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segunda-feira, 14 de outubro de 2019





O Menino e a Bola
         Cyro de Mattos

-         Abra essa porta, menino.
-         Não quero não.
-         O que é que você tem?
-         Não sei.
-         Por que você não acaba com esse choro?
-         Não posso não.
-         Você vai ficar trancado aí dentro o tempo todo?
-         Vou.
-         E sua mãe, seu pai?
-         Eu não quero ver ninguém.
-         Jura?
-         Não quero.
-         E seus brinquedos?
-         Dê pro Tonico.
-         Deixe de bobagem, Vilinho. Tudo já passou.
-         Eu não vou esquecer.
-         Esqueça tudo, Vilinho. Você já é um homem.
-         Não posso.
-         Mas que coisa mais esquisita!
-         Ainda dói, tio.
-         O quê?
-         Dói muito, aqui no lado esquerdo.
-         Você foi o vencedor?
-         Fui.
-         E então? O que é que você mais queria?
-         Isso não importa.
-         Como não importa?
-         Eu já disse que nunca vou esquecer.
-         Tire,  menino, tire logo essas bobagens da cabeça.
-         Não posso.
-         E por que você não pode?
-         Tio, por favor...
-         Olhe, o Tonico e o Dudu estão aqui fora.
-         Eles ainda estão aí? E por que não vão embora?
-         Eles estão dizendo que você tinha razão, foi provocado primeiro.
-         Eu não queria.
-         Hein?
-         Não queria brigar não.
-         Mas isso tinha que acontecer um dia.
-         Eu já disse que não queria.
-         Aconteceu também comigo quando eu tinha a sua idade.
-         Antes eu tivesse dado a bola a ele.
-         Ele quem?
-         O Armando, que quis tomar minha bola.
-         O filho do juiz?
-         Ele mesmo.
-         Mas ele é maior que você!
-         É.
-         E você ganhou mesmo a briga?
-         Ganhei.
-         No duro?
-         Ganhei.
-         Fale a verdade.
-         Estou falando.
-         Você bateu muito nele?
-         Bati.
-                                                  -  Então por que todo esse choro? Por que ficar trancado aí dentro o tempo todo?
-         Eu não  tive outro jeito.
-         O que mesmo?
-         Não tive outro jeito.
-         Abra essa porta, menino!
-         Não abro.
-         Vai abrir ou não vai?
-         Acredite, tio, só bati nele pra me defender.
    Um choro agudo irrompeu dentro do quarto.
-         Abra essa porta, Vilinho. Por que você não quer abrir?
-         Não posso.
-         Abra logo. O Tonico e o Dudu estão querendo falar com você.
-         Não me interessa falar com ninguém.
-         Por que você não quer?
-         Porque não quero.
-         Quer que eu mande chamar seus pais?
-         Não.
-         Tem certeza?
-         Tenho.
-         E o que é que você quer que eu faça?
-         Tio, por favor, vá embora... me deixe aqui em paz.
     E o choro agudo continuou dentro do quarto.

                           






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