Evocação
de Ferradas em Versiprosa
Por
Cyro de Mattos
Para Jorge Amado
e Telmo Padilha,
em memória.
De
tanto estar o céu em longe amanhecer
dizendo
o bem na fé houve o padre Livorno
com
a sua batina mágica.
Ecoava
temente a Deus sua voz no chão bárbaro,
indiferente
ao que dizia a escritura da paixão.
A
catequese do louvor na sapiente profecia
se
ligava nos indígenas como refúgio do amor.
Cruzavam
as solidões sacolejando na carga
os
que vinham de longe. No pouso do povoado
queriam
nova ferradura para o casco da burrada.
Em
alvoroço de festa ferravam até as árvores,
uma
coisa grandiosa de ver onde deixavam sua marca
para
o mundo não esquecer.
O
machado anunciou os propósitos da terra,
duras
mãos enredaram grossos nós do destino.
Com
talhos na jaqueira a folhinha imprimiu
as
vastidões desoladas. Em ébrio ouro
vegetal
facão e podão dançaram.
Comercinho
novo veio cifrar o mundo, o fazer
das
ferramentas anotava a cada chuvada
a
arte de influenciar a lavra.
Inaugurou-se
a praça com água boa, ardente.
Lá
para as tantas a viola no peito gemia,
sua irmã sanfona retirava da lágrima
sons
agudos com suor, um frio medonho
da
serra, os dias de açoite do vento
derrubando
os paus grandes.
Em
casas escoradas o bafo da noite abafada,
na
cama de vara o coito quente ligando corpos
na
danada hora do gozo se amassando e gemendo
e
no ninho acontecendo.
Marasmo
de rua comprida oculta os dias de outrora,
amadurecidos
na safra dourada como a riqueza,
no
sobrado amanhecendo, o sol veio sumindo sem brilho
na
vontade alquebrada soterrada de desejos.
Armazém
de porta larga guarda o tempo remoto
das
estações grávidas, a barcaça com amêndoas
valendo
tanto quanto ouro.
Ferradas nem mais viceja, dorme agora, seu
sono
arrastado
de bicho pesado, submersa onde somras
envolvem a praça calada,
Perto
da igreja, em vigília costumeira, espera sua gente
humilde, que vem à procura de Deus. Sua
atitude lenta
agora
é desprovida do cheiro de resina ligada na memória
de
bairro-mãe desprezado, ao léu de omissões seguidas,
ninguém
quer conhecer como ali se plantou a vida.
Ao
invés do vazio na história tudo que deseja é um caminho,
nada
mais correto o lugar que lhe é devido nos frutos que deu,
pois
o amor ao amor retorna quando a razão tem caráter,
protege
o que é da terra numa ação de erguimento
e
não como longo despejo através da cor desbotada.