Páginas

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017





      Rio de Janeiro Antes e Depois  

     Cyro de Mattos

         A primeira vez  que vi o Rio de Janeiro foi pela janelinha do avião. Perde-se na memória dos anos  quando isso aconteceu. Por ter sido aprovado no exame do vestibular  do curso de Direito, em Salvador, recebi como presente do pai  uma  viagem para  conhecer o Rio de Janeiro  onde permaneceria durante trinta dias,    divertindo-me e conhecendo os lugares  pitorescos da cidade cantada como  maravilhosa em nosso cancioneiro. 
        Na minha terra natal, no interior da Bahia,  e em Salvador, onde fui estudar o curso clássico,  ouvia  ser chamada de maravilhosa a cidade  que seduzia os brasileiros e gente que vinha do estrangeiro para conhecê-la  de perto, com o seu jeito mestiço e alegre. Uma canção dizia que Copacabana era a princesinha do mar, não existia praia mais bela cheia de luz, nas  suas areias desfilavam sereias. 
      O Maracanã tinha jogos empolgantes, entre as principais equipes cariocas, era uma festa de bandeiras, erguidas por torcedores vibrantes,  a cada lance empolgante da partida jogada  no tapete verde.  De qualquer lugar você via o Cristo abençoar a cidade, os generosos braços abertos ao abraço imenso.  O bondinho do Pão de Açúcar transportava  gente brasileira e do estrangeiro para lá em cima do morro  percorrer os olhos deslumbrados pela paisagem da cidade embaixo, cercada de morros e favelas, povoada de edifícios como espigões que furavam o céu. 
      Do Pão de Açúcar você tinha a cidade a seus pés, pressentindo-a com o seu ritmo   por dentro, na alegria que irrompia do futebol no Maracanã   e nas  escolas de samba quando chegava o Carnaval. Havia, nesse tempo bom para ser vivido,  sempre  um sorriso na passagem da vida, embora as favelas fossem se expandindo por vielas e becos, intimidando  lá do morro com as  quadrilhas  disputando o poder no tráfico de drogas.   Gente perigosa descia a ladeira  e no asfalto investia contra a cidade, tendo no rosto o  espanto do assalto acompanhado da  morte.
      A cidade ainda não ultrapassava os limites sem fim  do seu galope amarelo.  Na Rua do Catete, por exemplo, com sua gente nas esquinas, discutia-se  futebol e política, as luzes dos postes iluminavam à noite os ônibus e carros que passavam,  alguns  gatos  fugiam dos velhos casarões  e vinham caminhar   nos passeios. O  bairro do Flamengo era povoado de bares, lojas e pensões, o vento  trazido do mar despejava o cheiro de maresia nos ares em silêncio.
     Durante o dia, no  centro, a cidade acontecia com  um povo afobado, andando com pressa, a subir nos ônibus, a encher os cafés e as lojas, a entupir os passeios, a  zumbir como abelhas nos ruídos de uma colmeia gigantesca. O barulhão dos motores e das buzinas, o fumaceiro dos ônibus, os sacos de lixo nas calçadas,  fregueses comprando jornal ou revista nas bancas do passeio e das galerias, tudo isso enchia de prognósticos a vida diária,  que a cada dia  aumentava com sua gente, entre o alegre e o triste, pressentida do prognóstico que  iria extraviar-se  por várias  direções.
     A cidade ainda era cantada em prosa e verso como a que tinha encanto de sobra, chegando a causar arrepio.   Naqueles idos de 1968, depois da refeição do jantar, ia com a esposa fazer o percurso entre a  Rua Correia Dutra e o Largo do Machado. Era bom caminhar despreocupado. Sentir o movimento da cidade que passava segura, sem muita pressa. Voltávamos de mãos dadas, sem ter medo de nada, pois aquele  vento bom, que vinha do mar, dava-nos a certeza de que viver naquela cidade grande valia a pena, chegando a ser  um privilégio.
          Depois de transcorridos alguns anos na cidade grande,  voltei a residir em minha terra natal, no interior baiano.  Os três filhos,  já criados e casados, deram-me seis netos. Quanta generosidade da vida! Se me perguntassem se gostaria de morar hoje no Rio de Janeiro, seria difícil dizer sim.  Nem sempre é fácil  um homem do interior acostumar-se a morar numa cidade imensa,  com ritmo veloz e intenso nos tempos de hoje, de disputa exacerbada pelo espaço, para não se falar do medo que ultrapassou os  limites de seu galope amarelo.
        Medo de ir ao supermercado. Medo de andar de  ônibus. Medo de sair de casa e não voltar. Medo de ser alcançado pelo tiroteio trocado entre a polícia e os traficantes de droga,  em plena luz do dia. Medo de ser atropelado por um ônibus, que subiu desembestado no passeio. Medo de ser morto pela briga das torcidas antes mesmo de o jogo ser iniciado. Medo de ser pisoteado na passeata pela multidão,  que de repente confrontou-se com a facção rival.  Medo de ser queimado no ônibus. Medo de ser morto  por uma bala perdida quando estava rezando na missa.
      Meu Rio de Janeiro, apesar de todos os traumas dos tempos atuais, gosto muito de você.

    



Nenhum comentário:

Postar um comentário