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sexta-feira, 5 de julho de 2019


   



               Arte de Contar História
             
                 Cyro de Mattos  

O que é o conto? São muitas as definições que se encontram na  produção desse gênero literário, que se fez autônomo como entidade literária na sua evolução,  estruturado nos limites das  características próprias, variando, nas suas expressões, como breve história que relata um acontecimento ou  como um corte no fluxo da vida. Devido à dificuldade para precisar o que significa,  nenhuma definição basta-se  para informar   o que é esse gênero. O conto tem aparência fácil,  mas é difícil de ser escrito, como já notara Machado de Assis,  importante contista brasileiro de acontecimentos interiores.
As primeiras manifestações do conto começam através da oralidade e se perdem em tempos remotíssimos. Decorrente da convivência humana, contar história reuniu as pessoas que contam e as que escutam, em agrupamentos humanos primitivos,  com os sacerdotes e os discípulos juntos para a transmissão de ritos e mitos da tribo. No seu hábito milenar chega aos nossos tempos, à hora da refeição em torno da mesa ou perto do fogão a lenha.
Ainda sem a marca da tradição escrita, alguns acham que os contos mágicos dos egípcios são os mais antigos, remontam a 4 000 anos antes de Cristo.  Detectar as fases da evolução da arte de contar história é ir de encontro ao itinerário da própria história da humanidade, de sua cultura e dos momentos da narrativa que a representa.  Convém lembrar a história de Caim e Abel na Bíblia, várias estórias que existem na Odisseia e Ilíada, de Homero, os contos do oriente e As mil e uma noites, que da Pérsia, no século X, expandem-se para  o Egito, no século XII, e para toda a Europa, no século XVIII.
No século XIV, o registro escrito do conto ganha uma dimensão estética com o  Decameron (1350), de Bocaccio. No século XVI aparecem as Novelas Ejemplares (1613),  de Cervantes, enquanto no fim do século surgem os Contos da mãe Gansa, de Charles Perrault.  No século XVIII, La Fontaine aparece no cenário do conto como exímio  contador de fábulas, que são breves histórias vividas por animais com o fim instrutivo. .
No século XIX prevalece o conto motivado pela cultura medieval, ligado ao folclore e  ao popular. É  pelo desenvolvimento da imprensa  que o conto encontra o espaço ideal para ser publicado em revistas e jornais. O nome de Edgar Alan Poe insere-se  como fundamental no momento da criação do conto moderno. O criador do conto como unidade de efeito  propõe em sua teoria para esse gênero de curta duração na escrita o acontecimento extraordinário disposto na sucessão  dos  momentos de princípio, meio e fim. Com Edgar Alan Poe,  um projeto humano para o conto  é proposto no qual os acontecimentos obedecem a uma ordem  e se organizam  em uma série temporal estruturada.  Anton Checov vai substituir o momento do meio no conto tradicional  pela atmosfera criada com os acontecimentos interiores.  
São muitos os autores que se destacam na construção do conto moderno, ao trocar a  técnica convencional por novos meios de narrar uma  história breve. E, entre eles, Faulkner,  Jorge Luís Borges, Julio Cortázar,  Katherine Mansfield e Clarice Lispector. Transitam  esses contistas do que era disposto numa ordem linear para um discurso mesclado com feelings, sensações, percepções, fragmentos, revelações, sugestões íntimas,  monólogo ininterrupto, fluxo de consciência, labirintos do pensamento... O que era verdade para vários personagens na história clássica,  aventura e reviravolta nos acontecimentos extraordinários,  tende a ser agora a prevalência do  conflito ou labirinto do herói crítico.
O conto é uma breve narrativa do acontecimento verdadeiramente falso,  com princípio, meio e fim, na execução antiga.  É  síntese da vida, que deixa ao final uma impressão forte no seu auditório. Como querem os modernos, o conto é o corte crítico no fluxo da vida, fragmento que enfoca o conflito no espaço breve da ação ou movimento,  sem  a  importância que se dava antes ao enredo (plot).
Como acender e apagar de vagalume, obedecendo ou não  a uma ordem linear dos acontecimentos,  estruturado com simplicidade para alcançar a intensidade,  resolução do epílogo, ou como  fragmento  para externar a síntese  no fluxo da vida, usando para isso os elementos novos de sua invenção, o conto torna-se um problema quanto à sua terminologia quando incorpora à sua estrutura elementos de outras artes e novas técnicas.  É conhecido o gracejo de Mário de Andrade quando diz que o conto é tudo que o leitor aceita como conto.

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