Romance da Terra Amarga
Cyro de Mattos
Idealizado pelo
banqueiro José Luiz de Magalhães Lins e o escritor Antônio Olinto, o prêmio
WALMAP surgiu em 1964 e foi o mais
importante concurso literário brasileiro na época, durante mais de dez anos.
Revelou romancistas da grandeza de Assis
Brasil com Beira Rio Beira Vida (1965), Oswaldo França Junior com Jorge, um brasileiro
(1967), Ricardo Guilherme Dicke com Deus
de Caim (1968), André de Figueiredo, com
Labirinto (.1971), Ledo Ivo com Ninho de Cobras (1980) e outros autores capazes de abalar
os rumos da ficção brasileira.
Certa vez,
a comissão julgadora desse concurso concedeu Menção Honrosa ao romance Terra
Amarga, do baiano José Almiro Gomes, e foi constituída de Jorge Amado,
Antônio Olinto e João Guimarães Rosa. Reconhecia assim as qualidades de um
romance de conteúdo social no seu conjunto de vícios e virtudes. Essa obra
ficou no fundo da gaveta durante décadas e agora na sua primeira edição pede
passagem para remontar as vidas sofridas de camponeses subjugados nas relações
entre os que mandam fazer e os que cumprem porque não veem outra maneira de
sair do impasse, que lhes nega a vida de maneira justa.
Sua história acontece na Fazenda
Aurora, no município baiano de Santo Antônio de Jesus. Foca as condições
miseráveis de vida no latifúndio, com quase uma centena de trabalhadores
descendentes dos negros escravos. Mostra a vida numa propriedade rural extensa
com suas plantações de mandioca, fumo, café, cana e o extrativismo de madeira.
Tem como personagens principais Du e Noratinha, o Coronel João Vicente,
proprietário do latifúndio, e o feitor Alcebíades, ambos impiedosos nas
relações com os seus trabalhadores.
Além do estilo desenvolto na condução
onisciente das cenas, chama a atenção na trama os intertextos usados com a
reprodução das cantigas de roda, ladainhas e improvisos do folclore regional.
Recurso empregado na narrativa para atenuar o ambiente desumano em que vivem
criaturas marcadas para trabalhar sem volta decente, a não ser sofrer e morrer.
De repente um vento alegre derrama-se com sua festiva cantoria popular do
folguedo. Alivia assim o cenário cruel de uma humanidade sedenta por dias
redentores, cantando e dançando como forma de resistir às dores impingidas pela
terra trabalhada em regime de quase escravidão.
Quem conheceu o autor desse romance
de fundo social, que viveu na cidade sul baiana de Coaraci por muitos anos,
soube como ele era um homem singular. Marido cuidadoso, pai exemplar, advogado
corajoso e combativo, nunca se rendendo ao Juiz de Direito de comportamento
duvidoso. Era apaixonado pela poética condoreira de Castro Alves, dos versos
inigualáveis de Gabriela Mistral e Pablo Neruda, íntimo dos romancistas russos
de cárter social.
Terra Amarga é romance que
pode levar o leitor não especializado e o estudante a se familiarizar com uma
série de noções importantes de sociologia literária, como grupo, socialização,
relações de classe, trabalho, liberdade, opressão, personalidade, linguagem,
tradição, sociedade, tensão, sobrevivência, dando uma visão global do mundo
social numa zona do sertão baiano, no Brasil arcaico do século XX.
Deve ser visto como mergulho na paisagem e na cultura de uma humanidade
sofrida, conhecendo-se o seu vínculo de gravidade nas relações entre o dono da
terra e aquele que nela trabalha até a última gota de suor. É para ser refletido, capturado com sua saga
emotiva da luta contra a fome e a miséria, do combate contra todas as formas de
opressão. Onde não se põe alegria no coração do camponês porque dura é a lei
que lhe chega durante as estações.
Cyro de Mattos
Escritor e advogado
Da Academia de Letras da Bahia