histórias dos Mares da Bahia”, foi lançado na 24ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, no estande da Associação Brasileira de Editoras do Nordeste - ABEU. A obra faz parte da Coleção Nordestina, projeto editorial que reúne livros produzidos pelas editoras da ABEU Nordeste.  Essa coletânea reúne dezesseis escritores baianos, e, entre eles, João Ubaldo Ribeiro, Hélio Pólvora, Ruy Espinheira Filho, Guido Guerra, Gláucia Lemos e Aramis Ribeiro Costa. Alguns anos atrás, seu livro "Cancioneiro do Cacau", Prêmio Nacional Ribeiro Couto da União Brasileira de Escritores (Rio) e Segundo Prêmio Internacional Maestrale Marengo d’Oro, Gênova, Itália, foi lançado na Bienal Internacional do Livro do Rio, em segunda edição, pela Editus.. 
1. As suas obras expressam muito da cultura do sul da Bahia, com destaque especial para a civilização nascida ao longo do tempo pela implantação da lavra cacaueira. Essas representações ganharam projeções internacionais e também importantes premiações no cenário nacional. Como é ver o local de suas criações ganhar uma projeção global? Como o senhor avalia pessoal e profissionalmente essas importantes premiações? 
Canta a tua aldeia e serás universal, disse o russo Tolstoi. Para Fernando Pessoa, o genial poeta português, o melhor rio não era o Tejo, mas o rio que passava ao pé de sua aldeia, porque era o rio de sua aldeia. Houve quem observasse que o homem faz o lugar e não o contrário. E o lugar é onde se registra a memória. O lugar tem sido motivação e símbolo para algumas de minhas criações. Minhas origens e vivências locais têm sido uma das vertentes de minhas produções em prosa e verso. Isso acontece quando às vezes, das germinações à execução da ideia, tomo como ponto de partida minhas vivências na infância, em outras vou buscar ou imaginar o assunto no cerne da história, aproveitando o que vi, colhi nos mais velhos ou até pesquisei.  Pode até mesmo acontecer que imagine um espaço sem localização geográfica, identificável com alguma parte do sul da Bahia, como no romance “Os Ventos Gemedores”, no qual criei o condado de Japará para desenvolver a trama, auscultar os personagens através de conflitos no drama.  Assim, desde que meu texto leve aos outros uma nova forma de conhecimento da vida, através da linguagem que poetiza a vida, situações e gente com nervos e sentimentos, tendo como resultado um alcance universal e reconhecimento, aqui na região e fora de nossas fronteiras, fico contente, torno-me menos incompleto na existência, que para nós humanos é falha, limitada, precária, vulnerável, não basta. É gratificante, um verdadeiro prêmio que é dado ao autor esse tipo de reconhecimento. Acho sensato ser reconhecido em vida pelo meu trabalho, depois de morto só serve para o orador, que passa como herói, ao ressaltar no sepultamento as qualidade de quem se foi para sempre, não está mais neste mundo, ficou submetido ao inexorável. 
2. O senhor foi eleito para ocupar a cadeira 22 da Academia de Letras da Bahia e recebeu o primeiro título de Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual de Santa Cruz pela sua contribuição à literatura e à cultura.  O que significam esses novos reconhecimentos na sua carreira literária?
São qualificações de meu trabalho no mais alto nível. Sinto-me honrado, fortalecido, incentivado para continuar a jornada nessa estrada solitária, a essa altura comprida.  Nela, paro às vezes, olho para trás, vejo à direita e à esquerda, sigo em frente com tantas vozes no peito, dos outros, mas que no fundo são também minhas. Vou formando com elas e a minha voz o diálogo necessário, o disfarce múltiplo que desfaz o real e projeta outra realidade com novos sentidos, externa outra linguagem através dos sinais visíveis da escrita, com seu poder metafórico intenso e de proliferação, que me ajuda a sobreviver e a conhecer um tanto mais do que sou, entre o alegre e o triste, o transitório e o permanente, o belo e o feio. Vou cumprindo uma missão, usando as palavras para explicar o inexplicável, mas que é belo, com suas verdades retiradas da vida, a ela devolvidas com razão e emoção, porque assim deve ser.
3. O seu último livro, “História dos Mares da Bahia”, foi lançado na 24ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, no estande coletivo da ABEU pela Editus. A publicação traz 16 contos de importantes escritores baianos, que revelam um cenário de muitas histórias. Por que o mar como fonte de inspiração e ambientação? Como foi a escolha dos autores?
Como se vê sem esforço, trata-se de antologia temática. As histórias têm como foco o mar da Bahia, que entra como o cenário, ora interferindo no destino dos personagens, ora como elemento de composição da paisagem humana. O mar é assim a fonte de inspiração e ambientação de cada história. O mar sempre exerceu uma sedução e atração aos seres humanos. E, como temos ficcionistas na Bahia da melhor qualidade, que souberam focar o mar como fonte de suas criações, resolvi fazer uma antologia com o tema e com esses autores expressivos. O critério da escolha dos contistas se deu em função da qualidade do texto. Convenhamos que, como em toda a antologia, ocorre a omissão, mas os autores selecionados para a coletânea “Histórias dos Mares da Bahia” são os mais representativos do gênero na Bahia. Eu diria sem hesitar que são contistas brasileiros da Bahia, fortes no discurso coeso.  Com seus projetos estéticos e resultados positivos, todos eles vêm contribuindo para que as letras brasileiras operem como meio eficaz de comunicação humana em sua função social.
Fonte: ABEU

quarta-feira, 12 de setembro de 2018


A POÉTICA TRAJETÓRIA
DE DIEGO MENDES SOUSA



É com muita honra e alegria que o nosso Literatura e Vida traz um pouco da vida, especialmente da carreira literária (que já conta com 15 anos de labuta), deste jovem e inspirado parnaibano, autor de inúmeras obras, importantes títulos e elogiado por gigantes da Literatura como O.G. Rego de Carvalho e Lêdo Ivo. Estamos evidenciando o poeta Diego Mendes Sousa, que concedeu entrevista a Claucio Ciarlini e Carvalho Filho.

CLAUCIO CIARLINI - Relate-me um pouco sobre a sua origem. Quando e onde nasceu, cresceu, suas principais referências familiares, etc.
 DIEGO MENDES SOUSA -  Agora que sou galho, uma tremenda raiz puxa-me os pés.  Nasci na Parnaíba - costa solar, fluvial e marítima do Piauí - na Santa Casa de Misericórdia, ali no bairro São José, às 22h do dia 15 de julho de 1989, sob as peritas mãos da Dra. Gildete. Minha mãe Silvana Pereira Mendes, decerto, não imaginara que - naquela noite de Boi de São João - semeava o seu gemido eterno. Antes do meu batismo católico apostólico romano, chamava-me Igor, nome de príncipe, mas que, por um impasse paterno, me tornei Diego, ou seja, e ainda, um duplo ego em exaltação e em vozes. Um perfeito Narciso! Vim com as dores profundas e com o desejo de santidade. Cheguei da Criação pronto. A poesia fizera-se carne e ressuscitei nesta infância atávica de ler o mundo.
 Meu dom de curandeiro da palavra manifestou-se cedo. Não fui uma criança normal. O tempo foi abrindo clarões em minha mente. O mínimo olhar era motivo de reflexão e de incisão lírica.Hoje, tenho a convicção de que o meu interior era uma multidão de sonhos clamando por liberdade. Também fiquei a saber que era poeta. Que Poeta vem acabado. Cresci em cidades iguais, que possuem os mesmos horizontes oceânicos. Vivi no tríptico Parnaíba - Tutoia - São Luís do Maranhão, nessa ilha de José Sarney, fiz-me autodidata em estudos literários e históricos avançados.
 Muito moço, por volta dos 10 anos de idade, convivi com Josué Montello, José Chagas e Nauro Machado, que me selaram de cultura. Descobri, na casa dos meus avós, que eu era sobrinho-neto do Ferreira Gullar, que a poesia me impregnara desde a linhagem sanguínea. Nunca mais fui o mesmo. Minha avó, Maria José Ferreira Sousa (1925-), foi-me referência absoluta. Mulher de caráter ilibado e de pulso profissional competente e de vanguarda, ela me deu a oportunidade de conhecer todas as artes: pintura, cinema, música, teatro, óperas... Sua biblioteca particular era humanista. Li Rainer Maria Rilke e Marcel Proust nas prateleiras da nossa casa!
Fiz amizade com Benjamim Santos, Tarciso Prado, Alcenor Candeira Filho, Rubem Freitas e Assis Brasil (nomes literários da Parnaíba) através dela. Minha avó foi a minha primeira salvação! Tomei gosto pela cultura popular e memorialística por intermédio das orientações do meu avô, Aldi do Espírito Santo Anunciação Sousa (1933-2014), carnavalesco e pintor, mestre em serigrafia. Deixou a sua marca na história da Parnaíba com o Bloco Bafo da Onça. Meu avô foi a minha primeira intensidade humana! De marchinha em marchinha, fui cantando os tormentos de uma alma extremamente triste e sombria, sob passos de caranguejos e siris.
 CLAUCIO CIARLINI - Em que momento e em quais condições nasce o Poeta Diego Mendes Sousa? Quais são suas referências?
 DIEGO MENDES SOUSA - Sempre quis ser escritor.
 Pensava em ser Romancista, ter estatura intelectual de um Victor Hugo ou de um Thomas Mann, que li em tenra idade. Em 1997, ganhei um livro intitulado "Bíblia Ilustrada Para Crianças", presente amoroso da minha avó Maria José. Aquilo foi o fascínio inicial! Veio a se integrar com "A Casa da Paixão" de Nélida Piñon, que recolhi (pela capa de uma fêmea desnuda e coberta de sol) no ano seguinte, em 1998, em um sebo do centro histórico de São Luís. Bebi o sagrado e o profano ao mesmo instante. Fui um menino maduro que entrou na idade da razão antes do tempo. A narrativa poética e erótica de Nélida causou-me um choque raro, de tanta beleza! Aí, disse para mim mesmo: quero ser um poeta-romancista! Só depois descobri que isso se chamava prosa poética. Na verdade, o desejo de ser escritor precedeu o poeta. Este poeta convicto, nasceu em 2003, quando viu, em uma ladeira da Rua do Sol, na Ilha do Amor, uma mulata subindo. Revi o texto de Nélida Piñon em uma atmosfera concreta: uma mulher, a metáfora do sol, os contornos do canônico, a poesia explodiu em mim! De repente, a imagem transformou-se em verso e escrevi o primeiro poema:"Os momentos possuem as ladeiras obscenas."
 Deixei o romance que havia rascunhado nos meses anteriores a julho de 2003, intitulado O Filho de Athenas (que ainda hoje dorme na gaveta, porque sou da caneta e do papel) e ingressei no mistério sem volta e obscuro da grande Poesia. Daí até a publicação da primeira obra literária, levei três anos, trazendo a lume o livro Divagações, em 2006, já enevoado da magia de Rimbaud e de Lêdo Ivo, para além da alquimia de Lorca e de Gerardo Mello Mourão.
 CLAUCIO CIARLINI Comente sobre as suas obras, quando e por quais contextos elas foram lançadas?
 DIEGO MENDES SOUSA - A preparação para a publicação do meu primeiro livro de poemas foi uma epopeia, uma costura entre o segredo e a vontade de revelação. De forma independente e sem comunicar a ninguém, fui a uma pequena gráfica na Avenida Álvaro Mendes, no bairro Nova Parnaíba, onde morava e pedi um orçamento. Tratava-se da GuidoArt, de propriedade do Guido, que era leitor assíduo e poeta, além de ser detentor de uma excelente biblioteca, onde identifiquei a obra completa do simbolista piauiense Da Costa e Silva, pai do Alberto da Costa e Silva, africanista e membro da Academia Brasileira de Letras. No meu silêncio habitual, juntei as mesadas que ganhara da minha avó. Passei quase um ano para conseguir levantar o montante necessário. "Divagações" foi escrito entre os anos de 2003 e de 2005, nas cidades de São Luís e Parnaíba. Somente no fim de 2006, consegui lançá-lo, em noite festiva, com o patrocínio familiar. Antes, em março de 2006, levei "Divagações", em manuscrito, para a leitura acurada do Dramaturgo Benjamim Santos. Envergonhado, por acreditar que meus versos eram feios e desregrados, tive Benjamim Santos como primeiro leitor e único amigo. Qual espanto! Pois Benjamim bradou que eu era o maior bardo da Parnaíba, no momento em que cheguei em sua residência, para saber notícias da sua leitura. Não acreditei, é claro, mas ali a semente germinou.
Vi que era possível enfrentar o vasto mundo literário, bem como pensar em uma próspera trajetória na Literatura. Na minha estreia, não existiam as redes sociais nem as festas literárias que hoje estão espalhadas por todo o Brasil. Fiz tudo no corpo a corpo, via Correios, sem sair da Parnaíba, e projetei-me nacionalmente com "Divagações". O passo seguinte pretendia maturidade conquistada e comecei a esboçar a cosmogonia de "Metafísica do Encanto", também produção independente, publicado em 2008 e que conquistou o Prêmio Olegário Mariano da União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro, por melhor livro de poemas do ano. Em 2009, recebi o convite de Waldir Ribeiro do Val, editor das Edições Galo Branco do Rio de Janeiro, para integrar a importante Coleção 50 Poemas Escolhidos Pelo Autor, que abraçava nomes fortes como Carlos Nejar, Astrid Cabral, Antonio Olinto, Antonio Carlos Secchin, Ives Gandra da Silva Martins, Anderson Braga Horta, Gabriel Nascente, Aricy Curvello, Lourdes Sarmento, Darcy França Denófrio, dentre outros de reputação poética inconteste. Conheci o amor da minha da vida, a minha alma gêmea, a minha Musa Altair e escrevi para ela "Fogo de Alabastro" (2011), um livro lírico, muito rico em imagens sonoras e sutilezas universais. Elaborei "Candelabro de Álamo" (2012), que foi distinguido com o Prêmio Castro Alves da União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro, em 2013. Sucederam-se "O Viajor de Altaíba" (2013); "Alma Litorânea" (2014); "Tinteiros da Casa e do Coração Desertos" (2015); "Gravidade das Xananas" (2015); "Coração Costeiro" (2016); "Fanais dos Verdes Luzeiros" (2017); e o que sairá em breve, "Rosa Numinosa" (2018).
 CLAUCIO CIARLINI -  Como você enxerga o Diego Mendes Sousa do primeiro livro e o poeta de agora, depois de passada mais de uma década e tantos eventos?
 DIEGO MENDES SOUSA - A poesia é um misterioso passar pela plenitude das vivências humanas e das planificações sobrenaturais. Vejo-me caminhando no escuro, porque a criação poética é inesperada. Ora dar-se generosa, ora teima em ser ingrata. A epifania da poesia instiga a espera.
 Noto que mudei deveras, na forma de sublinhar as imagens que me assaltam de repente... uma espécie insight. Todo poeta se abisma em um círculo. Seus temas escapam. Sua visão de mundo cresce. Suas experiências se contradizem ou se desdizem. No entanto, a essência mantém-se ali, no centro dos seus motivos e dos seus sentimentos. A poesia é um ato de coragem e de justiça consigo mesmo. É a porta de saída para as misérias e as tristezas do ser. Ela também festeja as alegrias, mas essas, vêm disfarçadas de amplidão no tempo. É a abertura da claridade, quando afastada a pertinência da solidão. Escrever é estar no vazio dos pensamentos. É uma alquimia de sonhos transmutada em palavras. Fiz o meu percurso isolado. Não tive grupo ou movimento de diálogo com outros poetas. Não participei do barulho das ruas, tudo isso por escolha mesmo, de forma pensada. Como sou tímido, reservei a introspecção do meu canto e fui andarilho dos meus próprios versos.
  CLAUCIO CIARLINI -  O que podemos esperar do próximo livro de Diego Mendes Sousa?
 DIEGO MENDES SOUSA - Estou trabalhando a publicação de "Rosa Numinosa". Uma obra diferenciada por seu teor místico, que escala cenas bíblicas, com profecias que carrego ínsitas dentro de mim. Tenho o dote da vidência. Consigo ler a palma da minha mão! Minha miragem é de um cigano que calha almas ou de um xamã que prepara o espírito no além tempo. Como poesia é mistério, a dose amarga do meu jardim é uma rosa que se despetala imaginariamente ou desabrocha para o destino.
 A rosa é o símbolo da delicadeza. Por ser a demonstração do que é refinado e valorativo, a rosa serve ao amor e à beleza. Numinoso é o estranhamento sagrado. Desvendar a poesia é um gesto divino, que merece metafísica e ambição ritualística. Nessa liturgia de virtude, o poeta guarda a luz e a fortuna do que há de vir e salta para o futuro dos enigmas que harmonizam a grandeza dos seus gestos sobrenaturais.

Nesse livro, reafirmo ser a poesia um dom que escolhe o rosto necessário.
 CLAUCIO CIARLINI - Como você analisa a literatura parnaibana, a de outrora e a de hoje?
 DIEGO MENDES SOUSA- Sim, temos uma Literatura proeminentemente parnaibana, seja através de autores nascidos na terra, seja de escritores que na Parnaíba aportaram. O risco da Literatura deve ser universal. Parto do princípio de que ao pintar a própria aldeia, o ser humano intensifica a matiz identitária e ultrapassa o entendimento de si mesmo, pois expõe os seus reais liames culturais, ao revelar usos e costumes que abrem perspectivas a outrem. Até aqui, Parnaíba não teve o seu grande poeta, mas tem o seu grande romancista que atende por Assis Brasil. Parnaíba preservou ou preserva exímios beletristas natos, que ouso nomeá-los: Ovídio Saraiva, Jonas da Silva, Berilo Neves, Renato Castelo Branco, Jeanete de Moraes Souza, Joana Guimarães Neves, Doralice Craveiro de Carvalho, Lena Castelo Branco, Everaldo Moreira Véras, Benjamim Santos,  Alcenor Candeira Filho, José Galas, Manoel Ricardo de Lima, Daniel Ciarlini e Ithalo Furtado, que  esboçaram ou esboçam um projeto nítido e permanente do fazer Literatura. Parnaíba abraçou Luíza Amélia de Queiroz Brandão, Humberto de Campos (de quem sou fã), Benedito dos Santos Lima, R. Peti, Fontes Ibiapina, Lozinha Bezerra e tantos outros.
 Quando declaro que Parnaíba não teve o seu Grande Poeta, faço atendendo o chamado autêntico  de que grande poeta é aquele que funda a sua cidade interior, ultrapassa um estado geográfico, ganha um país inteiro e ecoa mundos como Miguel de Cervantes, William Shakespeare, Camões, Fernando Pessoa, Erza Pound, Pablo Neruda, Ariano Suassuna... Gênios raros e graves. De 2015 para cá, com a implantação do Sesc Caixeiral, observo que Parnaíba vive um boom cultural em todas as artes.
 Em especial, na Literatura, com o sopro jovial do livro "Versania", que fincou - de fato - novos e interessantes nomes na cena literária da cidade e que prometem dicções e linguagens. E quem sabe, não estará nascendo aí, os rumos inventivos de um poder extraordinário de dizer as mesmas coisas, de uma maneira mais revolucionária e bela?
 CARVALHO FILHO -  O que você prospecta acerca do pensamento segundo o qual o poeta deve ser porta-voz do seu tempo? 
 DIEGO MENDES SOUSA- Não somente porta-voz, mas também testemunha do seu tempo. O Poeta anuncia o presente e alarda o futuro, ao mesmo tempo em que preserva o passado. E nessa imersão de tempos, acaba por ser a memória sentimental da sua gente sanguínea, dos seus conterrâneos e dos seus contemporâneos. A poesia é sempre a boa nova. Ela é a ressurreição da beleza em último estágio.

Primeira dentre todas as artes, mergulha essencialmente em cada peça artística, seja na música, na pintura, no cinema... Bach é perfeição! Van Gogh, enigma! Pasolini, alucinação! A poesia medeia a criatividade. É porta-estandarte da loucura e do onírico, precedendo o abismo das visões. Sinto-me predestinado a escrever o testemunho vertical e horizontal das misérias e das glórias humanas, como porta-voz de um grande crime interior, repleto de tormentos e dores ainda maiores.
 CARVALHO FILHO . Por que a poesia? Gostaria que você explicasse um pouco da sua escolha pela poesia.
 DIEGO MENDES SOUSA- Fui escolhido. Estou indo de encontro a uma tendência em vigor de que o poeta deve trabalhar a linguagem, como se a poesia fosse apenas carpintaria. Antes de tudo, acredito no sobrenatural. O escritor carioca Marcus Vinicius Quiroga intitula-se poeta-operário. E de fato, a sua poesia é trabalhada, pensada e tematizada. A gaúcha Maria Carpi é magnífica em sua literatura filosófica e plástica, fruto de um aprofundamento conceitual sobre as coisas do mundo.Sou da linhagem do absoluto. Não trabalho. Recebo o jorro de luz de mãos beijadas. Sou do outro mundo, o das constelações e o do sublime. Sou um vate iluminado. Nasci, cresci e morrerei sendo o que sou: um legítimo poeta, inaugural e instantâneo.Pedra bruta, parte de um raio eternizável. Um demônio da beleza, um anjo do introspecto.
 CARVALHO FILHO - Rubem Alves dizia que “A poesia é uma perturbação do olhar. O poeta vê o que não está lá. Para ele, as coisas são transparentes, abrem-se para outros mundos”. Estaria Rubem Alves correto? E se estiver, por quais meios um poeta, você, por exemplo, pode manter o olhar perturbado para a vida?
 DIEGO MENDES SOUSA- Rubem Alves definiu a mosca-azul. O olhar do poeta perturbado, a transparência no ver. O Poeta é isso e algo mais longe! Vejo a vida pela ótica profunda de um lobo anterior à noite. Toda caçada promete alimento. Ser poeta é comer cru, ao sangue de uma procura pelo sem fim. A poesia é uma carne viva que dói - antes, durante e depois de uma fé inabalável pelo ritmo dos clarões anímicos. Em um poema escrito na mocidade e registrado em "Divagações"(2006), eu disse: "Perturbado é o que não escrevo."
  CARVALHO FILHO -  Por fim, há algo que você gostaria de dizer aos leitores?  
 DIEGO MENDES SOUSA- Peço, humildemente, que me leiam. Atravessar esta vida de dissabores e de crueldade, merece recompensa! O escritor também escreve para ser amado por um público leitor, não apenas para expressar as suas quedas noturnas e as suas ascensões linguísticas. Escrevo por acreditar que o mundo é mutável, que os pássaros voam e o destino é incerto. Até porque, mais tarde, a noite será metálica, na compleição poderosa do deserto firmamento. Na grande inspiração da existência, com a musa da crença viva, espero que os meus poemas invadam o vazio irreparável e nostálgico do meu leitor. Este pedido partirá sozinho às lágrimas de sangue. Canto. Evoé!

Entrevista com Diego Mendes Sousa publicada originalmente no jornal O Piagüí (Parnaíba-Piauí).




domingo, 2 de setembro de 2018





Escritor Cyro de Mattos
Vence o  Prêmio Literário
Nacional Cidade de Manaus

O escritor Cyro de Mattos venceu o Prêmio Literário Nacional Cidade de Manaus com Histórias do Fim do Mundo,  concorrendo com cerca de cem candidatos na categoria de  livro de contos.  O prêmio é de cinco mil reais, diploma, transporte aéreo  e hospedagem para o escritor receber a láurea, em solenidade que será  realizada no Teatro Municipal de Manaus, no dia 23 de outubro, juntamente com os vencedores nas outras   categorias.
. Constituído de quinze narrativas,  o livro Histórias do Fim do Mundo  tem  como foco   a criatura humana em suas manifestações  do amor,  riso, violência,  tristeza,  felicidade,  encanto e  espanto. O Prêmio Literário Nacional Cidade de Manaus é patrocinado pela  Prefeitura Municipal de Manaus desde 2010 e foi criado para distinguir,  reconhecer e incentivar autores nacionais e regionais  com livros inéditos, nos gêneros poesia, romance,  conto, crônica, ensaio, dramaturgia,  literatura infantil e juvenil.